Amin Toufani tem diploma em Inteligência Artificial pela University of British Columbia, MBA em Stanford e MPA em Harvard. No currículo, a liderança da T Labs, que já impulsionou mais de 300 negócios na área da tecnologia e saúde.

A empresa, dirigida por sua esposa, Elena, trabalha, entre outras frentes, com startups e laboratórios que buscam detectar doenças precocemente. Também procuram fazer medições científicas do impacto das mudanças tecnológicas e da adaptabilidade do ser humano, para poder gerenciá-las melhor. Com base nesses dados e conhecimento, a iniciativa busca reconhecer padrões que ajudam as pessoas a achar novos sentidos para o mundo.

Assim surgiu a Adaptability University, que já ofereceu seus programas de mentoria para empresas como Google, Coca-Cola e Credit Suisse. Amin ainda defende ser possível fazer 50 horas de jejum, com dieta cetogênica, alimentação vegetariana e exercícios. “O corpo tem mais capacidade de se adaptar do que a gente imagina”, diz.

Para começar a conversa, sabemos que seu foco de trabalho está no reconhecimento de padrões. Como você adquiriu essa habilidade de entender o mundo dessa forma?
Primeiro, é um privilégio ser imigrante. Sou originalmente persa e tive que me mudar para o Canadá com minha família. Como imigrante, você começa a notar o que é semelhante e diferente. Então, essa obsessão pelo reconhecimento de padrões veio de ser imigrante e ter que navegar por esses dois ambientes separadamente. O mesmo ocorreu quando me mudei para os EUA para estudar. A única maneira de otimizar o trabalho é reconhecer padrões.

Você pode citar um exemplo de um padrão que reconhece?
Eu acho que um padrão global muito interessante e consistente é o fato de que a bondade muitas vezes é confundida com fraqueza. Mas, na realidade, não é. E se você liderar com gentileza, não vai parecer fraco, e ainda terá poder. Para mim, esse é um dos padrões mais universais que aprendi durante a imigração. Desde então, tive o privilégio de viajar para 53 países e fazer palestras em diferentes lugares, e notei exatamente a mesma coisa. Gentileza não é fraqueza.

“Acredito que todos podem  tornar o mundo melhor e a maneira é compartilhar o conhecimento. No processo, a gente acaba aprendendo também”

Há uma citação sua que diz: “Nada ensina tanto quanto ensinar.” Pode explicar como isso se aplica ao seu trabalho?
Ensinar é uma oportunidade de fazer pesquisa. Não sou um professor, não sou um educador, não somos uma consultoria. Mas, de vez em quando, temos a oportunidade de estar diante de equipes de liderança de alto nível ao redor do mundo. E eu percebi que quanto mais ensinamos esses profissionais, mais aprendemos. É por isso que digo que nada ensina tanto quanto ensinar. Para mim, é colocar-se em uma situação em que você precisa olhar o assunto de um ângulo diferente para garantir que ressoe. Esse processo permite que internalize os conceitos, porque precisa ter empatia e se identificar com seu público para poder entregar a mensagem. Essa jornada força a entender tudo melhor.

Você veio ao Brasil em 2020 e falou sobre a emergência de um mundo orientado por propósito. Isso se aplica quatro anos depois?
Mais do que nunca. À medida que entramos na era da automação, onde IA e robótica vão assumir muitas de nossas funções melhor do que nós, estaremos em uma realidade onde inicialmente todos vão se preocupar com a perda de empregos. Mas eu não acredito que precisamos de trabalho para definir o significado de nossas vidas. Precisamos de propósito e isso pode acontecer sem trabalhar por dinheiro. Quem está em um lugar de privilégio, pode ajudar as pessoas e a comunidade. Com a IA realizando as atividades básicas e que não precisam necessariamente de um aporte humano, os seres humanos poderão se dedicar a realizar tarefas e iniciativas que realmente tragam propósito a si e às comunidades. É como se a tecnologia “libertasse” as pessoas para pensarem e exercerem esse luxo que é ter um propósito.

