Parte do avanço da extrema direita radical nos últimos anos – que se espalhou pelo mundo – se deve ao projeto político do bilionário americano e magnata da mídia Rupert Murdoch, de 92 anos.
Não deixou de ser um alívio para quem defende a democracia nos EUA, no primeiro momento, quando ele anunciou no dia 21 de setembro sua aposentadoria do cargo de presidente dos conselhos da Fox Corporation e da News Corporation, após uma carreira de quase sete décadas.
Mas não significa que Murdoch se afastará completamente dos negócios, enquanto passa o bastão para o filho Lachlan Murdoch, de 52 anos, pois se tornará presidente emérito das empresas. Assim, continuará influente e essa decisão parece ser apenas o início da estratégia de transição para manter sua família no poder.
Isso acontece no período em que sua reputação de manipulador atingiu seu pior momento, depois de mais de maio século metido em polêmicas e processos judiciais bilionários. Embora Murdoch tenha dezenas de biografias escritas sobre sua vida, o livro "The Fall: The End of the Murdoch Empire" (A Queda: O Fim do Império Murdoch, em tradução livre), ainda inédito no Brasil, do jornalista Michael Wolff, chama atenção pela sua atualidade.
A obra escancara não apenas a busca desmedida pelo poder e de lucros do patriarca e toda a família, como destaca o que o autor chama de “desastrosamente disfuncional” atuação da Fox News e que, até recentemente, formava uma força política e de mídia das mais poderosa da América.
Para o autor, sem Trump no poder, esse império está desmoronando, desabando, segundo termos seus, em meio a processos por danos morais e prejuízos movidos por grandes empresas.
Mas tem algo ainda mais grave, por ser o bem maior de um veículo de comunicação: a completa perda de credibilidade em suas notícias, acompanhadas apenas pelos seguidores de ideias radicais de extrema direita, para quem a democracia é algo que menos importa para impor suas ideias.
Ex-repórter das revistas New Yorker e Vanity Fair, Wolff ficou conhecido mundialmente pela elogiada trilogia sobre a caótica presidência de Donald Trump, com os volumes "Fogo e Fúria", "Cerco" e "Deslizamento de Terra", sobre os sombrios corredores da Casa Branca e a indústria da mentira para manter o presidente no poder. O primeiro se tornou best-seller nº 1 do The New York Times e livro do ano do The Guardian, The Sunday Times, The Observer e Financial Times.
"A Queda" conta a história pouco conhecida do canal Fox News, com destaque para os anos Trump. Enfatiza principalmente seu relacionamento com a família Murdoch. Para o autor, sem o magnata e a emissora, poderia muito bem não ter existido presidente Trump.
Destaca o papel decisivo em minar a confiança do público nos resultados das eleições presidenciais de 2020, a ponto de colocar a própria democracia dos EUA em risco, com a invasão do Congresso – além de questionar a eficiência das vacinas contra a Covid-19.
Para Wolff, “a Fox ajudou a tirar das sombras as forças da reação e do racismo empurradas para as margens do dia a dia durante as décadas de domínio liberal e deu novo orgulho ao impulso iliberal. É compreensivelmente difícil ver a Fox News para além do seu coração e missão política”.
Até então, a mídia conservadora permaneceu “o outro”, lembra o jornalista, para depois tomar o protagonismo da história da pior forma – pela mentira.
Apesar de criticado por fundamentar escândalos que narra em fontes anônimas, até mesmo em fofocas – com uso de palavrões em excesso, ao preservar, na verdade, o linguajar tão comum no universo investigado –, seu novo trabalho é descrito por ele como baseado em anos de acesso sem precedentes à família Murdoch e aos principais personagens citados.
O modo como ele resume os 14 personagens centrais – cada um dá nome a um capítulo – não tem mesmo qualquer refinamento narrativo : “O idoso patriarca perdido em conversas consigo mesmo; o filho do tipo ‘tire-me daqui’; o irmão ‘sabe-tudo’; a filha mais esperta que o resto deles; o âncora paranoico concorrendo à presidência; a âncora idiota amada por todos; a mulher-âncora ridicularizada; e o fundador do gênio do mal morto cujo fantasma continua a assombrar o lugar”.
