Na segunda-feira, 15 de abril, um e-mail enviado por Elon Musk a funcionários da Tesla tornou-se público em uma reportagem publicada pela agência Bloomberg. Nele, o bilionário trazia uma má notícia: a resolução de demitir o equivalente a mais de 14 mil profissionais dos quadros da montadora.
“Fizemos uma revisão completa da organização e tomamos a difícil decisão de reduzir o nosso número de funcionários em mais de 10% globalmente. Não há nada que eu odeie mais, mas isso deve ser feito”, afirmou Musk, em um dos trechos do documento.
O e-mail tem como pano de fundo uma outra mensagem recente, enviada pela Tesla ao mercado. No início do mês, a companhia reportou 386,8 mil carros entregues no primeiro trimestre de 2024, queda de 8,5%, em base anual e o primeiro recuo registrado pela empresa nessa linha desde 2020.
O mau momento da Tesla, por si só, já chamaria a atenção. Mas, nos últimos meses, outros componentes alimentam uma indagação: após movimentar estratégias e cifras bilionárias das montadoras, a indústria automobilística está virando a chave e colocando um pé no freio na onda dos carros elétricos?
Ainda é cedo para cravar uma resposta a essa pergunta. Mas alguns dados indicam que existe um caminho alternativo a esse boom. E ele aponta para os veículos híbridos, que, na contramão dos elétricos, engataram uma trajetória recente de aceleração nas vendas.
É o que mostra uma pesquisa da consultoria Motor Intelligence, destacada em reportagem do The Wall Street Journal. Segundo o levantamento, as vendas de carros híbridos nos Estados Unidos somaram 128 mil veículos no primeiro trimestre de 2024, alta de 43% sobre igual período, um ano antes.
O balanço do período reforçou a tendência de avanço da categoria, iniciada em 2023. E, ao mesmo tempo, trouxe novos números para o movimento recente de desaquecimento nas vendas de elétricos. No trimestre, a categoria cresceu apenas 2,7%, na comparação anual, no mercado americano.
Em 2023, as vendas de híbridos já haviam superado a de elétricos nos EUA, com volumes de 1,4 milhão e 1,1 milhão de veículos, respectivamente, de acordo com a plataforma Edmunds. No período, o primeiro segmento cresceu 63%, enquanto o segundo avançou 51%.
Entre outros fatores, a queda na procura dos consumidores pelos veículos elétricos é atribuída a questões como as preocupações com aspectos como o preço - considerado ainda bastante alto, a despeito da “guerra de descontos” recentes no setor -, segurança e autonomia.
Ao mesmo tempo, o avanço dos híbridos acontece na trilha do entendimento por parte dos consumidores de que a categoria oferece uma opção de baixo consumo de combustível, sem as complexidades incluídas no ecossistema necessário para a utilização dos elétricos.
Híbridos turbinados
No saldo entre esses dois percursos, quem tem se saído bem é a japonesa Toyota. A montadora observou que suas vendas de carros “eletrificados” avançaram 74% no primeiro trimestre nos Estados Unidos. Puxadas, em boa parte, pelos híbridos, que já vinham turbinando seu balanço no ano de 2023.
“Como solução realista, os híbridos ainda são preferidos pelos nossos clientes”, afirmou Yoichi Miyazaki, vice-presidente executivo da Toyota, em fevereiro deste ano, quando a empresa reportou seu balanço referente aos nove meses do seu ano fiscal, encerrados em dezembro de 2023.
Na oportunidade, o executivo acrescentou que as vendas de carros híbridos “desafiaram as expectativas”, ao registrarem um bom desempenho inclusive na China, país dono do maior mercado global de veículos elétricos.
Outra montadora japonesa a ressaltar a performance dos híbridos em seus resultados no período foi a Honda. Mas, além dos players da terra do Sol Nascente, as grandes montadoras americanas também estão abrindo mais espaço para essa linha em seus portfólios.
Esse é o caso da General Motors (GM), que no início do ano, informou que lançaria alguns modelos híbridos na América do Norte depois da “pressão” de revendedores na região. Quem engrossou esse coro foi a Ford, que disse que tentaria quadruplicar suas vendas na categoria em cinco anos.
“Os híbridos desempenharão um papel cada vez mais importante na transição da nossa indústria e estarão aqui no longo prazo”, afirmou, em teleconferência realizada em fevereiro, Jim Farley, CEO da Ford, que, até 2030, tem como meta oferecer uma versão híbrida de todos os seus veículos nos EUA.
As duas gigantes americanas também ajudam a ilustrar como, em paralelo à atenção crescente aos híbridos, as empresas do setor estão recalculando suas rotas, investimentos e projeções no espaço dos carros elétricos.
Para ficar nesses dois exemplos, em outubro de 2023, a GM suspendeu suas metas de produção de curto prazo na categoria, citando a queda na demanda. Até então, a montadora planejava fabricar 400 mil veículos elétricos até meados desse ano.
Um mês depois, a Ford anunciou que estava revendo seu plano de investir cerca de US$ 3,5 bilhões em uma fábrica de baterias em Michigan. Aqui, novamente, as perspectivas menos animadoras em carros elétricos, ao menos no curto prazo, foram a justificativa.
“Embora sigamos otimistas com nossa estratégia de longo prazo para veículos elétricos, estamos reprogramando e redimensionando alguns investimentos”, observou a montadora, em um comunicado divulgado na época.
Veículos elétricos perdem força
A conta dessa desaceleração dos elétricos nos EUA inclui, claro, em maior medida, os números mais modestos da Tesla, que responde por cerca de 50% do mercado de carros elétricos no país. Mas não está restrita ao “circuito” da companhia e das grandes montadoras.
Esse trajeto acidentado se estende às startups que movimentaram cifras polpudas em investimentos e IPOs na trilha do hype dos carros elétricos. Uma análise feita pelo The Wall Street Journal, em dezembro de 2023, traz um pouco desse contexto desafiador.
Segundo o levantamento, das 43 startups de carros elétricos que abriram capital entre 2020 e 2022, 18 tinham recursos para operar apenas até o fim de 2024. Desse total, cinco novatas faliram ou foram adquiridas. Enquanto outras três – Lordstown, Proterra e Eletric Last Mile Solutions – pediram proteção contra a falência.
Em março desse ano, a Fisker, sinalizou que deve engrossar essas estatísticas. Fundada em 2016 e com capital aberto desde 2020, a startup americana contratou a FTI Consulting e o escritório de advocacia David Polk para se preparar para uma possível – e bastante provável – recuperação judicial.
Longe de ser pequena – em dezembro, a empresa desbancou, inclusive, a Tesla do topo do mercado global da categoria, a chinesa BYD está distante da falência. Mas é mais um nome que já sente os reflexos dessa mudança no mercado.
No fim de março, a empresa reportou um lucro líquido de 8,67 bilhões de yuans no quarto trimestre de 2023. Apesar da alta de 18,6%, na comparação anual, o montante representou o menor crescimento registrado pela BYD desde o primeiro trimestre de 2022.