A divulgação dos resultados do terceiro trimestre da Via Varejo, ontem à noite, após o fechamento do mercado, parecia consolidar o clima de uma verdadeira quarta-feira de cinzas para a companhia. O balanço trouxe um prejuízo líquido de R$ 383 milhões, montante mais de quatro vezes superior à perda registrada um ano antes, de R$ 83 milhões.

No início do dia, a empresa já havia colocado o mercado em alerta com a divulgação de um fato relevante. O documento trazia informações sobre a criação, no início de outubro, de um comitê para investigar supostas irregularidades contábeis que vieram à tona a partir de denúncias anônimas.

Dado esse cenário, a expectativa era de uma reação negativa nesta quinta-feira, 14 de novembro, expressa na queda das ações da companhia. A resposta, no entanto, veio na forma de um voto de confiança. Contra boa parte dos prognósticos, os papéis da Via Varejo registraram alta durante todo o dia e fecharam o pregão cotados a R$ 7,57, o que representou uma valorização de 7,83%.

O relatório do banco de investimento Credit Suisse deu o tom do mercado. "Perdoe e esqueça", dizia o título do documento. O Banco BTG Pactual seguiu na mesma linha e classificou os números como os de "um trimestre de ajustes". A XP Investimentos lamentou o desempenho "ainda fracos" e concluiu: "mas continuamos a ver melhorias."

Mais do que o resultado e os problemas recentes, ao que tudo indica, o mercado segue confiando na reestruturação conduzida pelos “novos” controladores da companhia: a família Klein, que reassumiu a operação em junho, depois de desembolsar R$ 2,3 bilhões para comprar a fatia do Grupo Pão de Açúcar em conjunto com outros investidores.

“Temos muitos desafios duros pela frente. Mas vemos que nossos ativos são infinitamente maiores que esses desafios”, afirmou Roberto Fulcherberguer, CEO da Via Varejo, em teleconferência com analistas. “E estamos vendo que esses ativos e tudo o que fizemos em quatro meses já começam a transformar o caminho da Via Varejo.”

Roberto Fulcherberguer, CEO da Via Varejo

As iniciativas implementadas pela nova gestão em seu primeiro trimestre completo à frente da Via Varejo passaram por decisões difíceis, que trouxeram impactos no curto prazo. Mas que estabelecem um roteiro mais sólido para a tão esperada recuperação da companhia.

Um desses ajustes envolveu uma “limpeza dos estoques”, focada nos produtos de baixo giro. Na comparação com o mesmo trimestre de 2018, houve uma redução de R$ 1,1 bilhão nesse indicador. Em relação ao segundo trimestre, foram R$ 500 milhões, o equivalente a 20 dias de estoque.

A medida foi um dos fatores atribuídos pela varejista para a queda de 10,7% na receita líquida, para R$ 5,68 bilhões. Outro aspecto que impactou os números foi a decisão de desacelerar, em agosto, as vendas diretas no canal online da empresa, em virtude de problemas relacionados à integração das operações físicas e digitais, concluída no início de julho.

Nesse cenário, o recuo das vendas nesse canal foi de 35,7% em agosto. A empresa destacou, no entanto, a retomada a partir de setembro, com um crescimento de 7,8%.

Contraponto

Se as vendas diretas no canal online foram impactadas, os resultados do marketplace estabeleceram um bom contraponto, ao movimentar R$ 463 milhões, um crescimento de 79%. Nesse segmento, uma das novidades foi a implantação de um sistema de gestão de clientes. “Hoje, conseguimos monitorar 100% das chamadas e entregas”, observou Fulcherberguer.

Principal desafio da companhia, a estratégia digital esteve no centro de outras iniciativas. E trouxe mais números positivos. Entre eles, a participação, no mês de outubro, de 14% das vendas via aplicativo, cujos downloads avançaram 56% no período.

Michael Klein, presidente do conselho de administração da Via Varejo

A Via Varejo também começa a adotar ferramentas de inteligência analítica para aprimorar o conhecimento sobre uma base de mais de 60 milhões de clientes cadastrados. Em uma dessas frentes, a rede ampliou em 12% as conversões em vendas via e-mail marketing.

