Com um passado marcado por um histórico de grandes acidentes, a energia nuclear esteve, por décadas, relegada a um segundo plano, em meio aos debates e preocupações em relação à segurança, aos riscos ambientais e à gestão dos resíduos radioativos associados a esse processo.
Mais recentemente, porém, essa fonte de energia vive uma espécie de ressureição. E um dos combustíveis para que está reaquecendo o interesse nesse espaço é o elevado consumo de energia projetado a partir do avanço da inteligência artificial (IA).
Esse é um dos pontos destacados em um extenso relatório de 42 páginas enviado a clientes pela XP. E que, já em sua introdução, traz a seguinte provocação: “(Re)abastecendo os reatores: A energia nuclear está de volta ao radar?”.
Na busca por essa resposta, a XP cita questões já em curso há mais tempo, como a mudança de percepção pública – e da regulação – sobre a energia nuclear, que passou a ser vista como uma fonte despachável e de baixa emissão de carbono.
O relatório adiciona, porém, novos componentes a esse pacote. E, nessa direção, ressalta que a rápida expansão da inteligência artificial está gerando uma explosão na demanda por data centers, o que abre caminho para a adoção da energia nuclear.
“Diante disso, grandes empresas de tecnologia passaram a recorrer à energia nuclear como uma solução limpa, confiável e escalável, capaz de garantir fornecimento ininterrupto, 24 horas por dia, 7 dias por semana, com linha com seus compromissos de sustentabilidade”, escrevem os analistas.
Para o time da XP, esse movimento marca um ponto de inflexão para o setor nuclear, à medida que grandes empresas privadas – em particular, as big techs – têm a perspectiva de se tornarem grandes compradoras dessa fonte, especialmente sob o “crescente estresse” sobre as redes elétricas.
Um dos exemplos recentes citados é o da Meta. Neste mês, a companhia de Mark Zuckerberg contratou 1,1 gigawatt de energia da Constellation Energy, em um contrato com início previsto em 2027 e prazo de 20 anos.
“A entrada das big techs, tradicionalmente afastadas do setor, representa uma transformação estrutural, introduzindo uma nova e robusta fonte de demanda para a capacidade nuclear”, observa, em outro trecho, a XP.
O relatório também recorre a alguns dados para ilustrar o crescimento dessa demanda que promete reposicionar a energia nuclear como uma alternativa escalável dentro do mix de fontes de energia no futuro.
Nos EUA, que concentram cerca de 33% dos data centers globais, o consumo desses centros deve crescer de 200 terawatts/hora, em 2022, para 260 terawatts/hora, em 2026, com a projeção de alcançar 11,7% de toda a eletricidade consumida no país até o fim da década, ante um índice atual de 4,3%.
A XP pontua que, à medida que crescem em escala e intensidade, os data centers passam a consumir volumes de energia comparáveis aos de cidades de porte médio.
Um outro dado mostra qual o peso da inteligência artificial nessa conta. Os analistas observam que, segundo dados do Electric Power Research Institute, o ChatGPT consome até 10 vezes mais energia do que uma busca tradicional no Google.
Na mesma base de comparação, a ferramenta da OpenAI emite 340 vezes mais dióxido de carbono (CO2) do que uma busca no serviço do Google e consome 58 vezes mais energia diariamente.
Juntamente com essa demanda explosiva e com um arcabouço regulatório cada vez mais favorável a projetos e reatores, a XP elenca ainda fatores como a busca por diversificação das matrizes energéticas para reduzir a dependência excessiva de combustíveis fósseis e os compromissos de descarbonização.
Na direção da oferta, o relatório frisa que a capacidade global está prestes a expandir significativamente, com 66 reatores em construção e cerca de 90 em fase de planejamento, o que traduz um dos maiores níveis de atividade das últimas três décadas.
Em outros números, a Agência Internacional de Energia estima que a capacidade nuclear global deve subir de 416 gigawatts elétricos, em 2023, para 647 gigawatts elétricos, até 2050. Essa retomada tem sido, porém, seletiva, com boa parte dos projetos concentrada na Ásia.
A XP ressalta, no entanto, alguns desafios nessa onda. Entre eles, o fato de que as usinas nucleares estão entre os projetos energéticos mais intensivos em capital, exigindo grandes investimentos antes de gerarem receita.
Outra barreira a ser superada é a falta de mão de obra qualificada. Assim como os longos prazos para implementação, dado que os projetos nucleares geralmente levam de 10 a 15 anos entre o planejamento e a operação, com mais 3 a 5 anos necessários para licenças e aprovações.
Já no que diz respeito às alternativas para investidores nessa área, a XP cita modalidades como os trusts de urânio físico e os ETFs focados em urânio. Assim como as empresas de capital aberto que atuam em diferentes etapas da cadeia do setor.
Nesse ponto, companhias que têm conexões com a inteligência artificial também são destaque. Entre elas, a própria Constellation Energy, que, além da Meta, fechou um acordo de 20 anos de fornecimento de energia com a Microsoft, também com a IA como pano de fundo.
Outro nome é a Oklo, startup de microreatores que tem Sam Altamn, cofundador da OpenAI, Google e Amazon entre seus investidores. E que, nesta semana, concluiu uma captação de US$ 460 milhões.