Nesta semana, começam a chegar aos principais pontos de venda da Miolo as primeiras garrafas do Wild Gamay 2020. Isso, claro, se o sistema de entrega funcionar nestes tempos de mudanças diárias de planos por conta do Covid-19.
O tinto é o primeiro representante da safra brasileira de 2020, considerada espetacular por seus produtores, a ir para o mercado. E traz novidades. É a primeira vez que a vinícola coloca no mercado um vinho elaborado sem a adição tanto de leveduras selecionadas como de SO2, substância utilizada para preservar o vinho.
“Não lembro de uma safra tão boa para todos os vinhos, sejam brancos, tintos ou espumantes”, afirma, empolgado, o enólogo Daniel Salvador, presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE).
Nos últimos cinco anos, o Brasil amargou quatro safras ruins e uma de qualidade, a de 2018. Segundo Salvador, a de 2020 é ainda melhor do que a de dois anos atrás. “As uvas chegaram perfeitas às vinícolas, sem doenças, completamente maduras”, diz o presidente da ABE.
O clima foi o principal aliado neste ano. Por mais que ele tenha pregado alguns sustos. O primeiro veio logo no começo da safra, com as chuvas abundantes no período da floração, ainda na primavera. As águas atingiram fortemente os vinhedos, diminuindo seu rendimento.
“A redução não foi uniforme. Na Valontano, tivemos problemas com a merlot e a cabernet sauvignon, com queda de 20%”, afirma o enólogo Luís Henrique Zanini, que cultiva vinhedos na Serra Gaúcha.
O segundo susto foi na estiagem de dezembro e início de janeiro. Em alguns vinhedos, a falta de água foi prejudicial, contribuindo também para a quebra na produção. “Mas foi uma perda menos significativa do que a de 2018”, afirma Adriano Miolo, diretor de enologia da Miolo.
Dos quatro projetos e dos 1 mil hectares de vinhedos próprios da Miolo, o Vale dos Vinhedos foi o que mais sofreu, comparado com as regiões da Campanha Meridional (projeto Seival), Campanha Central (projeto Almaden) e Vale do São Francisco (projeto Terranova).
No Rio Grande do Sul, a colheita está quase concluída. Mas ainda há uvas nos vinhedos de Santa Catarina. Nesse cenário, até o momento, não há um dado final com o volume oficial da safra.
Entre meados de janeiro e março, a natureza colaborou com algumas chuvas providenciais, impedindo que as plantas entrassem em estresse hídrico
Entre meados de janeiro e março, a natureza colaborou com algumas chuvas providenciais, impedindo que as plantas entrassem em estresse hídrico. “As chuvas caíram na hora certa e permitiram aos produtores colherem as uvas no seu grau ótimo de maturação”, afirma Salvador, da ABE.
Ou, como diz Zanini, os produtores não tiveram de colher correndo para fugir da chuva. “Pudemos esperar a uva chegar em seu equilíbrio ideal”, diz ele.
Um exemplo está na medição do chamado grau babo da uva, que representa a quantidade de açúcar, em peso, em 100 gramas de mosto, e que permite estimar o teor alcoólico do vinho final.
Segundo Salvador, na região dos Vales dos Vinhedos, as uvas merlot e cabernet sauvignon costumam ser colhidas entre 18 e 20 de grau babo. Nessa safra, no entanto, o grau ficou entre 22 e 23,5, o que permite obter vinhos com mais de 14% de teor alcoólico. “São uvas que nos trazem maior potencial alcoólico, mais polifenóis, mais estrutura e potencial de guarda”, comemora ele.
Na Casa Valduga, a preocupação de Daniel Dalla Valle, o diretor técnico da vinícola, é se o segundo container de barricas conseguirá sair dos portos franceses rumo ao Brasil. O primeiro já está a caminho e ele torce para conseguir liberá-lo a tempo de utilizar nesta safra.
“Pela primeira vez, decidimos comprar foudres, para amadurecer alguns brancos e tintos”, afirma Valle. “E demos sorte porque tanto nos vinhedos do Vale dos Vinhedos como na região de Encruzilhada, as uvas estão com a maturação fenólica completa.”
Barricas grandes de carvalho francês, com capacidade para 2.500 litros, nos modelos escolhidos pela Valduga, os foudres são recipientes que vêm ganhando espaço na enologia.
Em seu interior, os vinhos conseguem amadurecer, sem ficar com a madeira tão marcada como muitas vezes acontece nas barricas tradicionais, de 225 litros. “Devemos utilizar os foudres em alguns tintos, mas também em brancos, como um viognier”, adianta Dalla Valle.
A qualidade da safra, ainda, faz o enólogo pensar em novos projetos. Na Valduga, uma das apostas é esse viognier com passagem em foudres. Na Miolo, um cabernet franc single vineyard com uvas do projeto Almadén, na fronteira com o Uruguai, pode ser uma novidade, vindo de vinhedos plantados há mais de 30 anos. Mas é certo que as vinícolas devem lançar todos os seus brancos e tintos premium, aqueles que são elaborados apenas em anos de qualidade.
Com as uvas nas vinícolas, o desafio dos enólogos agora é transformar esta matéria-prima em vinhos de qualidade. Se, no passado, as boas safras muitas vezes esbarravam na falta de estrutura nas vinícolas, agora é esperar que todo o suporte técnico, dos laboratórios com equipamentos mais precisos às diferentes barricas importadas, ajudem a valorizar a uva de qualidade e não escondê-la em muito teor alcoólico e madeira demasiada. A palavra agora está com os enólogos.
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