Estudiosa por excelência, aos 14 anos, a catarinense Paula Tabalipa já acalentava planos de “viajar o mundo, falar novas línguas e aprender sobre história”. Havia acabado de se mudar para o Rio de Janeiro, onde, na Barra da Tijuca, acompanhava com brilho nos olhos os campeonatos de surfe, esporte que também praticava.
Naquela babel à beira mar e, como na canção de Lulu Santos, ela sonhava com a Califórnia, em viver a vida sobre as ondas. Do devaneio romântico de surfar o Pacífico, muita água passou debaixo das pranchas e, hoje, aos 44 anos, Paula é dona Tabalipa Wine Co. — uma vinícola boutique, focada em rosés e tintos, no Vale de Santa Ynez, em Santa Barbara.
Desde a primeira colheita, em 2022, ela, que começou a distribuição à boca miúda, entre amigos, clubes de assinatura e estabelecimentos de conhecidos na região, já levou seus rótulos para a China e a Suécia. Seu próximo passo é vender, em 2025, para a Flórida e a partir daí, quem sabe, chegar ao Brasil. Em seguida, o desafio é conquistar Nova York.
E, caso a demanda ser mantenha em alta, Paula não descarta a possibilidade de comprar mais terras e apostar em novas variedades de uvas, além da casta syrah. Com os rosés em torno de US$ 48 e os tintos, US$ 62, seus preços são relativamente altos, mas ela quer se firmar uma produtora high-end.
Em um primeiro momento, a trajetória da brasileira até o vinhedo de Santa Ynez pode soar errante, mas suas escolhas se encaixaram como peças de um quebra-cabeça, de alguém que tem a certeza de que “a curiosidade é o tempero da vida”.
Paula se mudou pela primeira vez para os Estados Unidos, em 1999, aos 19 anos. Foi para o sul da Califórnia cursar moda, em San Diego. Formada em 2003, trabalhou com visual merchandising para a loja de departamentos Saks Fifth Avenue da cidade, à frente das estratégias de exposição das mercadorias.
Juntava dinheiro para viajar. Sempre inquieta, seu destino, acreditava, era o mundo. Depois, em Berlim, tomou conta de uma agência de viagens, foi figurinista de ensaios fotográficos de moda.
Em 2005, voltou aos Estados Unidos, dessa vez, para Los Angeles. Retomou o emprego na Saks, em Beverly Hills, até criar uma clientela própria como stylist freelancer, com foco no cinema e na televisão.
Trabalhou com alguns dos grandes nomes da indústria, como o cineasta James Mangold, que, mais tarde, dirigiria filmes como Logan (2017) e Ford vs. Ferrari (2019).
Em 2014, com o aumento do número de plataformas de streaming, Paula chegou a ter sua própria produtora, em parceria com o então namorado, um diretor de reality shows. Um dos projetos era uma competição de chefs americanos, para qual percorria fazendas americanas.
Paladar infantil, não
Com a nova empreitada, veio uma nova onda: a gastronomia. E lá foi Paula, trabalhar por um ano e meio e meio como sous chef, em um restaurante pop-up. A experiência a levou para Nova York, onde fez um curso rápido de culinária.
Em 2019, ela conheceu o atual marido, Michael Greenberg, fundador e presidente da Skechers, gigante americana de tênis. Em busca de uma segunda casa, foram parar em uma das regiões de vinhedos de Santa Barbara.
“Desejávamos escapar do estilo de vida frenético em Los Angeles e ansiávamos por um lugar onde o ritmo de vida fosse mais suave”, conta ela, em conversa com o NeoFeed. Paula queria um terreno plano, onde pudesse cuidar de animais adotados. “Hoje em dia tenho 36.... É um mini-zoológico”, diz, orgulhosa de sua criação — quatro burros, três lhamas , duas alpacas, três, cinco pôneis e algumas cabras que cria na propriedade.
Com 20 hectares, a propriedade de Santa Ynez pertencia a Dale Hampton, um dos pioneiros da viticultura na região. Se o antigo dono havia perdido o interesse pela produção, os vinhedos despertaram a curiosidade de Paula. E a terra foi rebatizada Living Life Vineyards.
Lá, o plantio é orgânico e sustentável, com colheita à mão, sem fertilizantes sintéticos e com irrigação por gotejamento. Até então, as colheitas eram vendidas para a empresa Coastal Vineyards, que se encarregava de fazer a bebida. Os negócios prosseguiram e “ajudavam a pagar as contas”, ela lembra.
Até que a catarinense decidiu ela própria produzir o vinho. Com a salinidade, vinda do mar de Santa Barbara, a baixa umidade e uma grande amplitude térmica entre dia e noite, o terroir era mais propício ao cultivo de syrah.
Começaria com os tintos e teria, como carro-chefe, os rosés, mas “não como os provençais, que começaram a entrar nos Estados Unidos nos anos 1990”, explica.
Paula queria os rosés da região de Bandol, também na França — com um tom de rosa salmão, que envelhecessem bem e tivessem um pouco mais de álcool. “Vinhos não pensados para paladares infantis”, como define.
A primeira colheita aconteceu em 2022. Foram 600 garrafas de tinto e 600, de rosé. No total, 120 caixas — “uma produção bem boutique, superpequena”, conta. Em 2023, nasceu oficialmente a Tabalipa Wine Co., em sociedade do Michael.
Força brasileira
Foi ideia do marido, empresário experiente, dar um salto superambicioso: na segunda remessa, ir de 60 para 1000 caixas de rosée.
"Como é que eu vou vender todo esse vinho?", ela se espantou. Ao que Michael respondeu: "Você vai vender; você vai dar um jeito". E deu.
O casal descobriu que, por questões de legislação, os vinhos australianos estavam com dificuldade para entrar na China.
Paula aprendeu sobre como atender às normas chinesas e despachou 100 caixas para a Ásia. Ainda sem distribuidores, conseguiram vender mais 30 caixas para a Suécia.
Paula quer agora testar o plantio de sauvignon blanc, com vistas à produção de vinhos brancos. O rosé continua sendo seu cartão de visita, mas ela quer tornar seus tintos mais especiais, envelhecendo parte deles por até sete meses. Sua ideia é criar uma nova demanda.
Atualmente ela cursa enologia no campus Davis da Universidade da California, referência nos Estados Unidos.
E, olhando em retrospecto, pensando na adolescente surfista e na riqueza de sua experiência profissional, Paula encontra em todas elas um denominador comum: não ter medo de trabalhar com afinco.
“Todas as coisas que eu fiz continuam dentro do meu mundo. Culinária, vinho, história, línguas, viagens, amor pela natureza... está tudo junto”, diz. “Pode ser que, após tantos anos eu tenha me americanizado um pouco, mas meu pé no chão, essa força é brasileira.”