Em um país onde a inteligência artificial ainda é vista por muitos como um território reservado às big techs globais, a academia brasileira tem assumido um papel silencioso, mas decisivo na difusão e implementação dessa tecnologia dentro do setor produtivo.
Em entrevista ao programa Revolução IA, do NeoFeed, que tem apoio da Magalu Cloud, Anderson Soares, coordenador científico do Centro de Excelência em Inteligência Artificial (CEIA), sediado na Universidade Federal de Goiás (UFG), destacou que o Brasil é um dos 15 maiores produtores científicos de IA no mundo.
“O Brasil está bem posicionado. A gente só não tem condições de disputar com o primeiro pelotão, Estados Unidos e China. Mirar nisso seria um pouco ingênuo. Então, a nossa disputa é com Coreia do Sul, Alemanha e Inglaterra”, afirma Soares.
No ranking de aplicação, porém, há desvantagem especialmente pela falta de infraestrutura. Por outro lado, o professor da UFG destaca o benefício de o Brasil ser uma máquina de dados, que podem ser usados para treinar a inteligência artificial.
“Você pega o SUS e ele é uma máquina de dados para a saúde. Não é qualquer país que tem essa característica. É muito favorável, nesse aspecto, ser um país de dimensões continentais como o nosso. Qualquer aplicação de agro, de saúde ou segurança gera muito dado. Então, essa variável é muito favorável a nós”, diz Soares.
À frente do CEIA há cinco anos, ele viu a academia brasileira deixar de ser um espaço exclusivamente teórico para se tornar parceira estratégica de empresas — de startups a grandes corporações — na criação de produtos baseados em IA. Entre os nomes que têm (ou tiveram) parceria com o CEIA estão iFood, Itaú, Globo, Positivo, Vivo, Natura, Américas Health, Sicoob e FSB.
Atualmente, a instituição mantém mais de 65 contratos ativos com empresas dos mais diversos setores, além de prestar consultoria e orientar projetos com o apoio de recursos não reembolsáveis em parceria com instituições como Sebrae, Embrapii e BNDES.
Para ele, quando a empresa já sabe exatamente o que precisa e como fazer, deve seguir com equipes internas ou consultorias. Mas quando o desafio envolve incertezas tecnológicas, o melhor é buscar a universidade. “A academia é o lugar ideal para navegar na incerteza, experimentar, falhar e tentar de novo até descobrir algo novo”, afirma Soares.
Os exemplos não faltam. O centro ajudou a desenvolver uma solução que acelera e internacionaliza o trabalho de dubladores, mantendo a autenticidade vocal em múltiplas línguas. Em outras palavras, é como se um dublador de animação brasileiro aprendesse a falar uma infinidade de idiomas instantaneamente e pudesse dublar o desenho também para mandarim, inglês ou italiano.
Além disso, criou uma ferramenta que gera sites completos com base em poucas perguntas via WhatsApp, democratizando o acesso digital para pequenas empresas; e participou da construção de uma plataforma de orçamentos automáticos para sinistros de veículos, hoje usada por praticamente todas as seguradoras do país. Tudo partindo de dentro da universidade.
A fama do CEIA e do bacharelado em inteligência artificial da UFG, criado em 2019, levaram o curso a ter vestibular mais concorrido do que o de medicina neste ano. O salário dos formandos, claro, é outro fator de atração. “Os primeiros formandos já estão no mercado, com média salarial inicial em torno de R$ 8 mil, e alguns ganhando mais de R$ 20 mil por mês, inclusive em empresas internacionais”.
Ao transformar conhecimento acadêmico em soluções reais para o mercado, Anderson Soares acredita que a universidade pode ser não apenas uma incubadora de talentos, mas uma verdadeira engrenagem do desenvolvimento tecnológico do país.
Para o pesquisador, a próxima grande fronteira da inovação está na forma como humanos e máquinas se comunicam. A chamada “internet conversacional”, em que a interação se dá por meio de voz em vez de cliques e textos, abre caminho para a inclusão digital de públicos até então excluídos, como idosos ou analfabetos. E a expansão do público-alvo pode se refletir em maior lucro.
“Se você for lançar um aplicativo, cerca de 30% da população é seu mercado potencial, porque é quem não tem nenhuma fricção de usar menu, app. Mas se você traz essa capacidade de o produto ser conversacional, o seu mercado potencial é quase 100%, porque até mesmo o analfabeto fala”, afirma.