Brasília – Os interesses da Petrobras na exploração dos recursos da chamada “Margem Equatorial”, como é conhecida a faixa oceânica entre os Estados do Amapá e o Rio Grande do Norte, não se resumem apenas à polêmica abertura de poços de petróleo na região onde se situa a foz do Rio Amazonas. Seus planos também passam pela possibilidade de gerar energia a partir das correntes marinhas, com a instalação de grandes turbinas submersas.
O NeoFeed teve acesso a informações de projetos que têm sido realizados pela Petrobras em busca de sua “transição energética”, ou seja, iniciativas que permitam reduzir a exploração de combustíveis fósseis, como o petróleo, e se voltem para outras fontes de energia. A petroleira, conforme documento obtido pela reportagem, deu início a estudos para avaliar o “potencial de aproveitamento das correntes marinhas oceânicas na costa norte do Brasil, para geração elétrica”.
A iniciativa, que deve incluir a contratação de pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA), pretende fazer uma análise das tecnologias disponíveis para instalação dos equipamentos na região. Recursos financeiros já foram reservados para esta etapa inicial de levantamento de dados e tecnologias.
Na terça-feira, 14 de maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu demitir Jean Paul Prates do cargo da presidência da Petrobras, e nomeou Magda Chambriard para ocupar o posto. No fim do ano passado, a companhia anunciou uma reserva de US$ 11,5 bilhões para investimentos, nos próximos cinco anos, em “projetos de baixo carbono” e inovações tecnológicas voltadas à transição energética. Apesar da mudança no comando da empresa, o plano deve ser mantido.
Com raras aplicações no mundo, a extração de energia a partir das correntes marinhas se baseia na instalação de turbinas subaquáticas, que aproveitam a movimentação oceânica para mover suas pás e, assim, gerar energia. Defensores desse tipo de sistema afirmam que, por ter a característica de envolver movimento constante de marés e correntes, essa geração envolve baixa emissão de gases de efeito estufa.
Seus impactos diretos, porém, podem incluir alterações drásticas no ecossistema marinho, além de interferências em rotas de migração de espécies, vibrações subaquáticas e geração de ruído. O transporte e a pesca também podem ser impactados.
Do lado operacional e financeiro, pesa contra a ideia o fato desses sistemas envolverem alto custo para desenvolvimento e implantação, principalmente quando comparadas a outras fontes já em uso avançado e processo de expansão no país, como eólica e solar.
Pesquisas à parte, o potencial petrolífero da Margem Equatorial é a grande prioridade de investimento da Petrobras. A companhia tem aprofundado estudos e buscado formas de viabilizar o licenciamento ambiental para explorar poços de petróleo na região. O Ibama, responsável pelo licenciamento, já rejeitou pedidos feitos pela empresa devido ao volume insatisfatório de dados, mas a companhia retomou o plano e tem buscado novos caminhos para iniciar a exploração.
Toda polêmica se concentra na foz do Rio Amazonas. Segundo analistas do Ibama, há riscos de que eventuais acidentes com exploração de petróleo venham a contaminar a costa na região, afetando todo o ecossistema que reside na região onde deságua o maior rio do mundo. A Petrobras nega qualquer possibilidade de impacto ambiental atrelado à abertura de poços na região ou risco de contaminação decorrente de um eventual acidente.
“A atividade de perfuração exploratória em alto mar pretendida será realizada a mais de 500 Km da Foz do Rio Amazonas (distância semelhante à que separa as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro), em uma profundidade de oceano acima de 2.800 metros”, afirma a empresa. “Nesta área, não há nenhum registro de existência de unidades de conservação próximas, terras indígenas, nem está localizada em local próximo a rios, lagos, várzeas ou sistema de recifes.”
A empresa alega que seu plano é fazer a perfuração de um único poço, durante cinco meses, nas águas profundas do Amapá, a 160 km da costa do estado, para confirmar “o potencial do ativo, a existência e o perfil de eventual jazida”.
O Ibama ainda avalia novos estudos apresentados pela empresa e cobra complementos. O plano estratégico da Petrobras prevê, entre 2024 e 2028, um investimento de US$ 3,1 bilhões na região e a perfuração de 16 poços.
Geração com águas termais
As pesquisas por fontes alternativas de energia realizadas pela Petrobras também passaram a envolver outra fonte pouco explorada no mundo: a “geração geotérmica”. Basicamente, trata-se de aproveitar as altas temperaturas de água subterrânea devido ao calor no interior da Terra. O calor converte a água em vapor que devido à alta pressão, movimenta turbinas acopladas a geradores e produz eletricidade.
Até hoje, esse recurso só é usado no Brasil para lazer, em regiões de águas termais, como acontece em Caldas Novas (GO), Poços de Caldas (MG) e Barra do Garças (MT), por exemplo.
O NeoFeed apurou, no entanto, que a Petrobras está estudando novas tecnologias de perfuração e geração geotérmica, com simulações de temperaturas, em regiões da Bacia Potiguar, que engloba a costa do Rio Grande do Norte e o extremo-leste do Ceará; e do Recôncavo Baiano, localizada em torno da Baía de Todos-os-Santos, na Bahia.
Em países com formações geográficas favoráveis e presença de gêiseres, há casos de uso desse tipo de fonte para energia na matriz elétrica. É o caso da Islândia, onde 25% da geração vem desse tipo de fonte. Nova Zelândia e Estados Unidos também possuem plantas geotérmicas. O Brasil não conta com um terreno geologicamente favorável para implantar esses sistemas em larga escala.
Em nota, a Petrobras informou que “possui uma vasta linha de pesquisa e projetos de P&D com universidades e institutos de pesquisa do Brasil e do exterior, visando soluções tecnológicas na atividade tradicional de óleo e gás, mas também em iniciativas associadas à transição energética”.
E acrescentou que, ‘especificamente os projetos mencionados, eles são avaliações iniciais que buscam adquirir maiores informações sobre o potencial de novas formas de energia no Brasil e fazem parte da carteira de P&D de baixo carbono da empresa.”
O aporte de US$ 11,5 bilhões para investimentos em projetos de transição energética inclui iniciativas de descarbonização de suas operações, além de empreendimentos de biorrefino, energia solar e técnicas para captura, utilização e armazenamento de carbono e hidrogênio. Os parques eólicos terrestres e no mar também estão na mira.
Ventos marinhos
Em busca de outras fontes de geração no mar, a Petrobras também tem investido no desenvolvimento de tecnologias para exploração de “eólicas offshore”, como são chamadas as torres instaladas no mar.
Nesta área, projetos de inovação que estão em andamento envolvem desde equipamentos para validar velocidade e constância dos ventos marinhos, até desenvolvimento de sistemas para aprimorar os métodos de construção de parques eólicos e estudos sobre diferentes tipos de solos com potencial eólico offshore.
Atualmente, a Petrobras está à frente de sete projetos, com potencial para geração de até 30 gigawatts (GW) de energia. A entrada nesta área ocorreu por meio de uma parceria com a empresa Equinor. As companhias já atuam juntas em dois parques eólicos, Aracatu I e II, localizados na fronteira litorânea entre os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Em setembro do ano passado, a petroleira pediu ao Ibama o licenciamento ambiental de dez áreas marítimas nas regiões Nordeste (sete áreas), Sudeste (duas) e Sul (uma), que somam capacidade total de 23 GW.