Em um de seus piores índices de aprovação popular desde que assumiu o comando da Casa Rosada, em dezembro de 2023, o presidente argentino Javier Milei colocou finalmente em prática a última etapa de seu plano econômico: a reforma cambial.

Desde segunda-feira, 14 de abril, a Argentina eliminou o cepo (controle) cambial, o que significa, na prática, autorização para que pessoas físicas possam comprar dólares sem restrições, em um sistema de banda, ao contrário do que previa lei em vigor desde 2019, permitindo a aquisição de até US$ 200 por mês.

No primeiro dia de liberdade de negociação, a cotação do peso não disparou em relação ao dólar. A moeda fechou cotada a 1.196,7 pesos, dentro da banda de flutuação entre 1 mil e 1,4 mil pesos - um movimento para frear a desvalorização do peso. Se passar dessa marca, aí o governo pode intervir, via Banco Central, injetando reservas na economia.

Para esse plano dar certo, a Argentina precisou fechar um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para garantir as reservas necessárias. E Milei confirmou o plano, que prevê um envio programado de US$ 20 bilhões para o tesouro da Argentina. De imediato, virão US$ 12 bilhões, que entrarão nos cofres públicos na terça-feira, 15 de abril.

Junto com esse aporte, o país também garantiu o envio de US$ 12 bilhões, em empréstimos, do Banco Mundial, e US$ 10 bilhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Para isso, a Argentina se comprometeu a alcançar um superávit primário de pelo menos 1,3% do PIB neste ano. Milei garantiu que irá chegar a 1,6%. No fim da tarde, o presidente da Argentina postou em sua página na rede social X: “Fazendo história: fim do cepo. Viva a liberdade”.

“Apesar de Milei ter reduzido a inflação, quando se observa dados sobre água, gás e alimentos, a inflação no ano passado foi de 248%. Por isso, há muitos desafios para que a Argentina consiga cumprir o acordo com o FMI”, diz a economista Carla Beni, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e conselheira do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), em entrevista ao NeoFeed.

Para ela, a Argentina precisa garantir mais reservas, com recursos próprios, independentemente dos recursos internacionais obtidos por financiamentos.

“Eles diziam que tinham US$ 28 bilhões em reservas, mas o próprio FMI apurou que o valor hoje é negativo em US$ 7 bilhões. E o país precisa chegar a US$ 4 bilhões em caixa acumulados”, afirma Beni. “Esse é o principal desafio desse modelo econômico.”

No fim de março, o presidente celebrou a aprovação no Congresso, em uma margem apertada, para justamente alcançar um acordo do governo com o FMI. Na ocasião, o decreto de Milei foi aprovado por 129 votos a favor, 108 contra e 6 abstenções.

Apoio de Trump

Na tarde de segunda, 14, Milei recebeu em Buenos Aires o secretário de Tesouro do governo americano, Scott Bessent. O objetivo principal da visita era de demonstrar apoio público da gestão Trump às reformas econômicas implementadas na Argentina.

Mas, para Beni, a proximidade de Milei e Trump e o gesto da Casa Branca não podem ser vistos como um fator decisivo para o sucesso do programa econômico argentino. “Na realidade, o governo Trump está pouco se importando para a América Latina. O fato é que eles ainda enxergam a região como o quintal deles.”

A questão é que Milei não consegue garantir o apoio da população para as medidas drásticas que tem tomado. Recente pesquisa nacional realizada pela consultoria Analogías e que ouviu 2.854 pessoas no país mostra que 49,5% acreditam que que a situação econômica vai piorar nos próximos dois anos.

O presidente também tem sido alvo constante de protestos de moradores. Na semana passada, foi deflagrada uma greve geral de 36 horas no país, que chegou a causar cancelamentos de voos para o Brasil.

De qualquer forma, o governo federal exibe o que considera bons resultados nos 16 meses em que ocupa a cadeira principal da Casa Rosada. Após anos no vermelho, o país conseguiu equilibras as contas públicas, por meio de ajuste fiscal correspondente a 5% do Produto Interno Bruto (PIB), além do corte de 35% dos gastos da administração pública.

As ações ajudaram a derrubar a inflação mensal, que no fim de 2023 era de 25,5%, para 2,4% em fevereiro. Por outro lado, a economia sofreu retração e o consumo tem caído, com 52% da população na faixa de pobreza.