Há pelo menos três anos, quando o Ozempic começou a ganhar escala planetária, consultores e analistas de mercado avaliam o impacto dos medicamentos análogos a GLP-1 na economia global. O poder emagrecedor dos fármacos que imitam a ação do hormônio da saciedade vem chacoalhando indústrias das mais diversas. A farmacêutica, claro, e também a de alimentos, bebidas, bares, restaurantes, moda, turismo, tabaco… entre outras.

Mas faltava investigar a influência dos remédios em um dos principais entraves à construção de um futuro mais sustentável, inclusivo e justo — o desperdício de comida. Pois, Brian Roe, pesquisador da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, assumiu a missão. Em artigo publicado na revista científica Nutrients, ele mostra: com a medicação, 25% das pessoas passam a jogar mais alimentos fora.

Professor do departamento de economia agrícola, ambiental e de desenvolvimento, ele e sua equipe entrevistaram 505 americanos, em tratamento com GLP-1, há aproximadamente um ano. Deles, 70% usavam semaglutida (princípio ativo do Ozempic, Wegovy e Rybelsus, da Novo Nordisk) e 25%, tirzepatida (Mounjaro e Zepbound, da Eli Lilly). Ao restante havia sido prescrita liraglutida — ou Victoza, predecessor dos atuais GLP-1, lançado nos anos 2010, também pela Novo Nordisk.

Os pesquisadores constataram que o descarte de comida será tanto maior, quanto mais recente for o tratamento antiobesidade. Quem tomava o medicamento há 90 dias ou menos era mais propenso ao desperdício do quem iniciara a terapia há um ano ou mais.

“Possivelmente, o desperdício diminui à medida em que os pacientes se adaptam à medicação”, diz Roe, em entrevista, por e-mail, ao NeoFeed. Em seus cálculos, o equilíbrio é atingido em cerca de seis meses.

No estudo de Ohio, as náuseas apareceram como principal fator para o descarte de comida.

Um dos principais efeitos colaterais dos GLP-1, elas costumam se manifestar logo nas primeiras doses, quando o paciente ainda não teve tempo para consolidar novos comportamentos — como reduzir as porções no prato, por exemplo.

Para muitos pacientes, sobretudo no início do tratamento, o olho sempre parece maior do que a barriga. E o que resta intocado do almoço ou do jantar tem destino certo: lixo!

Outra causa possível para o aumento na quantidade de comida posta fora é a mudança do tipo de alimento consumido, sugere o artigo da Nutrients. Quando se engajam em um projeto de emagrecimento, a imensa maioria abandona determinadas categorias alimentares, como massas, frituras e doces. E o que sobra na despensa e na geladeira acaba descartado.

Mas isso não é exclusividade dos GLP-1. Quem algum dia na vida já se fez dieta sabe: no começo de qualquer programa de reeducação alimentar, com ou sem medicamento, o desperdício é sempre provável. Quando se trata de medicamentos como o Ozempic, porém, tudo ganha uma proporção enorme. Afinal, nesse universo, tudo é superlativo.

Quando a patente expirar

Para se ter ideia, no momento, 6% dos adultos americanos estão sob alguma medicação GLP-1, indica levantamento do KFF, instituto de pesquisa focado no setor de saúde. À primeira vista, parece pouco, mas são cerca de 22 milhões de pacientes.

“Reduza os gastos para que você consiga converter a medicação em uma vitória dupla: perda de peso e economia de dinheiro”, diz o pesquisador Brian Roe (Foto: aede.osu.edu)

Para Natasha Monteiro de Pádua, cofundadora e COO da Upcycling Solutions, uma das formas para combater o desperdício seria a indústria investir em porções menos (Foto: Upcycling Solutions)

Não existem dados semelhantes no mundo, tampouco no Brasil, mas o potencial de mercado é enorme. Em cada dez habitantes do planeta, três estão acima do peso — o equivalente a 2,3 bilhões de pessoas;  700 milhões das quais são obesas.

O tratamento à base do hormônio da saciedade é caro e a maioria não tem como pagar pelos medicamentos, mas, mesmo assim, ainda é muita gente. E será muito mais, à medida que as patentes dos GLP-1 expirem, os genéricos comecem a ser produzidos e os preços caiam.

Já em 2026, a Novo Nordisk perde a exclusividade sobre o composto ativo do Ozempic no Brasil e na China. Em seguida, nos Estados Unidos, na Europa, no Japão… e, assim, mundo afora, a semaglutida sendo prescrita a número cada vez maior de pessoas.

"Vitória dupla"

Não à toa, até 2030, o consumo global dos análogos a GLP-1 está previsto avançar a uma taxa de crescimento anual composta de (expressivos) 29,6%, lê-se no relatório Getting to know GLP-1 users, a new kind of consumer, da consultoria KPMG.

Em cinco anos, essa classe de medicamentos deve girar US$ 139 bilhões em vendas, no mundo — 2,6 vezes mais do volume movimentado em 2024.

Como os GLP-1 são recentes, ainda não deu tempo para determinar os efeitos dos remédios sobre o desperdício, no longo prazo. De qualquer forma, o assunto merece atenção.

E as companhias têm um papel importante nessa equação, afirma a cientista de alimentos Natasha Monteiro de Pádua, em conversa com o NeoFeed:  “Um começo seria ampliar a oferta de produtos em porções menores”.

Ela fala com autoridade de quem conhece bem o setor industrial de alimentos. Natasha é cofundadora e COO da Upcycling Solutions, foodtech focada em orientar as empresas como transformar os resíduos da produção alimentícia em novos itens.

Do ponto de vista individual, o pesquisador da Universidade de Ohio sugere que os pacientes em tratamento com os GLP-1 tomem cuidado na hora das compras e do preparo das refeições, para não exagerar nas quantidades. Como diz Roe:  “Reduza os gastos para que você consiga converter a medicação em uma vitória dupla: perda de peso e economia de dinheiro”.

Procuradas, as farmacêuticas Novo Nordisk e Eli Lilly informaram que não comentam estudos externos.