Um olhar privilegiado sobre a rotina doméstica da Casa Branca, a morada oficial do presidente dos Estados Unidos. Esse é o principal apelo da série A Residência, que explora o trabalho do staff da parte social da sede do governo americano. E tudo com base em depoimentos de mordomos, arrumadeiras, secretárias, chefs de cozinha, porteiros ou floristas de uma das mansões que mais curiosidade desperta no mundo.

Para garantir a riqueza de detalhes, o seriado, que chega ao catálogo da Netflix em 20 de março, usou como ponto de partida o livro da jornalista americana Kate Andersen Brower, publicado em 2015. Por dentro da Casa Branca: As Histórias Privadas da Residência mais Famosa do Mundo é a obra literária que até hoje melhor desvendou os bastidores do famoso endereço, ao trazer o ponto de vista dos funcionários encarregados por zelar pelo conforto de quem está no poder.

O fato de o criador da série, Paul William Davies, usar a locação para uma trama ficcional de detetive não interfere na autenticidade do retrato do âmbito doméstico da casa. “Além do livro que recebi de Shonda Rhymes e Betsy Beers [produtoras executivas], tive dois consultores que me ajudaram desde o início do projeto, trazendo muitos insights”, contou Davies, de Washington, em painel online sobre A Residência, do qual o NeoFeed participou.

“Um deles trabalhou no escritório da Secretaria Social e o outro trabalhou para o ‘chief usher[o chefe das operações domésticas], o que foi bastante útil para entender as relações, os papéis e as responsabilidades. Não há um guia com todas as funções na Casa Branca, sendo que algumas até se sobrepõem”, completou.

O próprio papel do chefe de operações domésticas, por estar no topo da hierarquia de empregados da mansão, foi o que mais inspirou Davies a escrever a trama.

Para se ter ideia, esse foi o profissional escolhido para ser morto na série, a desculpa que a narrativa precisava para entrar nos moldes de uma investigação.

Como o chefe de operações A. B. Wynter (vivido por Giancarlo Esposito) controla todo o staff, ele é o que possivelmente desperta mais desafetos — a ponto de ser assassinado durante um jantar oficial oferecido a autoridades australianas, na sede do governo.

Com todos os convidados e funcionários proibidos de deixar a mansão, a detetive Cordelia Cupp (Uzo Aduba) assume então o caso, colhendo depoimentos ao longo de uma noite, período em que os atritos entre os funcionários da residência vêm à tona.

Como os desentendimentos entre a cozinheira e o confeiteiro sobre a sobremesa a ser servida ou a insatisfação do chefe de operações com a garçonete que interrompe o trabalho para conversar com os convidados mais ilustres no salão.

“Durante a pesquisa sobre a equipe da Casa Branca, encontrei um vídeo dos anos 1990, em que o chefe de operações dava o seu testemunho diante de um comitê no Senado”, contou Davies, referindo-se ao programa exibido pelo C-SPAN [canal americano de serviço público], baseado em uma investigação sobre o então presidente Bill Clinton, que governou os Estados Unidos, por dois mandatos, de 1993 a 200.

“Quando o funcionário falou sobre o terceiro andar da Casa Branca, foi mostrada uma planta, onde estariam o solarium, o salão de jogos e a sala de música. Isso me pareceu uma lousa com algumas pistas”, contou o criador da série, que tirou daí a ideia para A Residência. “As histórias mais engraçadas, comoventes e pungentes das pessoas que trabalham na Casa Branca aqui estão a serviço de um mistério envolvendo um assassinato.”

Durante a investigação do crime, os atritos entre os funcionários da residência vêm à tona (Foto: Netflix)

O número oficial de funcionários (incluindo o divulgado na série) é de 157 pessoas. “Só o chefe de operações tem um punhado de assistentes, cada um deles com diferentes responsabilidades para gerenciar várias partes da casa", contou Davies. "Um deles cuida só do vinho da mansão, por exemplo.”

Já os cômodos somam 132 (412 portas, 147 janelas, 28 lareiras, oito escadas e três elevadores). Mas diferente dos programas ambientados na Casa Branca, a ala Oeste, a “área mais política”, não é visitada na série. O que mais importa aqui é a ala Leste, onde estão os empregados.

Toda a descrição arquitetônica da residência feita no seriado também condiz com a realidade.

“Tudo é muito preciso. Até porque o espectador pode conferir os detalhes online. Há muitas informações fornecidas pela Associação Histórica da Casa Branca, por ser um prédio público, embora seja um espaço privado para o presidente”, disse Davies.

Depois de desenvolver a série, de oito episódios, ele encontrou a melhor analogia para o público entender quem é o chefe de operações domésticas da Casa Branca.

“Ele é o mesmo que o gerente geral de um hotel. E no caso aqui, um hotel e tanto, com eventos todos os dias”, explicou. “Só que os seus hóspedes nunca vão embora. Ou melhor, raramente vão”, completou, o criador, lembrando que a Casa Branca abriga uma família diferente a cada quatro anos (ou oito, em caso de reeleição). “E uma família com muitas necessidades."