Desde que colocou o Brasil como uma das prioridades do seu mapa de operações, a Shein atraiu, na mesma proporção, os consumidores e a ira dos varejistas locais. Riachuelo, Renner e Marisa foram algumas das redes afetadas pelo modelo marcado por descontos e controvérsias da plataforma chinesa.
Agora, os estragos traduzidos no chamado “Efeito Shein” parecem ter alcançado uma dimensão ainda maior, ao provocarem a reação de outra gigante do setor. E, desta vez, muito além das fronteiras do varejo brasileiro.
Nesta semana, em um movimento bastante incomum em sua operação, a Amazon anunciou que, a partir de janeiro, vai reduzir a taxa de transação que cobra dos sellers cadastrados em seu marketplace nos Estados Unidos. A decisão valerá para itens de vestuário com preços abaixo de US$ 15.
Para os produtos que se enquadrarem nessa medida, o take rate passará a ser de 5%, contra os 17% cobrados anteriormente dos sellers. Já para os itens com valores entre US$ 15 e US$ 20, a taxa de referência será reduzida de 17% para 10%.
Nessa última faixa, a Amazon havia aumentado sua taxa de referência de 15% para 17% em abril de 2018. E o fato de a maior varejista de roupas dos Estados Unidos reduzir agora suas taxas, algo bastante incomum em sua operação, só reforça que a empresa também não está imune a esse efeito.
“Quando a Amazon anuncia um corte raro e acentuado nas taxas para sellers que vendem roupas de baixo preço, significa que a rivalidade nesse espaço se intensificou”, escrevem os analistas Luiz Guanais, Gabriel Disselli e Pedro Lima, em relatório do BTG Pactual.
O banco aponta que a Shein é significativamente menor que a Amazon – o seu GMV, de mais de US$ 40 bilhões em 2023, representa menos de 10% do GMV da Amazon. Mas a maior parte desses US$ 40 bilhões está em vestuário.
Para o trio de analistas, o diferencial da Shein é a sua capacidade de criar novas roupas diariamente, a partir de uma cadeia de fornecedores simplificada, e de disponibilizá-las imediatamente para venda. “É a maior varejista nativa de roupas online”, afirmam.
O relatório destaca que a Amazon domina o comércio eletrônico nos Estados Unidos, com uma fatia de 40% desse mercado. Mas ressalta que, além da Shein, as outras duas maiores ameaças crescentes a essa hegemonia também são chinesas: o TikTok e a Temu, e-commerce do grupo Pinduoduo.
“A Temu oferece muitos dos mesmos produtos vendidos na Amazon, mas os vende por muito menos. E, embora a Shein não consiga igualar a entrega de um ou dois dias da Amazon, ela pode oferecer preços baixos e levar uma semana para entregar”, aponta outro trecho do relatório.
Os analistas observam que a Amazon passou as últimas duas décadas construindo centros de distribuição e investindo em infraestrutura para entregar mais mercadorias a mais consumidores, com mais rapidez. No entanto, isso contribui para que a diferença de preço seja ainda maior.
“Assim, a redução anunciada ocorre num momento em que a Shein, conhecida pelas suas roupas abaixo de US$ 10, estacionou descaradamente no território da Amazon”, escreve o time do BTG.
No balanço dessas duas estratégias, o relatório frisa que, estruturalmente, os pilares do setor são tráfego, sortimento e nível de serviços. O que não reduz a importância dos preços nessa equação. Especialmente com questões como a inflação, que ampliaram a procura por produtos mais acessíveis.
“A Amazon quer reconquistar esses consumidores sensíveis aos preços”, pontuam os analistas.
Essa disposição acontece em um momento no qual os caminhos da Amazon e da Shein prometem se cruzar ainda mais. Recentemente, a plataforma chinesa registrou um pedido confidencial de listagem de ações nos Estados Unidos.
No processo, a companhia planeja buscar, a princípio, um valuation de US$ 66 bilhões. No balcão do mercado de capitais, porém, a empresa ainda está bem atrás da Amazon. Listada na Nasdaq, a gigante fundada por Jeff Bezos está avaliada em US$ 1,5 trilhão.