Todos os anos, mundo afora, os restaurantes mandam para o lixo cerca de 340 milhões de toneladas de alimentos — o equivalente a 26% do descarte global de comida. De má gestão do estoque a erros no cálculo do número de refeições, as causas do desperdício nos serviços de alimentação são as mais variadas. A principal delas, a falta de apetite dos clientes para comer tudo o que lhes foi servido — ou que eles próprios colocaram no prato, ao passar pelo buffet.

Tradicionalmente, os restos de comida são encaminhados para os aterros sanitários. Três empreendedores do ecossistema americano de inovação agfoodtech, porém, descobriram uma forma de dar destino mais nobre aos resíduos.  Winson Wong, Sierra Alea e Ryan Freed transformam o lixo em substrato para o cultivo de cogumelos.

Fundada em 2021, em Nova York, a Afterlife Ag se encarrega de recolher e tratar os alimentos descartados. E, em cerca de um mês, devolve os detritos aos mesmos estabelecimentos de onde saíram sob a forma de cogumelos frescos — a um custo menor do que os preços praticados no mercado.

Localizada no Queens, a fazenda vertical da startup produz atualmente cerca de 500 quilos de cogumelos por semana. A partir de 2025, o trio de sócios pretende chegar a aproximadamente 7 mil quilos semanais. A Afterlife Ag cultiva ainda blocos de micélio, o complexo emaranhado de filamentos de células, conhecidas como hifas, que alimentam os cogumelos.

Altamente nutritivo, o material é vendido a fazendeiros e usado no enriquecimento do solo das lavouras. O sistema desenvolvido pela startup ilustra à perfeição o poder da circularidade alimentar no combate a algumas das mais graves crise planetárias.

Ao tirar os restos de comida do fluxo de resíduos diminui a pressão sobre o aquecimento global, evita o desperdício de alimentos e ajuda na recuperação de ecossistemas degradados pela agropecuária intensiva.

A intenção dos empreendedores nunca foi cultivar cogumelos. “Nosso objetivo não era construir uma fazenda de cogumelos, mas descobrir o que fazer com os resíduos alimentares”, conta Wong, em entrevista à AgFunderNews, a plataforma de notícias do fundo global focado em inovações do sistema agroalimentar.

Processo contínuo

Aliás, a startup nasceu como Peat, empresa dedicada à criação de uma rede “hiperlocal” de compostagem. “A compostagem é desafiadora: requer muito espaço, é muito manual e dá muito trabalho. A realidade é que, se ela desse um retorno realmente bom, um número maior de pessoas estaria envolvida na atividade”, lembra o empresário.

Nem por isso o trabalho para transformar restos de comida em alimento para cogumelos foi menos desafiador. Os pesquisadores da Afterlife Ag gastaram bastante tempo experimentando e testando inúmeras para encontrar aquelas que mais se adequariam à nutrição das 20 espécies cultivadas no Queens.

Descobriram, por exemplo, que para algumas é preciso usar outros tipos de resíduos, como os de madeira, de modo a controlar a acidez do substrato, por exemplo. “E esse processo é contínuo, pois diferentes tipos de restos alimentares contêm diferentes compostos e nutrientes”, diz Wong.

Antes de se dedicarem aos cogumelos, Winson Wong, Ryan Freed e Sierra Alea pensavam em criar uma startup para compostagem de resíduos alimentares (Foto: Montagem com imagens do LinkedIn e afterlifeag.com)

Versáteis e nutritivos, os cogumelos são tidos como um daqueles produtos capazes de revolucionar o futuro da alimentação

O micélio é um emaranhado de filamentos celulares, responsáveis pela nutrição dos cogumelos

O mercado global de cogumelos deve expandir a uma taxa de crescimento anual composta de quase 10%, até 2030 (Foto: The Mushroom Meat Co.)

Até agora, a Afterlife Ag já levantou US$ 3 milhões, junto aos investidores de risco. Recentemente, a startup foi uma das seis agraciadas com US$ 100 mil do novo ReFED Catalytic Grant Fund, braço da ONG americana criado para financiar soluções contra o desperdício de alimentos no âmbito dos serviços de alimentação.

Versáteis e nutritivos

Tido como um dos produtos mais versáteis da gastronomia, os cogumelos vêm sendo apontados como um daqueles produtos capazes de revolucionar o futuro da alimentação. Das mais variadas cores, formas e tamanhos, entram nas receitas das carnes, peixes e frutos do mar da indústria plant-based. São usados também como corantes e ajudam embalar comidas e bebidas.

Ricos em fibras, selênio, potássio, cálcio, vitaminas do complexo B e D, entre outros nutrientes essenciais, oferecem um série de benefícios para o bom funcionamento do organismo.

Reduzem a oxidação celular, prevenindo o risco das chamadas doenças crônicas não transmissíveis, como distúrbios cardiovasculares, demência e alguns tipos de câncer. Ou seja, os cogumelos podem impulsionar também o mercado de alimentos funcionais.

Pertencentes ao reino Fungi (sim, eles são fungos!), os cogumelos comestíveis já catalogados pela somam 120 mil. Conforme as estimativas mais recentes, porém, existem entre 2,2 e 3,8 milhões de espécies ainda desconhecidas.

Avaliado em US$ 50,3 bilhões, em 2021, o mercado global deve expandir a uma taxa de crescimento anual composta de quase 10%, até 2030, informa a consultoria Grand View Research.

O micélio é igualmente promissor. Não à toa já foi definido como o "Santo Graal" da indústria alimentícia.

Espécie de catadores seletivos de lixo, a rede de hifas usa a fermentação para decompor a matéria orgânica, presente no solo, e, assim, alimentar os fungos. E é, nesse processo de circularidade que muitas startups, como a Afterlife Ag, pegam carona.

É como explica o engenheiro estrutural e arquiteto japonês Arthur Huang, em entrevista à revista National Geographic: “Como subproduto da degradação do lixo orgânico, representa um passo além para fazer do resíduo existente algo inteiramente novo”.