No litoral norte de Alagoas, São Miguel dos Milagres se tornou, nos últimos anos, um dos destinos de casamento mais cobiçados do país. Para os oito mil habitantes do pequeno município, as dezenas de cerimônias realizadas entre quinta-feira e domingo já viraram rotina.
Dos mais diversos estilos; intimistas ou pomposas, pé na areia, na capelinha da praia do Marceneiro ou em uma pousada; as celebrações compartilham, no entanto, um mesmo serviço. Quase todas têm o menu assinado pelo chef paraibano Wanderson Medeiros.
Aos 42 anos, à frente do bufê W Gourmet, ele é o responsável por quase 95% dos casamentos realizados na Costa dos Milagres. Desde 2014, já realizou mais de 500 cerimônias ㅡ com o recorde de cinco em um único dia ㅡ e tem mais de 120 festas marcadas para os próximos dois anos.
“Tudo começou quando um casal de amigos insistiu para eu fazer um bufê de casamento para 250 pessoas. A partir daí os pedidos começaram a bombar e não parei mais”, conta Wanderson ao NeoFeed.
Antes de cair nas graças das noivas, o chef tocava a cozinha do restaurante Picuí, em Maceió. A capital alagoana foi o endereço do primeiro restaurante da família Medeiros, uma casa especializada em carne de sol fundada por seus pais em 1989.
Cinco anos depois da inauguração do Picuí, a família decidiu voltar para a Paraíba e deixou o restaurante de Maceió, com 17 funcionários, aos cuidados do filho, na época com 19 anos.
“Meus pais sempre esperavam que o restaurante fosse passado para mim”, diz. “Como eu nunca pude viajar e fazer estágios fora porque precisava cuidar do Picuí, passava as madrugadas testando receitas.” Ele não saiu do país, mas conseguiu conciliar o dia a dia na cozinha com a faculdade de administração e o curso de gastronomia do Senac.
Autodidata, Wanderson não esconde que sua maior escola foi o restaurante da família. Quando assumiu o Picuí, cujo nome faz referência à sua cidade natal, no interior da Paraíba, o chef reformou o salão e o menu da casa, explorando a “nova cozinha nordestina” –releitura sofisticada de iguarias tradicionais, “com técnica, na louça certa e empratamento correto”, como ele define.
No menu dos casamentos, o chef reinventou pratos clássicos. Arroz cremoso com leite de coco, banana da terra e cubos de polvo grelhado, filé mignon com creme de queijo coalho e chips de mandioca, e ravioli de carne de sol desfiada ao molho pomodoro são algumas das opções.
Premiado pela revista Prazeres da Mesa como o "Melhor Chef Banqueteiro" do país em 2018, Wanderson diz que parte de sua trajetória foi marcada pelo preconceito contra a culinária nordestina. Em meados de 2006, porém, houve o que ele chama de “tropicalismo gastronômico brasileiro”.
Em um movimento encabeçado por nomes de peso como os chefs Rodrigo Oliveira, do restaurante Mocotó; Helena Rizzo, do Maní; e o próprio Wanderson, os ingredientes nacionais começaram a ganhar mais espaço no circuito da alta gastronomia. “Antes disso, não era chique cozinhar nada que fosse brasileiro”, lembra.
Mas não foi fácil redefinir a cozinha do Picuí. Vencer a “antipatia” pela culinária nordestina foi mais complicado no próprio nordeste do que no sudeste. “Provar para os locais que batata doce e rapadura podem ser alimentos sofisticados é muito mais difícil”, diz.
Ele conseguiu. Sob seu comando, o Picuí triplicou o número de funcionários e serviu de vitrine para suas criações, abrindo o caminho para o quando surgiu a oportunidade das cerimônias de casamento.
“Os clientes do Picuí começaram a pedir pequenos bufês para festas dentro do restaurante. Quando os eventos começaram a crescer muito, fundei a W Gourmet”, diz o chef, que já realizou casamentos para até 800 convidados, a um tíquete médio de R$ 450 por pessoa.
O perfil atendido por Wanderson é de noivos vindos majoritariamente de outras regiões do país. Oito em cada dez são de fora do nordeste e, deles, metade é de São Paulo. “Os noivos que me procuram querem menus sofisticados feitos com ingredientes regionais, mais carne de sol e menos salmão”, diz.
A pedido dos clientes paulistas, em 2022, Wanderson inaugurou o Canto do Picuí, restaurante intimista de 42 lugares, localizado no bairro paulistano de Pinheiros. Funcionando à la carte, atende cerca de 80 pessoas por dia.
O chef e o sócio paulista Carlos Vázquez investiram R$ 2 milhões na casa. Toda a decoração foi pensada por Wanderson, que trouxe apetrechos e até mesas da Paraíba e de Alagoas. “Eu tenho uma veia muito mais artística do que empresarial, mas ter estudado administração me fez entender como destacar minha empresa e construir uma marca para encantar o cliente”, conta.
O menu do restaurante paulistano é estrategicamente o mesmo servido nos casamentos de Wanderson. Para o cliente comum, não faz diferença. Mas a ideia implícita do Canto do Picuí é que noivos em potencial possam experimentar a cozinha do chef paraibano e, quem sabe, fechar um bufê de casamento no paradisíaco Caribe brasileiro.