Desde a posse, em janeiro, o presidente americano Donald Trump vem pressionando Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, para baixar os juros.
Como o Fed dispõe de autonomia, que permite a Powell ficar no cargo até maio de 2026, o presidente americano tem alternado ataques pessoais ao presidente do BC americano, alguns até baixos, com ameaças de indicar o seu sucessor ainda este ano, numa tentativa de constranger seu desafeto.
Nada disso funcionou – Powell manteve-se irredutível em manter a política monetária do Fed, alegando que as tarifas impostas por Trump podem alimentar a inflação, o que exige tempo para calcular os efeitos, impedindo a queda imediata dos juros.
Trump, porém, parece ter encontrado mais um argumento para se livrar de Powell, e da pior forma possível – uma demissão por justa causa, interpretada como má conduta ou abandono do dever, a única justificativa possível sem ferir a autonomia do órgão.
A Casa Branca alega que um projeto de renovação da sede do Fed, avaliado em US$ 2,5 bilhões, incluiu mudanças não aprovadas por uma autoridade federal de planejamento urbano. Além disso, assegura que Powell mentiu ao Congresso sobre o projeto.
A nova ofensiva de Trump foi formalizada por meio de uma carta enviada a Powell, na semana passada, pelo diretor do Escritório de Gestão e Orçamento da Casa Branca, Russ Vought. A carta de Vought sugere que o Fed alterou planos aprovados pela Comissão Nacional de Planejamento de Capital (NCPC) em 2021, violando assim a Lei Nacional de Planejamento de Capital, e cobra esclarecimentos do presidente do Fed.
Em postagem posterior na rede social X, Vought comparou a reforma do prédio do Fed ao Palácio de Versalhes, na França, “com jardins no terraço, fontes e mármore premium".
Powell já havia negado ao Congresso, no mês passado, que o projeto de reforma do prédio do Fed em Washington inclua itens de luxo. O projeto, na verdade, está em andamento desde 2021 e a pressão da Casa Branca somente agora reforça a intenção de obrigar Powell a deixar o cargo.
Na mesma semana em que Trump instruiu seu assessor a enviar a carta, o presidente americano nomeou aliados, incluindo o secretário de gabinete da Casa Branca, para essa mesma comissão, a NCPC - normalmente composta de arquitetos e preservacionistas históricos.
Os novos membros da NCPC foram rápidos em seguir a linha da Casa Branca no projeto do Fed. O novo presidente da NCPC, Will Scharf — ex-advogado pessoal do presidente — disse em uma reunião da comissão que o projeto do Fed inclui "sérios desvios" dos planos aprovados anteriormente pelo NCPC.
Reação
O Fed reagiu à ofensiva de Trump com duas medidas. No fim de semana, publicou em seu site uma sessão de perguntas e respostas para explicar por que seus líderes acreditavam que o projeto era necessário e como ele ficou tão caro — e buscando corrigir o histórico de alguns relatos exagerados sobre recursos de luxo empregados na obra.
De forma discreta, mas bem clara, o questionário revela a posição do Fed de que somente o Conselho de Governadores do órgão controla suas decisões imobiliárias sob o Federal Reserve Act, e que sua cooperação com o NCPC é voluntária.
Em outra frente, Powell revelou nesta segunda-feira, 14 de julho, ter pedido ao inspetor-geral do Fed, Michael Horowitz, para revisar os estouros de custos e quaisquer outros assuntos envolvendo o edifício que ele considere apropriados.
Trump, porém, passou a incorporar a denúncia da NCPC contra a Powell em suas entrevistas, estabelecendo um novo precedente para a capacidade de um presidente de submeter o líder do banco central mais importante do mundo à sua vontade.
Ao esticar a corda, o presidente americano pode correr um risco desnecessário. Além de republicanos, muitos economistas e até integrantes do Fed admitem que o corte de juros pode correr já na próxima reunião do banco central americano, no fim deste mês.
Michelle Bowman, que faz parte do Conselho de Governadores do Fed, afirmou recentemente que o impacto das tarifas sobre a inflação pode ser menor do que o previsto inicialmente. “Se as pressões inflacionárias permanecerem contidas, eu apoiaria a redução da taxa básica de juros já na nossa próxima reunião", disse ela.
Michael Pearce, vice-economista-chefe para os EUA da Oxford Economics, também prevê uma iminente queda dos juros nos EUA. "Se você analisar apenas uma regra de política monetária e as previsões do Fed, elas justificariam múltiplos cortes este ano", disse Pearce. "Mas o Fed não está no piloto automático — eles levam em consideração os riscos em torno da economia."
De acordo com Pearce, a inflação e o desejo do Fed de pelo menos entrar em uma trajetória em direção à sua meta de 2% são os principais motivos pelos quais ele permanece no "modo de esperar para ver", dado que o impacto das tarifas continua "em andamento".
Em maio, a inflação dos EUA fechou em 2,4%, em relação ao mesmo período do ano anterior. A inflação de junho, que será anunciada na terça-feira, 15 de julho, deverá ficar em 2,6%, segundo estimativas - se confirmada, daria argumentos para o presidente do BC americano continuar segurando, por enquanto, o corte dos juros.