O saldo do crédito consignado ultrapassou R$ 653 bilhões em maio. Concentrado no setor público, em aposentados e pensionistas do INSS, o setor privado corresponde a apenas 6,2% desse montante. Mas é justamente esse segmento que vai ganhar impulso nos próximos meses.
A Ouro Preto Investimentos, junto com o Banco Ribeirão Preto (BRP), lançou um fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC) de R$ 200 milhões para atender essa demanda. Ambos estão de olho nas mudanças que o governo quer aprovar para destravar o consignado privado, como o uso do eSocial e do FGTS Digital para dar acesso a microempreendedores individuais (MEIs) e empregados domésticos.
“O crédito consignado privado ainda está começando no Brasil. O consignado público está consolidado: é a segunda maior carteira de crédito do País. Mas o consignado privado só vai ter impulso com FIDCs”, diz João Peixoto Neto, sócio da Ouro Preto Investimentos, ao NeoFeed.
A Ouro Preto entende bem o jogo do FIDC. Com R$ 10 bilhões sob gestão, 70% desses recursos estão em direitos creditórios. E na casa existem 90 desses fundos rodando atualmente.
O chamado mercado endereçável para esse FIDC de crédito consignado privado não é pequeno. Só de MEIs são mais de 21,7 milhões no País. Olhando assim, é um oceano azul. Mas não é tão simples comunicar aos funcionários e convencer os gestores da empresa sobre o produto, algo mais simples para o relacionamento dos grandes bancos.
Além disso, há a competição com fintechs que estão há mais tempo navegando nesse mercado, como a Neon, que nos últimos anos comprou Consiga+, Biorc e Leve para liderar esse mercado de consignação privada; a Paketá, que tem a Kinea Ventures entre seus acionistas, e a Creditas.
Mas, se o governo mudar as regras e tirar a necessidade do empregador assinar o convênio com a instituição financeira, o jogo de fato fica maior e ganha novas estratégias. “Os grandes bancos querem as grandes empresas. Nas menores, o risco é maior, mas as taxas são melhores também”, afirma Peixoto Neto.
A taxa de juros do consignado privado, embora seja menor do que o de outras linhas de crédito, ainda fica acima do consignado público. Segundo o Banco Central, a taxa média anual para o setor privado é de 38,6%, o que significa 16 pontos percentuais acima do setor público.
Ao lado da Ouro Preto nessa operação está o Banco Ribeirão Preto (BRP), uma instituição financeira pouco conhecida se não tivesse entre os sócios Gilberto Sayão, da Vinci Partners.
Em 2012, a Vinci adquiriu o controle do BRP, que tinha como presidente e um dos sócios da instituição Nelson Rocha Augusto, que foi presidente da então BB DTVM (hoje BB Asset), a gestora de recursos do Banco do Brasil quando Antonio Palocci era o ministro da Fazenda.
Augusto permanece no comando da operação e Sayão tem uma cadeira no conselho de administração do banco. Segundo demonstrações financeiras de dezembro de 2023, o BRP tem R$ 1,7 bilhão em ativos totais e R$ 221,8 milhões de patrimônio líquido.
“Fizemos essa parceria com o Banco Ribeirão Preto, que entende de crédito e tem capital para investir, e a fintech GooRoo”, conta Peixoto Neto.
Os recursos do FIDC foram levantados para a GooRoo (lê-se guru), de Wagner Candido e Rodolfo Takahashi. A fintech criada em julho de 2022 nasceu com a ideia de ocupar o largo espaço existente na oferta de crédito consignado para o setor privado, principalmente para empreendedores individuais e funcionários de micro e pequenas empresas.
“A ideia é que uma empresa de dois, três funcionários possa usar o GooRoo, coisa hoje impossível para um grande banco que não quer ter esse esforço comercial”, diz o sócio da Ouro Preto.
Os sócios da GooRoo trazem na bagagem a experiência com a concessão de crédito, na maior parte do tempo para pequenas e médias empresas e não para o segmento corporate. Candido, aliás, conhecia bem esse tipo de operação da fintech. Ele era um dos sócios da startup de crédito consignado privado Consiga+, que foi vendida para o Neon em novembro de 2020 com uma carteira de R$ 150 milhões na época.
“O pessoal tem uma experiência comprovada de mais de dois anos rodando a GooRoo. A ideia é investir R$ 15 milhões por mês, pelo menos. Mas podemos chegar em um valor muito mais alto porque o fundo não é estático”, diz o sócio da Ouro Preto.
Um dos pontos de atenção é como as novas regras do governo para o crédito consignado privado vão impactar o negócio da GooRoo. A tendência é facilitar a entrada de novos players. Quem estiver melhor posicionado e tiver mais tecnologia, poderá avançar mais rápido.
A GooRoo entende que o seu diferencial é a agilidade na aprovação do crédito. Um processo de aprovação de convênio (como esses contratos são chamados) demora menos de cinco minutos frente aos cerca de 15 a 20 dias de outras modalidades de crédito.
Para garantir a segurança e a confiança da operação, a GooRoo tem por trás a Finnet, uma empresa de tecnologia que faz essa conexão entre a empresa e a geração de crédito.
“Hoje esse FIDC é para o investidor qualificado, mas depois queremos ir com ele para o de varejo. Mas não esperamos que seja o grande volume para um FIDC, que vai continuar vindo de gestoras, tesouraria de bancos e institucionais”, afirma o sócio da Ouro Preto.
Para este segundo semestre, Peixoto Neto vê a possibilidade de dobrar o total sob gestão para R$ 20 bilhões. Se o crescimento normal da asset, que é multiproduto e também tem fundos de ações, multimercado e renda fixa, gira em torno de 30% ao ano, com os FIDCs em desenvolvimento a chance é grande de atingir esse patamar.
Pela experiência da Ouro Preto, é possível “colocar para rodar” um FIDC em uma semana com nota comercial, cédula de crédito bancário (CCB), precatórios, duplicatas entre outros títulos de crédito.
“Esse movimento de vinda para o FIDC vai aumentar muito e se intensificar”, diz Peixoto Neto. “O FIDC pode trazer para o mercado de capitais toda a operação de crédito.”