Por outro lado, além da consagração de seus livros sobre Trump, o autor tem trunfos que o credenciam a contar essa história. Em 2008, Murdoch, entusiasmado por assumir o controle do The Wall Street Journal, um dos sonhos de sua carreira, concordou em cooperar na biografia "O dono da mídia" escrita por Wolff,
“Propus escrever sobre ele. Ao longo de um ano, Murdoch sentou-se durante incontáveis horas de entrevistas comigo. Isso pode fazer de mim o jornalista que não trabalha para ele e que o conhece melhor. Além do mais, tive carta branca para entrevistar todos os membros de sua família, inclusive sua mãe (com 99 anos de idade na época)”. Murdoch odiou o livro.
Desta vez, Wolff foca na Fox e dividiu o volume em personagens e histórias de como tudo se entrelaça, em meio a trapaças, puxadas de tapete, assédio, traição e tudo que muitas vezes se faz em busca de herança e poder nos negócios.
No capítulo de abertura, sobre Murdoch, ele escreve: “Aqui está um resumo de uma das vidas mais importantes, para o bem ou para o mal, do nosso tempo – com o seu fim pressagiando mais desenvolvimentos político e empresarial dramáticos como os causados ao longo da sua longa carreira”.
Wolff faz um breve resumo de dez páginas sobre a vida de Murdoch para entrar no tema que interessa: o passado recente, o presente e o futuro da América, refém nas mãos do bilionário. Uma carreira que começou por vias transversais.
“Ele era um puritano pessoal, um presbiteriano íntegro, que explodiu o mundo editorial britânico com suas fotos de garotas de seios nus na página 3 do jornal The Sun, transformando-o no diário mais vendido da Grã-Bretanha."
E segue descrevendo-o como "um jornalista dedicado, talvez o último do mundo, apaixonado pelas suas redações e pelas suas gráficas, cuja verdadeira fortuna viria da televisão, que não via, e dos filmes que não via, de uma Hollywood que desprezava”.
Ao tratar dos últimos anos, Wolff contextualiza o mercado jornalístico e a Fox num momento em que não há esforço para ser imparcial.
“Todos no setor noticioso, de direita ou de esquerda, estão numa crise em que eles mesmos se encontram no centro. (...) Isso me permitiu escrever um tipo diferente de livro sobre a Fox, menos sobre o que vi ao ar do que sobre o que habita suas entranhas, em seu estômago. Aqui está uma história televisiva sobre ego, dinheiro, poder e a obsessão antinatural de estar no ar. Que acontece de ser de extrema direita”.
Nesse mundo de ambições desmedidas, Murdoch tem de lidar com a guerra entre os filhos para ver quem assume o controle após sua morte. O autor deixa clara a necessidade urgente de uma responsabilização criminal de Murdoch e da Fox News para que se freie o poder descontrolado da comunicação na era digital que tem colocado contra a parede todos os preceitos de uma democracia sólida como se acreditava que era a americana.
Para quem está de longe, por não ser americano, surgem na história personagens secundários e que podem continuar a causar impacto na política americana de acordo com a tradição de poder do magnata.
Como o âncora da Fox Tucker Carlson, que pensa em concorrer à presidência. Ou Sean Hannity, considerado o homem mais rico da televisão, que quer levar Trump de volta à Presidência. E a apresentadora Laura Ingraham, que tenta sobreviver em um mundo asfixiantemente masculino, que a impede de ir mais longe profissionalmente.
Mais do que a política conservadora, diz o jornalista, a Fox é governada por todas as notícias forjadas e opiniões controversas e, por trás disso, as batalhas destruidoras de poder, personalidade, dinheiro, não necessariamente nesta ordem. Tudo isso estabeleceu fragilidades que coloca seu futuro como incerto. E acontece de ser de extrema direita esse “ar” que é levado ao público, em vez de um meio-termo mais familiar como deve ser o noticiário de televisão.
Serviço:
The Fall: The End of the Murdoch Empire (Edição Inglês)
Michael Wolff
Editora The Bridge Street Press
320 páginas
R$ 50,28 (Kindle)
R$ 229,00 (Impresso)