As autoridades da China sempre foram conhecidas pela obsessão com o planejamento de longo prazo, calculado em planilhas e meticulosamente colocado em prática e cobrado dos governos locais, indústria e outros setores da atividade produtiva. A letargia em que está afundada a economia chinesa desde a pandemia, porém, parece ter alterado esse último bastião que direcionava o crescimento do país.
A reunião de quatro dias do Comitê Central do Partido Comunista chinês, conhecida como Terceiro Plenário, que ocorre duas vezes a cada dez anos e tem como objetivo definir estratégias de longo prazo para o país, terminou nesta quinta-feira, 18 de julho, sem anunciar nenhuma diretriz específica para sanar os gargalos da economia chinesa.
Em vez disso, o comunicado final limitou-se a sublinhar que a China deve “esforçar-se inabalavelmente para cumprir as metas de crescimento deste ano”, de 5% – o que foi visto por analistas como um indicador de que eventuais medidas ainda estão em estudo, uma demora que vem intrigando o Ocidente.
Como era esperado, o comunicado foi curto e vago, uma vez que o relatório completo da reunião de quatro dias, sob comando do presidente Xi Jinping, deve ser divulgado na próxima semana. Mas esperava-se ao menos alguma sinalização de diretriz.
O Comitê Central prometeu que continuará a aprofundar as reformas em todas as áreas visando “a modernização chinesa” na economia, área rural, tributação, proteção ambiental, segurança nacional, combate à corrupção e desenvolvimento cultural.
A palavra “reforma” apareceu 53 vezes no comunicado. Ao contrário do uso ocidental do termo, que implica liberalização, na China de hoje significa melhorar a governança e aumentar a eficiência.
Na única menção econômica mais explícita, o comunicado limitou-se a prometer “desempenhar melhor o papel do mercado”, mas curiosamente omitiu a frase frequentemente utilizada de que o mercado é a força decisiva na economia. Em vez disso, destacou a necessidade de manter a ordem e corrigir as falhas do mercado, refletindo as preocupações do governo e do PC sobre os riscos no seu sistema financeiro.
“Em vez de um objetivo concreto, a ‘modernização chinesa’ é mais uma perspectiva para enfrentar com sucesso os desafios econômicos, sociais, ambientais e geopolíticos que a China terá nos próximos anos”, escreveu Larry Hu, economista-chefe para a China da Macquarie Capital, em relatório aos clientes.
Para Lian Ping, diretor-geral do Fórum dos Economistas-Chefes da China, a referência às metas de crescimento desse ano foi incluída no comunicado deliberadamente como um apelo à mobilização. “A liderança quer aproveitar a oportunidade para abordar o desempenho decepcionante no segundo trimestre deste ano”, disse ele ao jornal South China Morning Post.
Na segunda-feira, 15 de julho, o governo informou que a economia cresceu a um ritmo anual de 4,7% no último trimestre, abaixo dos 5,3% de janeiro a março. Em termos trimestrais, desacelerou de 1,5% para 0,7%.
Bolha e crise
O crescimento opaco da economia reflete a piora de três indicadores-chave: do setor imobiliário, do consumo e da dívida dos governos locais. As vendas de imóveis caíram quase 27% até junho em relação ao ano anterior, fruto da bolha imobiliária que estourou após a pandemia, causando sobreoferta de imóveis, cujos efeitos o governo ainda não conseguiu evitar.
Há cerca de 4 milhões de apartamentos que ninguém quer comprar – por causa do preço elevado de construção, sem demanda depois que a crise estourou – e outras 10 milhões de unidades, que as incorporadoras já venderam, mas ainda não terminaram de construir.
O déficit do setor imobiliário é calculado acima de US$ 10 trilhões e envolve a insolvência de governos locais, que ajudaram a bancar empréstimos para incorporadoras.
Além disso, o governo se vê às voltas com o baixo índice de consumo. Apesar de reduzir juros e anunciar medidas para estimulá-lo, as vendas no varejo aumentaram apenas 2% em junho, o nível mais baixo desde a pandemia.
Em alguns segmentos, os resultados foram negativos – as vendas de veículos caíram 6,2% em junho em relação ao ano anterior e a vendas de eletrodomésticos e eletrônicos recuaram 7,6% no mesmo período.
Com tantos números negativos, o governo se agarra aos subsídios à indústria para estimular as exportações, que aumentaram quase 9% em junho, em termos anuais. A produção industrial também cresceu, 5,3% em junho em relação ao ano anterior. Embora acima do crescimento geral da economia, desacelerou ante os 5,6% de maio e dos quase 7% registrados em abril.
Para a consultoria Trivium China, sediada em Pequim, a surpreendente menção às perspectivas de curto prazo no comunicado final da reunião do comitê do PC reflete a ansiedade das autoridades: “A liderança está claramente preocupada, o que significa que poderemos ver intervenções políticas mais agressivas surgindo da reunião do Politburo, no final do mês.”