A partir dessas tecnologias, a ideia agora é aprofundar as aplicações. As ofertas personalizadas de preço e produto para cada clientes já estão em andamento. “Nas próximas semanas, o plano é oferecer taxas e crediário antes desse consumidor ir para a loja”, afirmou o executivo.

As lojas físicas também estiveram no centro das estratégias. Nesse canal, a Via Varejo investiu na revitalização dos pontos de venda. O processo envolveu desde questões como a troca de fachadas e de mais de 7 mil computadores até a revisão da infraestrutura de tecnologia e de backoffice das unidades.

Ao mesmo tempo, a empresa colocou em campo uma equipe de 300 profissionais para treinar todos os funcionários na ponta. “Temos mais de 20 mil pessoas para colocar de volta no trilho. Precisamos erguer o moral da tropa”, disse Fulcherberguer.

Já em logística, os caminhões antes usados apenas para entregas passaram também a cuidar do abastecimento das lojas. Com a abordagem mais eficiente, o reabastecimento das unidades passou de uma frequência de uma vez por semana para cinco vezes.

“Estamos tão confiantes no nível do nosso serviço que nos comprometemos a fazer todas as entregas da Black Friday em uma semana", afirmou Fulcherberguer

Os 14 centros de distribuição, por sua vez, começaram a operar em três turnos, sete dias por semana. E, a partir dessas e outras medidas, as entregas de pedidos aos consumidores em um prazo de até 24 horas saíram de 7% para 26%. Em até 48 horas, a evolução foi de 28% para 47%.

“Estamos tão confiantes no nível do nosso serviço que nos comprometemos a fazer todas as entregas da Black Friday em uma semana, quando a média do varejo é de 20 a 30 dias”, disse Fulcherberguer.

Ele acrescentou que, com o pacote de mais de 100 melhorias implantado no site após os problemas enfrentados em agosto, a rede considera que agora tem em mãos uma plataforma confiável para escalar as vendas tanto na Black Friday como em 2020.

Já em relação às investigações a respeito das supostas irregularidades contábeis, a companhia informou que não encontrou nada de concreto até o momento. “Por ora, nada foi comprovado. Existe uma segunda fase em andamento e voltaremos a comunicar qualquer novidade”, disse Orivaldo Padilha, vice-presidente financeiro e diretor de relações com investidores da Via Varejo.

Para as investigações, a Via Varejo contratou o Pinheiro Neto Advogados e a KPMG como assessores independentes. O processo tem ainda o acompanhamento da Delloite e da Ernst & Young (EY).

Benefício da dúvida

Em linha com a reação no mercado de capitais, os analistas e bancos de investimento parecem ter dado mais peso ao potencial das ações que estão sendo implantadas do que os problemas recentes.

Em relatório, o Credit Suisse destacou que a perspectiva operacional é complexa e que a recuperação pode demandar mais tempo. Mas ressaltou que continua a dar à empresa “o benefício da dúvida”, especialmente diante de fatores como a melhora da margem bruta operacional, a redução do estoque e as iniciativas nas operações físicas, no online e na logística.

Já o BTG Pactual afirmou que “há uma série de oportunidades para a empresa alavancar sua escala” e que, juntamente com as melhores perspectivas econômicas a partir do quarto trimestre, esse cenário deve ser mais importante para determinar o desempenho das ações.

A analista de varejo da XP, Mariana Vergueiro, destacou, por sua vez, aspectos como as renegociações comerciais com fornecedores e os incentivos dados aos vendedores nas lojas. “O progresso observado mostra que a nova gestão da Via Varejo está caminhando na direção certa”, escreveu a analista, que manteve o preço-alvo das ações em R$ 8,60 para o fim de 2020.

Com a chancela do mercado e dos analistas, Fulcherberguer fez um balanço desses primeiros meses à frente da operação. “Não tínhamos muito tempo para fazer um diagnóstico e um plano de ação, mas fomos muito assertivos. E voltamos a fazer varejo.”

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