Tão atrasado quanto o Orçamento da União, aprovado apenas em março e sancionado pelo presidente Lula em abril, o primeiro Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas de 2025, que deveria ter sido divulgado em março, sairá na quinta-feira, 22 de maio.
Fundamental para a gestão das contas públicas e formação de expectativas, a apresentação do documento é, para o governo, uma oportunidade para reforçar a credibilidade da política fiscal. Para o mercado, uma oportunidade para que a equipe econômica ajuste projeções de receitas e despesas, tornando mais realista a execução do Orçamento.
Apesar da trégua dada por economistas às discussões fiscais nos primeiros meses do ano – coincidentes com a chegada de Donald Trump à Casa Branca disparando tarifas comerciais contra o mundo inteiro – a política fiscal voltou. Mas a conta-gotas.
Na quinta-feira, 15 de maio, o ministro Fernando Haddad informou que, na semana que vem, levará ao presidente “medidas pontuais” para o cumprimento da meta de déficit zero este ano. Segundo o ministro, ele despachará com Lula o tamanho do bloqueio e eventual contingenciamento na peça orçamentária.
Parte do “esquenta” fiscal saiu nesta sexta-feira 16 de maio. A Fazenda divulgou o Prisma Fiscal, relatório que reúne projeções de especialistas de mercado para as contas do governo e que trouxe discreta melhora da estimativa para o déficit primário deste ano (passando de R$ 73,656 bilhões para R$ 72,687 bilhões) e piora para 2026 (de R$ 78,157 bilhões para R$ 80,689 bilhões).
Nesse cenário, o sinal da equipe econômica no sentido de conter despesas no primeiro Relatório de Avaliação do ano, ainda que atrasado, é um alento. A ver, porém, se a iniciativa corresponderá às expectativas.
Em entrevista ao NeoFeed, o economista-chefe da ARX Investimentos, especialista em política fiscal, Gabriel Leal de Barros, avalia que a contenção de gastos será pontual. Algo entre R$ 5 bilhões e R$ 7 bilhões”, estima. Enquanto bancos, em análises recentes, projetam entre R$ 15 bilhões a R$ 19 bilhões. E o Itaú Unibanco defende a “robusta contenção” de R$ 40 bilhões para sinalizar maior prudência na execução orçamentária.
Em meio à inquietação do mercado financeiro com as contas públicas, o Relatório poderá ser visto como um teste para o governo quanto à consistência das informações para analistas que, há meses, passaram a mapear com redobrada atenção a escalada da dívida pública ante o Produto Interno Bruto (PIB) – relação que, ao final do terceiro mandato de Lula, terá avançado mais de 12 pontos percentuais.
Uma medida de endividamento que saiu de 71,4% do PIB no início do Lula 3 para 76,1% no final do ano passado, devendo alcançar 79,8% em dezembro e 84% no encerramento de 2026, estima a Instituição Fiscal Independente (IFI). Uma enormidade que justifica uma expressão utilizada por Barros.
Gasto fora do Orçamento é “ponto” contra arcabouço
“O gabarito da política fiscal é a dívida pública porque todas as iniciativas do governo baterão na dívida que sempre esteve no cálculo e nas preocupações do mercado que acompanhou o argumento do governo de que o arcabouço fiscal seria rigorosamente cumprido. E isso não está acontecendo”, afirma.
Barros observa que o governo tem se desviado do arcabouço ao usar recursos por fora do Orçamento para atender a programas que deveriam estar no Orçamento, caso do Pé de Meia, enquanto outros programas estão sendo usados como atalho para manter a economia aquecida. “Se o governo está contornando restrições, não dá para olhar o cumprimento da meta e do arcabouço como referência de política fiscal”, diz.
Isso não significa dizer, entretanto, que o Relatório de Receitas e Despesas tem menor importância. “O documento é relevante. É o canal institucional para o governo comunicar ao mercado a política fiscal” e o espaço adequado para correções que tornem a execução fiscal mais realista”, explica o economista.
Daí a atenção necessária à leitura do Relatório que, insiste Barros, deveria trazer mudanças. “O Orçamento está inchado. Tem cerca de R$ 157 bilhões de receitas extraordinárias que eram aguardadas para 2024, mas não ocorreram. Foram arrastadas para este ano. E as despesas com Previdência e Benefício de Prestação Continuada (BPC) estão subestimadas em cerca de R$ 15 bilhões.”
Ele entende, porém, que se as correções forem feitas ficará evidente a dificuldade de cumprimento da meta, utilizando o limite inferior (0,25% do PIB) previsto no arcabouço fiscal. Para este ano, de meta zero, essa margem autoriza déficit primário, que exclui a fatura de juros, de R$ 31 bilhões.
Apesar da expectativa quanto aos ajustes acenados pela Fazenda, o momento é bem distinto do final de 2024. Em novembro, o governo submeteu ao Congresso um pacote de medidas para, supostamente, cortar gastos. Ao final de muito puxa-estica e intensa negociação, o pacote resultou em economia estimada em R$ 70 bilhões em dois anos.
A avaliação e aprovação do Orçamento, que deveria vir a seguir, foi atravancada, inclusive, pela realização da Cúpula do G20, no Rio de Janeiro, que exigiu atenção especial e presencial do Executivo na capital fluminense. Por tabela, a sanção presidencial do Orçamento só ocorreu em abril.
Na prática, para a política fiscal o ano começou mais tarde, mas com viés positivo porque o governo teve que reduzir despesas. Para não paralisar a máquina pública, a equipe econômica seguiu à risca a determinação legal de executar 1/18 avos das despesas nos primeiros meses do ano – circunstância em que o Executivo dispõe apenas de determinada cifra para bancar salários, encargos sociais e dívida.
Em ritmo de economia forçada, o Governo Central, que reúne contas do Tesouro, Previdência Social e Banco Central, encerrou o primeiro trimestre com superávit primário de R$ 54,5 bilhões ou 1,82% do PIB.