Mas como você vê as projeções de que a tecnologia pode substituir até mesmo empregos de pessoas com alta formação?
Eu considero que os números são subestimados. Em breve, olharemos ao redor e não haverá nada que possamos fazer melhor do que estamos fazendo agora. A transição da realidade atual para essa nova realidade vai ser extremamente dolorosa, porque precisamos desaprender padrões que nos ajudaram a chegar até aqui. Se desaprendermos o que significa ser humano no início do século XXI e gradualmente formos desenvolvendo novos conceitos sobre quem podemos ser, em vez de quem fomos... isso, sim, pode nos elevar. Quando a IA fizer tudo o que fazemos, nossos empregos não serão mais necessários, mas seremos capazes de cobrir necessidades básicas das pessoas e permitir que elas se elevem na hierarquia de necessidades de Maslow, apontando para um mundo de abundância. Porém, a sociedade tende a transitar por um período de disrupção com muita ansiedade. As pessoas ficam ansiosas muito antes de perderem seus empregos.

“A maneira mais fácil para um humano pensar fora da caixa é não saber onde está a caixa. Para as máquinas, isso não será o caso. A máquina pode identificar a caixa e forçar-se a pensar fora dela muito confortavelmente”

Sim, porque se desesperam ao pensar em como sobreviver. Quais habilidades elas precisam desenvolver?
Talvez a IA permita que elas tenham uma educação à qual não tinham acesso antes, ou talvez a educação seja melhorada devido ao uso da IA. E isso deve criar deflação tecnológica, ou seja, as coisas ficarão mais baratas, mais rápidas e mais acessíveis. Isso é uma notícia fantástica, já está acontecendo e os bancos centrais estão muito confusos sobre o que fazer a respeito. Só que, a curto prazo, isso será extremamente doloroso. Não acho que os governos estão preparados para essa conversa ainda, que passa pela renda básica universal.

Esse assunto pode parecer distante da realidade para muita gente. Você acha que seria viável aplicá-lo?
Renda básica universal significa que cada pessoa recebe uma quantia de dinheiro para cobrir suas despesas básicas de vida. Isso de fato parece um sonho remoto no momento, mas cada vez mais há estudos mostrando que, quando você dá renda básica universal às pessoas, elas redefinem seu sentido de propósito na vida. Seu propósito não é mais não ser sem-teto ou não passar fome. É gradualmente subir na hierarquia de necessidades e encontrar sentido. Em estudos sobre o assunto, vemos que o empreendedorismo aumenta 300%. O foco em arte e na criação de algo bonito e admirável também aumenta. Desde que consigamos atravessar a transição de maneira relativamente pacífica, esperamos encontrar um mundo cheio de abundância e melhor distribuição, com as pessoas cobrindo suas despesas básicas de maneira mais eficiente e eficaz.

Recentemente foi dito que estamos à beira de ver empresas com apenas 10 pessoas valendo mais de 1 bilhão de dólares. Futuramente, acredita-se que teremos empresas formadas por uma só pessoa com valor de mercado semelhante. É razoável?
Sim. Em breve, teremos agentes de IA que vão analisar o sistema, otimizá-lo e criar 500 outros agentes para pesquisar e relatar. Não há razão para que a IA não possa gerenciar a IA e amplificar o que você acha viável. Ao mesmo tempo, é um cenário altamente disruptivo, porque esses agentes não serão necessariamente limitados pelos nossos modelos. Eles podem pensar fora da caixa para os humanos.

“Eu realmente acredito que vivemos no período mais emocionante da história humana porque, nos próximos 10 anos, vamos ver tantas coisas que eram anteriormente impossíveis de repente se tornarem possibilidades”

E como falamos sobre os limites éticos de tudo isso?
A conversa ainda é incipiente. Não sabemos os cenários sombrios para equilibrá-los com decisões políticas eficazes. Governos podem corrigir em excesso, o que pode bloquear inovações. Para mim, o maior perigo é a otimização unidimensional. Um robô pode otimizar a limpeza da casa matando o cachorro para não haver bagunça. É preciso definir limites éticos. É possível antecipar isso sem bloquear os enormes níveis de inovação que serão possíveis com a IA. Esse é o maior dilema que enfrentamos.

Então dá para ver esses avanços com positividade para o ser humano?
O pior das pessoas aparece quando elas estão preocupadas com a escassez. Então, acho que o truque é conectar essa conversa com novas formas de tecnologia e progresso. O sucesso de alguém não anula o de outra pessoa. Na T Labs colocamos todas as nossas economias de vida em projetos que nos importam, para ter inovações que beneficiem milhões de pessoas. Um deles foi a ideia de detectar câncer em estágio zero. Mas a tecnologia ainda não está disponível para a pessoa comum. O mesmo vale para o Chat GPT: grande parte da sociedade nunca ouviu falar, mas dentro de nossa equipe estamos vendo um aumento de pelo menos 30% da produtividade. Acho que mais pessoas deveriam estar abertas a mais ideias o tempo todo.

