VENEZA - Endeusado pelo legado musical que deixou, Elvis Presley (1935-1977) tem a imagem ligeiramente arranhada em “Priscilla”. Sobretudo por tratar mal as mulheres – em particular, aquela com quem se casou e que agora repassa, nas telas, a história de amor tóxica que viveu com o Rei do Rock.
Priscilla Presley já tinha revelado os maus bocados que passou ao lado do marido no livro “Elvis e Eu” – escrito pela própria, em parceria com Sandra Harmon, em 1985, oito anos após a morte do cantor. Mas resgatar agora o comportamento abusivo de Elvis nas telas ganha um peso a mais – até porque o mundo mudou, principalmente depois dos movimentos feministas Me Too e Time’s Up.
No filme que estreia nos cinemas do Brasil em 4 de janeiro, a relação de Priscilla com o roqueiro é pontuada por longos períodos de solidão, traições constantes e alguns episódios de agressões psicológicas e até físicas. O suposto estupro conjugal, quando Priscilla teria sido forçada a fazer sexo, já no final do casamento, também é sugerido aqui.
Com base no livro de Priscilla, que é a produtora executiva da cinebiografia, Elvis exibe, entre quatro paredes, uma masculinidade tóxica, para usar um termo muito popular dos dias atuais. Só a predileção do cantor por meninas de 14 anos, idade de Priscilla quando ele a conheceu, já com 24, hoje seria considerada um traço de caráter duvidoso.
“Priscilla traz à tona os altos e baixos do relacionamento e mostra outros lados de Elvis”, conta Sofia Coppola, diretora do filme pouco lisonjeiro para o astro. Principalmente se comparado a “Elvis”, que Baz Luhrmann lançou no ano passado, recapitulando a ascensão e a queda do cantor, sempre com uma camada de verniz.
“A ideia aqui é contar a história do jeito que Priscilla a vivenciou”, comenta Sofia, em encontro com a imprensa após a première mundial do filme na 80ª edição do Festival de Veneza, que teve cobertura do NeoFeed. “Não interessa o Elvis artista, que não é visto se apresentando no palco. Só o seu lado mais vulnerável que Priscilla descreve.”
Segundo a cineasta, a intenção não é vilanizar o ícone da música, ao incluir as suas fraquezas. “Elvis e Priscilla formaram um casal lendário, sobre o qual sabemos pouco. E aqui temos a evolução dela, vendo a garota se transformar na mulher que deixa tudo para trás”, afirma Sofia.
Toda a trajetória de Priscilla ao lado de Elvis é revisitada aqui, com Cailee Spaeny no papel principal. Ao encarnar a personagem dos 14 aos 28 anos, ela conquistou o prêmio de melhor atriz em Veneza e ainda concorre, na mesma categoria, ao Globo de Ouro. Os vencedores das estatuetas entregues pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood serão conhecidos no domingo, dia 7 de janeiro.
“É importante ver a história de Priscilla desde o começo até ela romper a relação e encontrar a própria voz, conquistando a sua autonomia”, diz a atriz, que se preparou para o papel com a ajuda da ex de Elvis. “Passei algum tempo com Priscilla, que foi muito generosa. Ela foi a minha fonte principal e, obviamente, o seu livro”, acrescenta Cailee.
Priscilla conhece Elvis (interpretado por Jacob Elordi) em 1959, em uma festa na Alemanha. Enquanto o cantor servia ao Exército, no auge da sua popularidade, ela morava em Wiesbaden porque o seu padrasto, um oficial da Força Aérea dos EUA, tinha sido transferido para a Europa.
Assim que Elvis coloca os olhos em Priscilla, uma menina tímida de aura virginal, ela se transforma no objeto de desejo do cantor. Durante os primeiros encontros e mesmo na fase do namoro à distância, após ele completar o serviço militar e voltar para casa, Priscilla só conhece a faceta encantadora de Elvis.
Os traços mais sombrios de sua personalidade só são revelados depois que a garota se muda para Graceland, no Memphis, onde ela terminou os estudos. Priscilla passa a ser manipulada pelo namorado até na maneira de se vestir e se maquiar. A menina não pode ter amigas e também é proibida de trabalhar porque Elvis não gosta de “mulheres de carreira”, alegando que a única obrigação dela é fazê-lo feliz.
Elvis chega a jogar uma cadeira na direção de Priscilla, quando ela dá a entender que não gostou muito do seu último disco. Assim como Priscilla descreve no seu livro, Elvis aqui é muito temperamental, sujeito a muitos ataques de raiva, sobretudo quando algo não vai bem em sua carreira. E conforme ele fica cada vez mais dependente de drogas, os abusos pioram, ainda que ele quase sempre peça desculpas depois.
Nada muda com o casamento ou com o nascimento da herdeira, Lisa Marie Presley (1968-2023). Elvis, que sempre traiu Priscilla, continua tendo os seus casos quando sai em turnê ou roda algum filme, como se a esposa de um astro precisasse aceitar isso. Inclusive a humilhação pública, já que os seus romances clandestinos estampam as capas de revista.
Como o próprio Elvis diz no filme, se Priscilla não estiver satisfeita, há uma fila de mulheres querendo tomar o seu lugar – ao lado do homem mais cobiçado do showbiz. Ela até demora (no total, foram 14 anos de vida em comum), mas eventualmente acaba abandonando o posto. Depois dela, Elvis nunca mais se casou.