O empresário Paulo Lemann, filho do bilionário Jorge Paulo Lemann, é discreto, pouco afeito a aparições públicas, e raramente concede uma entrevista. Felipe Miranda, o cofundador da Empiricus é o oposto. Criou sua empresa, a partir do zero, apostando em um marketing extremamente agressivo, muitas vezes exagerado – hey Bettina! –, mas fez da casa de análise de investimentos um sucesso com 365 mil assinantes pagos.
Ao olhar os dois, qualquer pessoa diria que um negócio entre ambos seria improvável, quase impossível de acontecer. Mas, diferentemente de água e óleo, os dois acabaram se misturando. “É mesmo uma parceria improvável, mas, falando por mim, estamos felizes e satisfeitos”, diz Miranda ao NeoFeed. “É uma honra estar junto com a família Lemann.”
Paulo Lemann, como de costume, não fala sobre o assunto. Mas sua gestora Vitreo, criada há um ano, tem uma relação umbilical com a Empiricus. Ela, praticamente, replica todas as carteiras sugeridas pela casa de análise em seus dez fundos de investimento. E é justamente aí que reside uma das explicações para o desempenho da jovem Vitreo.
Ao inaugurar a gestora, em outubro de 2018, a meta era ter R$ 1 bilhão sob gestão em um ano de operação. Passado o período, a companhia tem R$ 2,6 bilhões sob gestão e 41 mil clientes. “E no próximo ano devemos mais do que dobrar”, diz Patrick O’Grady, CEO da Vitreo. Muitos desses clientes são assinantes da Empiricus, que pagam para receber um arquivo em PDF com as teses de investimentos da equipe de Miranda.
Miranda e O’Grady afirmam que a parceria entre as duas empresas é apenas comercial. Segundo eles, a Vitreo paga uma quantia, que os dois não revelam, para anunciar em espaços publicitários na plataforma da Empiricus. E, ao replicar os investimentos recomendados pela casa de análise, consegue capturar investidores que não querem se preocupar com a elaboração e gestão de uma carteira.
No mercado, comenta-se que a parceria sinaliza a “quebra do modelo de uma casa de análise independente”. “Se a Vitreo replica a carteira da Empiricus, isso caracterizaria o que no mercado chamamos de barriga de aluguel. A Empiricus atuaria como gestora sem ser uma gestora e isso não é permitido pela Lei”, disse ao NeoFeed um conhecido gestor.
Perguntado sobre esse ponto, Miranda é categórico. “Isso não existe de forma alguma”, diz ele. “A Vitreo persegue a nossa tese de investimento e faz a sua diligência.”
O’Grady afirma que não replica fidedignamente. “A Vitreo faz uma dupla validação daquelas ideias e montamos os fundos.” Nesse caso, diz outro gestor, “se Empiricus recomenda os produtos geridos pela Vitreo, a casa de análise também acaba aceitando as recomendações da Vitreo e não tem a última palavra na criação da carteira, o que reduz a sua independência.”
Miranda, novamente, se contrapõe a essa afirmação. “Não há, em nenhum momento, o ferimento da nossa independência”, diz ele. “Aliás, não ganhamos nada para recomendar qualquer produto que seja. Temos um acordo de publicidade”
Tanto Miranda quanto O’Grady, que trabalhou no BTG Pactual, Pollux Capital e XP Investimentos, dizem que a parceria está resolvendo uma “dor” dos investidores. Os grandes bancos e as plataformas de investimentos, afirmam, têm sistemas conflitados. “Nos bancos, que representam um oligopólio, o gerente vai tentar empurrar um produto que o ajude a bater a própria meta”, diz Miranda.
No caso das plataformas de investimento, o conflito também se faz presente. “Nas plataformas, parte do problema está resolvida porque elas são abertas. Mas ali você tem o empresário, que é o agente autônomo, e tem os incentivos de não estar trabalhando 100% do tempo no que é melhor para o cliente dele. Também tem conflito”, diz O’Grady.
Muitos dos bancos e das plataformas trabalham com o chamado 2 com 20. Cobram uma taxa de administração de 2% e 20% de taxa sobre a performance do investimento. Além disso, ainda há o chamado rebate sobre a recomendação do investimento que as gestoras pagam para as plataformas.
Fintechs como a Warren, criada em 2017 por Marcelo Maisonnave, cofundador da XP Investimentos, dizem atacar esse problema cobrando apenas uma taxa sobre o total investido – sem taxa de performance e sem rebate. No caso da Warren, é de 0,5%. “O mercado de investimentos no Brasil está sentado em um conflito de interesses”, disse Maisonnave em recente entrevista ao NeoFeed.
A Vitreo cobra de acordo com os produtos que são vendidos. Nos fundos de previdência, as taxas variam entre 0,6% e 0,9% e não há cobrança por taxa de performance. Já no fundo de ouro, a taxa de administração é de 0,14% e também não há cobrança por performance. Nos fundos de ações e multimercado, entretanto, as taxas de administração giram ao redor de 1,5% e as taxas de performance variam entre 10% e 20%.
Recentemente, a empresa lançou um fundo de canabidiol, voltado para investidores qualificados, aqueles que têm mais de R$ 1 milhão aplicados ou que têm certificação, e a taxa é de 1,5% e 20% de prêmio de performance sobre o que superar o índice S&P 500. “Devolvemos os rebates para os fundos”, diz O’Grady.
