A indústria de private equity tem andado de lado nos últimos anos no Brasil. A vida não anda fácil para captar – nem para investir. E com a janela de IPOs fechada e estratégicos em modo de espera, os negócios estão quase parados.
No primeiro trimestre de 2024, os investimentos somaram R$ 5 bilhões, uma queda de quase 14% quando comparado com o mesmo período do ano passado, segundo a Abvcap, associação que reúne os fundos de private equity que atuam no Brasil
Mas algumas mudanças regulatórias que estão simplificando e atualizando a regulação de fundos de pensão pode ser um “game changer” para a indústria de private equity brasileira e pode marcar o retorno de um bolso muito fundo para o setor.
A expectativa é alta, pois os fundos de pensão têm mais de R$ 1 trilhão de ativos sob gestão. Qualquer mínimo movimento é capaz de mexer os ponteiros e significar bilhões de reais a mais para os fundos de private equity, que representam aproximadamente 1% do portfólio dos fundos de pensão e eram tratados como um “palavrão” por executivos que atuam nessas organizações.
A Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) atualizou as normas de supervisão aos fundos de pensão com a Resolução 23 no ano passado. Um dos seus pontos prevê a autarquia usar o Ato Regular de Gestão para supervisionar as fundações, o que tira a responsabilidade do time de gestão da fundação do risco inerente ao investimento, o que foi referendado em maio deste ano pelo Tribunal de Contas da União.
O importante, segundo a nova norma, é a due diligence ser feita da forma correta e mostrar os motivos pelos quais o investimento foi feito. Se depois o resultado não vier como o esperado, trata-se de um risco de investimento do qual a entidade e seus gestores não podem ser responsabilizados.
Antes, a equipe de gestão das fundações era responsabilizada na pessoa física sobre os resultados, o que levou muitas delas a se afastarem dos investimentos em private equity após terem tido um resultado ruim. Além disso, algumas delas sofreram com escândalos de corrupção por trás dos investimentos desse segmento.
“As fundações chegaram a ter mais de 20% do total sob gestão dos private equity do Brasil. Mas a exigência de participar dos comitês de investimento dos fundos, tirando a discricionaridade das assets, e a escolha errada por fundos monoativos, levou a uma frustração com os resultados. Além da operação Greenfield ter manchado o nome da classe”, afirma Marco Tulio Coutinho, vice-presidente de clientes institucionais da Brunel Partners.
Nas últimas semanas, o NeoFeed conversou com diversos fundos de pensão e de private equity, além de atores desse mercado. E todos acreditam que o resultado dessas mudanças de norma não será imediato, mas trará um impacto muito grande no setor com a volta dos recursos dos fundos de pensão a esta classe de ativos.
“A nova regulação é um avanço extremamente importante. Há fundações que tem essa classe de ativos vedada em sua política de investimento, mas que estão iniciando conversas e revisitando isso”, afirma Daniel Borghi, sócio da Crescera Capital, cujos primeiros fundos tiveram 100% de alocação das fundações, mas os recentes não têm a participação delas. “Em qualquer lugar do mundo, as fundações são os principais investidores de private equity, e aqui temos essa anomalia.”
A AGBI, gestora especializada em investimento em agronegócios, já está percebendo a mudança dos ventos. Há alguns anos, quando saía para a captação para fundos, as fundações não queriam nem ouvir a tese de investimento. Agora, não só escutam como gostam, mas afirmam que, no momento, não podem entrar.
“Vemos interesse por parte delas, mas há ainda vedação sobre a estrutura nas políticas de investimento. Mas claramente as novas resoluções estão proporcionando discussões e mudanças já podem ser implementadas no ano que vem. Isso mostra que esse preconceito com a classe, que fez tão mal ao setor, está sendo combatido”, afirma Mario Lewandowski, sócio e diretor de novos negócios da gestora AGBI.
Os Third Parties Distributions, que fazem a distribuição profissional de fundos para grandes investidores, estão vendo um ambiente mais favorável para os FIPs (Fundos de Investimentos em Participações) entre as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC). A Brunel Partners, por exemplo, está distribuindo quatro FIPs para fundações no momento. E a Itajubá Investimentos, dois.
“As fundações estão mais abertas para esse tema. Houve uma convergência do sistema para melhorar as condições, inclusive com a CVM 175, também trazendo avanços nas questões de responsabilidade. Estamos vendo fundações grandes voltando a investir e outras começando a estruturar investimentos em FIPs”, afirma Carlos Garcia, sócio e fundador da Itajubá Investimentos.
O private equity no portfólio das fundações
As maiores fundações (como PREVI, Petros e Funcef) foram as primeiras a entrarem em private equity. E foram as mais afetadas pelas autuações anos atrás. Por conta disso, elas desistirem da classe de ativos. Mas agora com uma governança mais robusta e com a atualização das normas, elas estão repensando os investimentos.
No portfólio da Petros, fundação dos funcionários da Petrobras com cerca de R$ 120 bilhões sob gestão, estão cinco Fundos de Investimento em Participações (FIPs), que representam menos de 1% do patrimônio consolidado da fundação, que realizou nos últimos anos um amplo trabalho de readequação dessa carteira.
