Das bactérias aos seres humanos, a glicose é a principal fonte de energia dos seres vivos. Quando as células são privadas do açúcar, o organismo encontra nos depósitos de gordura o combustível necessário para se manter em funcionamento. E, nesse processo, o fígado libera na corrente sanguínea um grupo de substâncias conhecidas como cetonas.
Desencadeadas por longos períodos de jejum, exercícios físicos intensos e dietas pobres em carboidratos, grama por grama, elas são quase 50% mais “energéticas” do que a glicose.
Com o refinamento das tecnologias alimentares, o ecossistema de inovação foodtech, especialmente o de alimentos e bebidas funcionais, encontra nas cetonas um novo (e promissor) campo de negócios.
Cofundada em 2021, pela CEO Tekla Back, ex-executiva da PepsiCo, e pela COO Karishma Thawani, egressa da Coca-Cola, a startup Key acaba de lançar uma “classe” inédita de energéticos. Nos sabores pêssego com toranja, limão com gengibre e maracujá com abacaxi, são 100% naturais e livres de açúcar.
A equipe de P&D da empresa de Delaware usa stevia para adoçar as bebidas recém-chegadas ao mercado americano. Extraído da planta Stevia rebaudiana, o edulcorante é caloria zero e 300 vezes mais potente do que a sacarose.
Mas a estrela entre os ingredientes usados pela Key é o (R)-1,3-butanodiol. O composto orgânico é precursor da D-BHB, uma das cetonas sintetizadas pelo organismo, quando há pouca glicose disponível na corrente sanguínea para a produção de energia.
Comercializado desde o fim de 2022, sob o nome comercial de Avela, o 1,3-butanodiol é desenvolvido pela biotech americana Genomatica, por meio da fermentação de precisão.
Tida como um dos pilares do futuro da alimentação, a técnica usa a biotecnologia para transformar micro-organismos em fábrica de bioativos — no caso aqui, cetonas.
Preservando o sabor
Karishma e Tekla se conheceram quando trabalharam juntas na Motif Foodworks, startup de desenvolvimento de ingredientes para a indústria plant-based.
Lá, as sócias tiveram a ideia de usar as cetonas produzidas pela fermentação de precisão em bebidas energéticas.
Um problema, porém: sob a forma de um líquido transparente e incolor, os compostos, em geral, deixam um gosto amargo nos produtos aos quais são incorporados.
Mas, graças à experiência das duas na Coca-Cola e na Pepsi, elas conseguiram vencer o desafio e preservar as características sensoriais das bebidas, diz Takla, em entrevista à plataforma AgFunder News.
Em artigo publicado na revista científica Frontiers in Physiology, pesquisadores americanos e canadenses, da Impact Science Alliance, avaliaram como 26 voluntários respondiam ao consumo do (R)-1,3-butanodiol.
Meia hora depois da ingestão do composto, o D-BHB já começa a ser sintetizado pelo organismo e se mantém estável por até quatro horas. Na prática, a energia proporcionada pelas cetonas é mais suave e duradoura, em comparação aos energéticos tradicionais, à base sobretudo de quantidades elevadas de açúcar.
Conforme avançam os estudos com as cetonas, o interesse dos capitalistas de risco pelos compostos aumentam. No lançamento das novas bebidas, Karishma e Tekla anunciaram a captação de US$ 4 milhões.
A rodada foi liderada pelo AgFunder, um dos fundos mais importantes do ecossistema agrifoodtech, com participação do Alethia Venture Partners e AgFunder SIJ Impact Fund.
O dinheiro será usado para ampliar o portifólio da Key, com dois novos produtos até o fim do ano. E para expandir a distribuição. Atualmente as bebidas estão disponíveis no site da empresa e em mercados selecionados de Los Angeles e Nova York.
Do nicho dos energéticos ao mainstream
As cetonas começaram a ganhar popularidade como suplemento alimentar no início dos anos 2000, sobretudo entre atletas. Mas, Karishma e Tekla pretendem tirá-las do nicho das bebidas energéticas (previstas para bater US$ 240 bilhões globais, em 2027) e levá-las ao mainstream.
“Acreditamos que, em breve, a presença de cetonas nos alimentos e bebidas não será um diferencial, mas um conceito de marca”, diz Takla.
Ela e Karishma querem ir além do mero fornecimento de energia. Por isso, a dupla define a Key como uma empresa de bem-estar e estilo de vida e não uma mera fabricante de energéticos.
Na receita da startup, por exemplo, a cafeína e o aminoácido l-teanina, obtidos do chá verde, são usados para aprimorar também o desempenho cognitivo.
Ao promover energia pela queima de gordura, as cetonas também são o foco de uma das dietas mais badaladas do momento, comentada em uma enxurrada de vídeos nas redes sociais.
O programa cetogênico (ou, simplesmente, “keto”) força o organismo a entrar em cetose, com uma rotina alimentar de baixíssima ingestão de carboidratos, os fornecedores de glicose por excelência. Enquanto o consumo de proteínas é moderado e o de gorduras vai às alturas.
Ácidos graxos do bem, frise-se, como azeite, amêndoas, nozes e abacate, entre outras fontes.
Ao limitar os carboidratos a, no máximo, 50 gramas diários (o equivalente a uma fatia e meia de pão de forma), o plano é difícil de ser seguido e desaconselhado por períodos muitos longos.
Como é complicado promover a síntese de cetonas naturalmente, os inovadores têm um mundo de oportunidades para explorar —. que venham as cetonas exógenas. A CEO da Key conhece o potencial do mercado.
Em 2017, depois de deixar o cargo de vice-presidente sênior de estratégia corporativa da PepsiCo, Tekla fundou a Keho, uma startup de lanches veganos cetogênicos.
Avaliados em US$ 9,7 bilhões, em 2019, nos cálculos da consultoria Skyquest. nos próximos sete anos, os alimentos e bebidas indutores da cetose devem movimentar quase US$ 16 bilhões.