A deterioração das relações comerciais entre Estados Unidos e China, as duas maiores economias do mundo, avança em direção a uma ordem cada vez mais bipolar, ameaçando causar um impacto de até 7% do PIB global, o equivalente a US$ 6,7 trilhões, no pior cenário.
O alerta é da vice-diretora-geral do FMI, Gita Gopinath, ao participar de um seminário esta semana na Universidade Stanford, nos EUA. O PIB global foi estimado em US$ 105 trilhões em 2023 pelo FMI.
A economista americana de origem indiana advertiu que, embora as tensões EUA-China ainda não tenham evoluído para uma ruptura total, a escalada em curso desde a pandemia tem levado ao redirecionamento de fluxos comerciais e de investimento ao longo de linhas geopolíticas de formas nunca vistas desde a Guerra Fria.
Gopinath afirmou que, após anos de choques, incluindo a pandemia da Covid-19, os países estão agora reavaliando os seus parceiros comerciais com base em preocupações econômicas e de segurança nacional.
“Embora isso não seja necessariamente ruim, o fato é que estamos assistindo a um amplo retrocesso nas regras globais de envolvimento e, com ele, uma inversão significativa dos ganhos da integração econômica”, disse, referindo-se ao processo de globalização da economia.
Em um cenário mais ameno, sem agravamento da guerra comercial, o impacto seria de 0,2% do PIB global, em torno de US$ 210 bilhões. Mesmo assim, a tendência de criação de um mundo comercial bipolar prejudicaria os países pobres.
“Os países de rendimento mais baixo poderão sofrer quatro vezes mais perdas de produção econômica em comparação com outras nações se os mercados de matérias-primas se dividirem em blocos alinhados com a China ou com os EUA”, afirmou Gopinath.
Restrições em alta
Dados do FMI mostram que mais de 3 mil restrições comerciais foram impostas globalmente em 2022 e 2023, mais do triplo da contagem de 2019.
Gopinath citou como exemplo a deterioração da relação comercial direta entre as duas superpotências econômicas.
A participação da China nas importações dos EUA, por exemplo, diminuiu 8 pontos percentuais entre 2017 e 2023, após um agravamento das tensões comerciais, enquanto a participação dos EUA nas exportações chinesas caiu cerca de 4 pontos percentuais durante o mesmo período.
A tendência de divisão do mundo em dois blocos comerciais aumentou no período pós-pandemia. Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022, o comércio entre os blocos dos EUA e da China diminuiu cerca de 12%, enquanto o investimento direto estrangeiro caiu 20% em comparação com os dos respectivos blocos.
“A razão pela qual o mundo não viu um impacto ainda maior dessa dissociação é porque alguns fluxos comerciais e de investimento estão sendo redirecionados para países terceiros, principalmente o México e o Vietnã”, disse.
Embora economias emergentes possam se beneficiar de uma fragmentação moderada – à medida que o comércio e os investimentos estrangeiros diretos são redirecionados para elas – Gopinath observou que elas seriam impactadas de forma “desproporcionalmente negativa” se EUA e China consolidarem blocos econômicos sem ligação entre si, pois seria mais difícil e mais dispendioso para elas encontrarem novos mercados e fornecedores.
“Se a fragmentação piorar, alguns países poderão ficar com uma fatia maior de um bolo muito menor”, advertiu Gopinath. “Resumindo, todos podem perder.”