A seca do mercado de venture capital pode abrir espaço para um outsider do mundo árabe ganhar terreno no maior berço global de empresas de tecnologia. Nos últimos meses, o Mudabala, fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos, passou a olhar com mais atenção para as startups.
Um exemplo dessa tentativa de aproximação com o Vale do Silício aconteceu em março, quando o Mubadala organizou um encontro a portas fechadas com alguns dos principais executivos de gestoras de venture capital da atualidade. O grupo VIP se encontrou no Qasar Al Sarab, um dos mais luxuosos resorts do país.
A lista de convidados tinha nomes como Marcelo Claure, ex-Softbank; David Fiakow, cofundador da General Catalyst; John Wolfe, cofundador da Lux Capital, Barry Sternlicht, CEO da Starwood Capital Group, entre outros.
A figura de anfitrião do encontro foi encarnada por Ibrahim Ajami, head de investimentos em venture capital do grupo dos Emirados Árabes. “Trouxemos muitas pessoas excelentes para Abu Dhabi para que pudessem ver a transformação que está acontecendo”, disse Ajami, ao The Information.
Ajami não queria que seus convidados apenas aproveitassem as piscinas luxuosas do resort ou conhecessem a pista de Fórmula 1 que fica próxima ao empreendimento. O executivo queria mostrar uma mudança na filosofia do Mubadala, agora mais interessado em startups.
Com mais de US$ 24 bilhões em ativos sob gestão, o Mubadala Capital opera com venture capital e private equity e geralmente assina cheques que vão de US$ 20 milhões a US$ 50 milhões para companhias em estágios de série B até série D.
Com esse capital, o Mudabala já investiu em empresas como Brex, SpaceX, Klarna e Waymo. Contudo, sua atuação ficou mais concentrada em investir nas empresas de tecnologia indiretamente. O Mudabala é backer de fundos como Clocktower Group, Bicycle Capital, Iconiq Capital, Altimeter Capital entre outros.
Ao investir indiretamente em startups e apoiar fundos de venture capital, o Mubadala “repassa” o trabalho de buscar startups e acompanhar o crescimento dessas companhias para as gestoras. É algo comum entre fundos soberanos, que têm outros interesses para além do venture capital.
Um exemplo é o envolvimento no futebol brasileiro. O fundo dos Emirados Árabes teria uma proposta de R$ 4,75 bilhões para a Liga do Futebol Brasileiro (Libra). Outra preocupação do fundo soberano está em empresas maiores, como a Zamp, empresa que opera as redes de restaurantes Burger King e Popeye's.
O plano de Ajami tem duas frentes. Na primeira, o executivo tenta reforçar suas conexões com importantes investidores nos Estados Unidos para se aproximar de startups promissoras. “Por que não imaginar que, daqui 20 anos, eles também vão estar falando sobre o Mubadala do mesmo jeito como falam sobre a Sequoia?”, afirmou Ajami.
A segunda frente dessa estratégia está em tentar atrair founders para os Emirados Árabes, para que eles desenvolvam seus negócios no país. Uma das cartas na manga para fazer isso está em uma promessa de custos reduzidos para quem fizer a migração de seus data centers.
O fundo dos Emirados Árabes também quer se aproveitar de uma mudança de percepção dos founders nos Estados Unidos, que agora estão olhando cada vez mais para o exterior, em vez de concentrar seus negócios somente no mercado americano. Abrir o mercado árabe para essas startups pode ser um trunfo.
As aproximações com o Vale do Silício têm sido feitas em diferentes frentes. Em inteligência artificial, por exemplo, o fundo soberano criou um veículo de investimento especializado nesta vertente, o MGX. A expectativa é de que esse fundo possa gerir US$ 100 bilhões em ativos.
Ainda assim, isso não significa que mudar a perspectiva do Mudabala será uma missão simples. Na Europa, onde o fundo soberano já investiu na Klarna (que chegou a ser a startup mais valiosa do continente antes de ver seu valuation despencar).
Ao The Information, alguns capitalistas de risco relataram que, por ser um fundo soberano, o Mudabala não possui histórico de escolher vencedores neste jogo.
O ponto positivo é que ter dinheiro de sobra para investir dificilmente será um problema. Dados da KPMG apontam que as gestoras de venture capital levantaram US$ 161 bilhões em investimentos no ano passado, contra US$ 307 bilhões em 2022.