Uma nova obsessão paira entre sommeliers de todo o mundo: os vinhos de ilha. Sempre atentos a novidades para apresentar aos clientes mais exigentes e fazer de suas cartas as mais cool, eles têm encontrado no recorte insular não apenas bons vinhos, como narrativas instigantes, resgates históricos, cepas autóctones e métodos únicos de produção.
Junte a isso o fator raridade, dada a baixa produção em territórios limitados, de difícil manejo e alto custo, e se terá um barril digno de brilhar olhos.
A produção de vinhos em ilhas está longe de ser algo novo. Há registos de vinicultura há mais de 4 mil anos em Creta, na Grécia. Ou na Sicília, na Itália, onde anos depois foi criado o fortificado Marsala, em uma história semelhante à do Madeira, desenvolvido na ilha portuguesa.
A nova onda, no entanto, não atinge os chamados “vinhos de supermercado”, produzidos em maior escala, por grandes empresas.
“São vinhos de ‘mão de sommelier’, pelos quais você vai pagar pela particularidade”, define a sommelière Daniela Bravin, da Sede261, em conversa com o NeoFeed. “Não adianta inventar a roda, mas fazer resgates culturais.”
Paisagem lunar
Recentemente, ela e sua sócia, a também sommelière Cassia Campos, estiveram na ilha Lanzarote, no arquipélago das Canárias.
De lá voltaram com rótulos únicos como o Bermejo Listán Negro Maceración Carbônica, do produtor Bermejo; o Be Spontaneous! da bodega artesanal Cohombrillo, e o Listán Negro Grano a Grano, da El Grifo - alguns dos 28 corajosos vinhateiros locais a desafiar as condições extremas do terroir marcado por solo vulcânico, escassez de água potável e ventos cortantes.
A solução centenária encontrada pelos produtores canarienses foi plantar as videiras em buracos, rodeadas por pequenas muretas de pedras ou conchas. O método protege contra o vento e retem a umidade, mas impede a mecanização da colheita.
O resultado é uma paisagem lunar, com o verde das plantas contrastando com o solo negro, diferente de tudo que se vê no mundo do vinho nos continentes.
Datada de 1775, a El Grifo, por exemplo, hoje comandada pelos irmãos Juan José e Fermín Otamendi Rodríguez-Bethencourt, conta com apenas 32 hectares plantados principalmente com malvasía volcánica e listán negro. O que lhes garante não mais do que 2 mil garrafas de cada rótulo ao ano, vendidas localmente a Є 27, em média.
São vinhos que não chegariam ao Brasil, por menos de R$ 400, se levadas em consideração os impostos e as dificuldades para a importação, avalia Cássia.
“Quanto menor e com menos estrutura de transporte e turismo tiver a ilha, mais cara será a produção, porque isso também limita o acesso aos insumos e à mão de obra”, acrescenta a sommelière Gabriele Frizon, em entrevista ao NeoFeed.
Sócia da importadora Belle Cave, ela é responsável por trazer da Sardenha, na Itália, onde reina a variedade vermentino, o vinho Audarya Monica. A R$ 270, caracteriza-se como um tinto leve, com taninos delicados e notas aromáticas de frutas vermelhas frescas, que entrou recentemente na seleção de harmonizações do restaurante Evvai, em São Paulo.
Os jovens enólogos
Mas não são só os sommeliers que se interessaram em explorar as possibilidades dos territórios insulares.
Em 2016, Angelo Gaja, um dos nomes mais respeitados e revolucionários do mundo dos vinhos, responsável por colocar o Piemonte no topo do mundo, começou a explorar em um terreno de 21 hectares na Sicília uvas nativas como carricante, nerello mascalesse e nerelo cappuccio. O que deu origem à linha Idda, vendida no Brasil pela Mistral a partir de R$ 800.
Muito antes, em 2003, a família Mazzei, responsável pela produção de Chiantis Clássicos desde 1435, criou na mesma ilha italiana a vinícola Zisola, com apenas 24 hectares de vinhedos dedicados às castas nero d'Ávola, syrah, petit verdot, grillo e catarratto. Importado ao Brasil pela Grand Cru, o Zisola Secilia Noto Rosso DOC 2021 está à venda por R$ 186.
“A grande euforia gerada durante a pandemia fez com que todo o mercado de vinhos crescesse, impulsionando os de nicho, que possuem produtos mais particulares, antes nem cogitados para importação”, aponta ao NeoFeed Ari Gorenstein, co-CEO e diretor de produtos do Víssimo Group.
No portfólio da empresa ainda estão os vinhos da Planeta e Barone Montalto, dois produtores clássicos da Sicília.
Mais recentemente, jovens enólogos como o espanhol Roberto Santana, do projeto Envinate, tem chamado a atenção com os vinhos Benji e Táganan, produzidos respectivamente a 500 metros e 1 mil metros de altitude, em Tenerife, a partir de castas autóctones de vinhas antigas.
As variedades ficaram protegidas da phyloxera, praga que quase dizimou os vinhedos da Europa na segunda metade do século 19, como listan blanco (também conhecida como palomino), listan prieto (ou país), negramol, marmajuelo e albillo, entre outras.
Mas talvez o nome mais emblemático, no momento, seja o do enólogo português António Maçanita. Ele vem se destacando por seu ousado projeto de recuperação da terrantez, no terroir vulcânico “extremo”, da ilha do Pico, nos Açores. O resultado pode ser conferido no Brasil graças à World Wine, que traz o mineral Terrantez do Pico 2021, com notas de frutas cítricas, toques florais e herbáceos a R$ 892.