Você fala muito em se adaptar como habilidade importante para o sucesso. Como incentivar a adaptabilidade nos jovens?
Crianças já têm um comportamento adaptativo e deve ser celebrado. Quando batem em uma parede, são capazes de dar a volta. É fácil desenvolver competências básicas muito rapidamente, mas os pais devem empurrá-los para novos desafios. Aprender piano, trabalhar com metal, testar coisas novas que nunca fizeram. Isso força o desaprender. Você entende que pode fazer de maneira diferente. Construir esse músculo de desaprender é o caminho para aumentar a adaptabilidade.

“Quando todas as tarefas básicas forem cobertas pela IA, você poderá pensar maior e ir mais longe. Para mim, o maior risco hoje é não pensar grande o suficiente. Não é emocionante imaginar o que mais podemos fazer?”

 Tem se falado muito sobre economia exponencial, também chamada de Exonomia no setor acadêmico. Como você acha que isso pode impactar a forma como lideramos as empresas?
Economia exponencial é uma teoria econômica que criamos. Notamos que o ritmo exponencial de mudança vem da tecnologia. A tecnologia tende a criar deflação, e não inflação, mas a maioria dos economistas modernos acredita que há um nível saudável de inflação. Além disso, quando se pensa em curar o câncer, pode destruir o PIB global. É fantástico para a humanidade, mas é horrível para o PIB. O PIB então é a medida errada. Especialmente para um país como o Brasil, que é fortemente orientado por commodities. Carros autônomos, por exemplo, não terão tantas peças móveis. Eles não vão precisar de tantos reparos, não terão tantos acidentes. Cerca de 3% do PIB global vem da morte e destruição causado por acidentes de carro. Podemos fazer as coisas de forma muito mais eficiente e mais baratas. Então, criamos essa estrutura econômica para falar sobre alguns dos resultados inesperados e incomuns que vêm das tecnologias exponenciais e o conceito de transição para um modelo de sistema operacional.

Há 10 anos fui à Singularity e você falava sobre blockchain, robótica, computação quântica e também tecnologia solar. Algumas das tecnologias não são mais exponenciais?
Acredito que cada uma delas ainda está crescendo exponencialmente. A IA e a computação quântica, claro. O blockchain ainda está procurando aquele aplicativo matador que pode mudar o jogo para toda a sociedade. É só o começo, chegaremos lá. É importante confiar em máquinas para administrar organizações inteiras. E aí vamos perceber que o blockchain é a infraestrutura que não sabíamos que precisávamos. O metaverso hoje não parece muito promissor, mas isso mudará quando a tecnologia se miniaturizar e os headsets, por exemplo, ficarem menores.

Outro conceito que você defende muito são os "gêmeos digitais", uma simulação de comportamentos para identificar oportunidades de melhoria. Por que você acha que são tão transformadores?
Nas últimas duas décadas, tivemos 300 negócios e cada um deles focava em inovação através de gêmeos digitais: pegar algo do mundo físico, uma pessoa, um processo ou um bem que não tenha uma representação digital e criar um gêmeo digital para isso. A partir daí, otimizar o sistema com IA e entregar valor digitalmente. Dá para fazer coisas que antes eram impossíveis, como prever se um candidato é bom para um cargo. O que o gêmeo digital faz é revelar padrões invisíveis que anteriormente não eram viáveis.

O que faz a cabeça de Amin Toufani:

Esportes
Nas horas livres, hiking e remo: “É fantástico e gostaria de fazer mais”.

Livros
Buy Back Your Time, de Dan Martell

100 Million Dollar Offers, de Alex Hormozi

Filme
Transcendence: A Revolução - “É o meu favorito do mundo e me surpreende, pois as previsões funcionam.”

Cidades inspiradoras

Las Vegas: “Não gosto da festa e do álcool, mas todo mundo que vai lá tem o propósito de ser feliz e as pessoas são muito honestas sobre isso.”

Vancouver: “Só nos verões”

Tóquio: “Admiro pela eficiência do lugar.”

Música
Apesar de estar no Google como o melhor violonista de todos os tempos, Amin diz que não sabe tocar violão. O fato se deve a um vídeo viral em que ele participa de um show de talentos em Harvard e mostra seu virtuosismo com o instrumento por longos minutos. Seu estilo musical favorito, no entanto, é uma mistura de clássico com música eletrônica moderna.

*Christian Gebara é presidente da Vivo e diretor artístico da revista Velvet