O começo de tudo
A origem da Vitreo é calcada na criação de uma carteira da Empiricus para previdência. Chamada de SuperPrevidência, ela foi montada pela consultora de investimentos Luciana Seabra, que recentemente deixou a Empiricus e anunciou uma sociedade com Guilherme Benchimol, cofundador e CEO da XP Investimentos, para criar uma nova casa de análise independente.
Seabra recomendava uma carteira de gestores independentes e a seguradora Icatu vendia esses fundos separadamente. A primeira versão, diz O’Grady, tinha sete gestores e depois foi aumentada para dez gestores. O cliente da Empiricus pagava para receber um PDF e nele tinha uma sugestão dessa carteira teórica. “A Icatu montou os fundos e o sujeito precisava de R$ 10 mil para ter R$ 1 mil para cada fundo. Mas dava muito trabalho para aquele investidor balancear a carteira quando algum dos fundos tinha um desempenho pior”, diz O’Grady.
Foi aí que a Vitreo entrou na jogada unindo todos os fundos em um único fundo. Criou o FoF SuperPrevidência, que já ultrapassou R$ 1,2 bilhão em captação. O início dessa parceria, diz Miranda, se deu através de Ilana Bobrow, uma das sócias da Vitreo, que já sabia de “seu sonho de criar produtos de investimento em que seus assinantes não fossem expostos a conflitos de interesse”.
Ilana, junto com George Washsmann, outro sócio da Vitreo, conhecido como Jojô, fizeram a ponte e costuraram o acordo que daria vida ao negócio como é hoje. “O Felipe Miranda é um parceiro muito estratégico”, diz O’Grady.
A saída de Luciana Seabra da Empiricus é recheada de polêmicas. O que corre nos bastidores é que ela era pressionada a indicar produtos que fossem de encontro aos anseios da Vitreo. “Isso nunca aconteceu”, diz Miranda. “Tínhamos divergências técnicas e visões de estratégia de negócio diferentes. Ela saiu e desejo muita sorte no novo desafio dela.”
Outro ponto levantado sobre a saída dela da casa de análise é o de que Seabra viu que o negócio teria ficado grande demais e, em uma reestruturação societária, teria uma participação minoritária. Ela teria ficado descontente com a situação e decidiu deixar a empresa.
Procurada pelo NeoFeed e indagada sobre os dois pontos mencionados, ela se limitou a enviar a seguinte nota oficial: “A independência sempre foi meu primeiro e maior mandamento e jamais recomendei qualquer produto em que não acreditasse. Foi assim que ajudei milhares de pessoas a trocar investimentos caros e ruins por produtos realmente rentáveis, que vão permitir a elas realizar seus sonhos”, escreveu Seabra.
Fintech promissora
Os sócios da Vitreo, controlada pela Vectis Partners, de Paulo Lemann, Patrick O'Grady, Sérgio Campos e Alexandre Aoude, todos do mercado, classificam a empresa como uma fintech. Mais de dois terços dos 40 funcionários são de tecnologia e a gestora pretende aumentar esse número com o incremento da personalização.
“Esse é o próximo passo”, diz O’Grady. “A tela do aplicativo não tem de ser igual para todos. Cada investidor tem um perfil diferente do outro e vamos investir ainda mais em inteligência artificial e machine learning para isso.”
O que torna a operação escalável e rentável ao longo do tempo, diz O’Grady, é a capacidade de, com uso intensivo de tecnologia, atender o cliente pequeno oferecendo produtos mais sofisticados que só milionários teriam acesso. O FoF Melhores Fundos, que está chegando em uma captação de R$ 600 milhões, é um exemplo disso.
Dois ingredientes dessa carteira são o Kaptalo Zeta e o SPX Raptor. “O Raptor é para investidor profissional, que tem R$ 10 milhões aplicados. Esse produto chega para quem tem R$ 1 mil para investir”, diz O’Grady.
O’Grady afirma que o segredo da Vitreo, além de seu DNA digital, é ter uma linguagem mais simples. “Nos comunicamos sem financês”, diz ele. O crescimento é acelerado. “Levamos seis meses para lançar o segundo fundo. De maio até julho lançamos o terceiro fundo e, de julho para cá, lançamos sete fundos. E vamos lançar mais dois até o fim de novembro.”
Indagado se a parceria entre as empresas deve ir para outro patamar, além da venda de espaços publicitários, Felipe Miranda, da Empiricus, diz que poderá rediscutir essa questão no futuro, mas não há nada definido. Afinal, por mais que a casa de análise seja polêmica, ela tem uma força colossal e o crescimento da Vitreo está baseado nisso. “Esse negócio da Vitreo vai ser grande de verdade”, afirma Miranda. E faz uma comparação com a XP.
“No mercado, existe a XP, que domina esse segmento de plataformas abertas, e as outras. Ou seja, existe um monopólio da XP nas plataformas”, diz Miranda. E prossegue. “A XP vai abrir o capital, será avaliada em R$ 60 bilhões e chegará a R$ 100 bilhões em um ano. Ela já se consolidou, mas não vai ficar sozinha.” A alternativa à XP, diz ele, está nascendo. E não é preciso dizer em quem ele aposta.
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