“Ser conservador num fundo de previdência complementar é uma característica intrínseca, uma vez que são aplicados os recursos da aposentadoria de trabalhadores. O problema é quando a insegurança jurídica torna as fundações extremamente conservadoras, dificultando, por exemplo, que atinjam a meta atuarial", afirma Alexandre Miguel, diretor interino de Investimentos da Petros.
Houve, na visão de Miguel, importantes pontos de melhorias na legislação que, aperfeiçoados, podem fomentar a volta de investimentos nesta classe de ativos. A Petros, nos últimos anos, vem analisando e monitorando diversos fundos de private equity como opção de diversificação do seu portifólio.
Mas a Petros alega que qualquer alocação em FIPs dependerá de uma série de critérios técnicos, rigorosas análises de mercado e de risco, que precisará, ainda, passar por amplo processo de aprovações das instâncias de governança, como Comitê de Investimentos, Diretoria Executiva e Conselho Deliberativo.
Os mais entusiasmados com mudanças são os que já faziam investimentos regulares. É o caso da Fundação Copel, com cerca de R$ 14 bilhões sob gestão, que investe em private equity desde 2013. Hoje, tem 5% do seu total sob gestão investidos em gestoras como BTG, Kinea, Vinci Partners e Spectra.
“As atualizações na norma trazem mais segurança para investimentos em FIPs, o que é muito bom porque acreditamos que quando bem selecionado o gestor e sua tese de investimento, o private equity não só é rentável como é resiliente a ciclos econômicos”, afirma José Carlos Lakoski, diretor financeiro da Fundação Copel.
Neste momento, a Fundação Copel não tem intenção de aumentar a exposição a classe de ativos. Isso deve acontecer quando os ativos antigos vencerem e for necessário renovar os investimentos.
Mas já há quem viu na mudança conforto para rever a sua carteira. Um exemplo é a FACHESF, da patrocinadora Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, que investe em private equity desde 1997. A fundação tem um total de 13 fundos de private equity, que representam cerca de 3% da carteira consolidada. Recentemente, aprovou a alocação em um fundo de fundos de private equity.
“Os gestores dos fundos de pensão não devem ter excesso de limitações, mas precisam ter um processo sólido de diligência. Quem ganha com isso é o participante”, afirma Felipe Andrade, diretor de administração e finanças da FACHESF.
Na fundação Elos, com cerca de R$ 3,3 bilhões sob gestão, foi também aprovado recentemente um investimento em um novo investimento em FIP, passando a ter seis fundos no portfólio, totalizando cerca de 1% do total sob gestão da fundação. A fundação está revendo também os processos decisórios para realizar esses investimentos.
“A Elos sempre busca avaliar oportunidades para incluir private equity no portfólio. E vemos a Resolução 23 como um grande avanço trazendo maior clareza e segurança para o gestor na tomada de decisão, porém reforça a necessidade em relação a governança, o embasamento do processo decisório e dos documentos que subsidiaram a escolha do investimento", afirma Ezequias Candido de Paula, Superintendente da Elos.
À espera do CMN
Ainda há um pequeno entrave para a implementação completa dessa nova regulação. É preciso atualizar a Resolução CMN 4994/2022, que rege o setor de previdência complementar fechada, com essas mudanças.
A proposta de alteração foi entregue pela PREVIC em abril ao Secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, com a perspectiva de deliberação pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) no mês de junho deste ano. No entanto, desde então aguarda deliberação em alguma reunião do conselho. A expectativa do mercado é que seja em breve.
Para Jarbas de Biagi, presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), as atualizações da norma são muito bem-vindas para dar segurança as fundações em investirem em ativos estruturados, como private equity, mas mesmo ainda sem o aval do CMN, já há um ambiente mais seguro que está deixando o mercado mais animado a tomar risco. O que será necessário com a queda das taxas de juros ao longo do tempo.
“Entendemos que a natureza dos fundos de pensão seja investir em ativos reais. Se hoje estamos com um excesso de conservadorismo essa é uma das causas. Houve no passado muitas autuações da Previc, e isso afugentou as fundações e gerou um excesso de burocracia para investir em estruturados, o que não há em títulos públicos”, afirma Biagi.
Atualmente, as altas taxas de juros deixam as EFPCs (Entidade Fechada de Previdência Complementa) tranquilas para baterem a suas metas autuarias. Segundo dados da Abrapp, 80,4% do portfólio das fundações está alocado em renda fixa, e apenas 1,4% em fundos estruturados. Em 2014, o cenário era bem diferente: 64,2% em renda fixa e 3,3% em fundos estruturados.
Quando a taxa de juros cair será necessário se expor ao risco. E é importante que esse arcabouço esteja resolvido e que as fundações tenham criado as suas normas de investimento para quando esse momento chegar.
"As entidades estão entre as maiores investidoras no Brasil, e seu longo horizonte de investimento se encaixa muito bem com a duração de fundos de private equity, mas alocam muito pouco em comparação com seus pares internacionais. Uma regulação mais moderna é um passo importante e necessário para mudar isso”, afirma Rafael Gonçalves, gestor de private equity da Galapagos Capital.