Formado em medicina, Carlos Alberto de Oliveira Andrade, de 75 anos, não divide a sua rotina entre consultórios e hospitais. Mas sim entre as duas fábricas e as mais de 130 concessionárias de automóveis do grupo Caoa, que une as iniciais do seu nome.
Fundado em 1979, a partir da compra de uma concessionária da Ford, a companhia ganhou tração ao trazer para o País marcas como Renault, Subaru e Hyundai. E ao estabelecer, em 2017, uma joint venture com a montadora chinesa Chery. Nessa trilha, o empresário tornou-se o único nome brasileiro, de fato, a se destacar na indústria automobilística, dominada por multinacionais.
Nesta terça-feira 3, a Ford voltou a cruzar o roteiro do empresário, que segue desafiando a corrente no setor. A Caoa confirmou hoje a intenção de compra da fábrica de caminhões da montadora americana em São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista.
A unidade vivia um impasse desde meados de fevereiro, quando a Ford anunciou que iria encerrar a produção no local até o fim deste ano. A fábrica empregava 2,6 mil profissionais. E, nos últimos meses, vinha operando com cerca de mil funcionários, entre o setor administrativo e as linhas de montagem.
Com a participação do governo estadual, as tratativas entre a Caoa e a Ford tiveram início há quatro meses. Outras duas empresas, não reveladas, estavam no páreo na época.
As cifras envolvidas no negócio só serão anunciadas após um processo de due diligence, previsto para ser concluído entre 35 dias e 45 dias, quando a Caoa deve assumir a operação. Pelos termos divulgados até o momento, o grupo seguirá produzindo caminhões da marca Ford, sob licenciamento.
“Estamos em negociações avançadas para produzir um automóvel de uma outra marca na fábrica de São Bernardo”, disse Andrade
Hoje, na categoria, a Caoa produz dois modelos da Hyundai. “Esse acordo abre o leque do grupo para caminhões de maior porte, com participação pequena, mas com muito potencial de crescimento e em um segmento de alto valor agregado”, diz Milad Kalume, analista da consultoria Jato Dynamics. “Se eles acertarem a mão, vão fazer muito dinheiro.”
Os 600 profissionais da linha de produção serão mantidos. E também está aberta a possibilidade de a Ford manter os funcionários administrativos em parte da estrutura, que ocupa um terreno de 1,2 milhão de metros quadrados.
O acordo não envolve, a princípio, incentivos fiscais. Tampouco a Caoa recorreu a recursos do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), como chegou a ser especulado. “Vamos financiar com capital próprio. Eu sempre trabalhei assim”, afirmou Andrade, durante o anúncio realizado no Palácio dos Bandeirantes em São Paulo.
Nova marca
O projeto do empresário, no entanto, não estará restrito aos caminhões da Ford. “Estamos em negociações avançadas para produzir um automóvel de uma outra marca na fábrica de São Bernardo”, disse Andrade, sem revelar, porém, o parceiro com quem está negociando.
A nova marca deve ser a chinesa Changan, segundo o jornal O Estado de S. Paulo. A empresa é uma das cinco maiores montadoras da China e já esteve no Brasil, atuando com veículos importados no passado. Mas acabou desistindo do mercado.
Hoje, as fábricas da Caoa em Anápolis (GO) e Jacareí (SP) produzem modelos da Caoa Chery e parte do portfólio local da sul-coreana Hyundai. A entrada de uma terceira marca no mapa de produção, por sua vez, pode sinalizar alterações nesse escopo.
“A parceria com a Hyundai não faz mais sentido para os sul-coreanos”, diz uma fonte do setor, em uma referência ao fato de a montadora já produzir parte de suas linhas em uma fábrica própria, em Piracicaba. “Há montadoras, como a japonesa Mazda, que estudam a produção local há alguns anos, mas um acordo deles com a Caoa só seria viável com a saída da Hyundai desse pacote”, acrescenta, ressaltando que os portfólios da Mazda e da Hyundai miram um público muito semelhante.
A despeito de um eventual encerramento de contrato com a Hyundai, o fato é que a parceria é um dos exemplos da estratégia bem-sucedida de Andrade e da Caoa. Quando o acordo foi firmado, no ano 2000, a montadora patinava no mercado brasileiro, especialmente com problemas de imagem.
Com a parceria, a marca desfez o domínio do quarteto formado por Volkswagen, GM, Fiat e Ford, que perdurava há três décadas, e hoje ocupa a quarta posição entre as mais vendidas no País. “É inegável o mérito do Caoa nessa escalada”, diz Paulo Roberto Garbossa, diretor da consultoria ADK Automotive.
Enquanto negocia com uma nova marca, Andrade tenta repetir o feito com a Caoa Chery. A joint venture foi firmada no fim de 2017. A empresa enfrentava problemas para se estabelecer no País, o que se refletia em uma participação de apenas 0,17%.
De lá para cá, a montadora alcançou uma fatia de 0,7% e saltou da 21ª posição para a 14ª posição no ranking de vendas. No acumulado de janeiro a agosto deste ano, foram produzidos 12 mil automóveis da marca, contra 3,7 mil, em todo o ano de 2017.
As estratégias agressivas de vendas e as verbas elevadas de marketing são alguns dos componentes que marcaram a carreira de Andrade
No período, a marca renovou e ampliou o seu portfólio local de dois automóveis para cinco modelos. “Nosso plano é lançar mais três modelos entre 2020 e 2021”, afirmou Andrade.
“Eles conseguiram encontrar um posicionamento e uma oferta adequada”, diz Kalume, da Jato Dynamics. “E investiram pesado em mídia, marketing e na rede de concessionárias e de pós-venda.”
As estratégias agressivas de vendas e as verbas elevadas de marketing são alguns dos componentes que marcaram a carreira de Andrade. Esse percurso, no entanto, também foi pontuado por algumas polêmicas.
O empresário foi um dos indiciados na operação Zelotes, da Polícia Federal, que investigava a compra de uma medida provisória para favorecer montadoras instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O grupo também foi citado na operação Acrônimo, por suspeita de pagamento de propinas para agentes públicos.
Essas questões parecem não ter abalado, no entanto, a imagem do empresário e da Caoa no mercado. “Ele é o único expoente brasileiro nessa indústria, porque sabe exatamente o que o mercado precisa”, diz o analista.
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