Há semanas o mercado administra incertezas produzidas pelo tarifaço de Trump contra exportações brasileiras. Tarefa ampliada neste início de agosto com a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro que gerou dois efeitos: a expectativa de que a tensão entre Brasil e EUA poderá escalar e a tentativa da Oposição de travar o Congresso. Iniciativa neutralizada, mas longe de garantir decisões favoráveis à parruda pauta econômica do governo.

Em que pesem riscos econômicos e políticos à frente cultivados em território nacional ou pelo governo Trump, o dólar por ora não sofre maior pressão e a Bolsa não desanda com ordens de venda para realização de lucros mesmo com o Ibovespa em alta ao redor de 13% desde o início do ano. Ao contrário.

A aversão a risco está no radar de gestores e nem poderia ser diferente, mas a taxa de juro – ainda a mais elevada em vinte anos – blinda o próprio mercado que, no conjunto, é o financiador do maior devedor do País: o governo com sua imensa dívida lastreada em títulos públicos com “risco zero” de inadimplência e que dá respaldo à incursão a ativos mais arriscados ou voláteis.

A Selic espelha e turbina esse endividamento, apesar do estrago que provoca na economia e na confiança de consumidores e empresários. Um cenário que tende a piorar com o possível “desempate” de decisões monetárias entre o Federal Reserve (Fed) e o Banco Central, a partir de setembro. Projeções apontam que o Fed cortará sua taxa em setembro, outubro e dezembro de 4,50% até 3,75%.

O BC de Gabriel Galípolo pretende manter a Selic em 15% por longo período, reforçou o Copom na ata publicada na terça-feira, 5 de agosto. Porém, o corte esperado para janeiro pode ser antecipado, ante o arrefecimento da inflação, do dólar e corte de juro mais incisivo pelo Fed por um mercado de trabalho tíbio e um Donald Trump apressado em substituir Jerome Powell no comando da instituição.

Amplamente antecipadas, as projeções para as taxas básicas americana e brasileira apontam um aumento do diferencial de juros nominais entre os dois mercados de 10,50 pontos percentuais a favor do Brasil neste início de agosto, para 11,25 pontos em dezembro – se a Selic não cair até lá.

Descontada a inflação, a vantagem do juro brasuca persiste. A estimativa de Selic daqui a um ano ronda 9,40% e o Brasil só perde para a Turquia, com retorno de 14,44%, a liderança do ranking de 40 países monitorado por Jason Vieira da MoneYou e economista-chefe e sócio da Lev Intelligence. A título de comparação, o juro real americano não chega a 0,50%, variação substancialmente inferior, inclusive, à média de 1,67% referente ao elenco de nações selecionado por Vieira.

Mas a expressiva vantagem do Brasil na remuneração de investidores fala mais alto em meio às incertezas que serão crescentes rumo às eleições de 2026 e quando o próprio mercado busca opções à renda fixa?

“Dominante, de fato, é o cenário global neste momento”, avalia Daniel Campanini, responsável por fundos multimercados da Western Asset Brasil, que administra cerca de R$ 40 bilhões. E é derivada da Western Asset – uma das principais casas globais independentes com US$ 400 bilhões sob gestão. Para o gestor, o case Brasil não muda mesmo com tarifaço ou mobilizações no Congresso. “Decisões locais importam, sim, mas por eventuais impactos fiscais”, afirma.

No cenário de incerteza é geral a “tomada de risco” é menor

Ao NeoFeed, Campanini observa que, ainda que o governo tenha tomado medidas para cumprir o arcabouço e as metas fiscais, a dinâmica da dívida preocupa. Entretanto, pontua, os eventos externos – decorrentes especialmente de decisões do governo Trump – predominam nas análises e alocação de capital.

“O momento é de grande incerteza não só no Brasil, mas nas maiores economias do mundo, embora os indicadores de mercado não reflitam essa situação. Os índices acionários dos EUA estão em máximas históricas. A volatilidade dos títulos do Tesouro americano está em mínima histórica”, pondera Campanini que concorda que o juro brasileiro é impressionante, mas tecnicamente necessário para que o BC promova a convergência da inflação à meta.

Mas o juro não é o indicador mais sensível às tensões presentes, alerta o gestor. O indicador mais sensível é o dólar em meio à tensão global. “O real até poderia ter pior desempenho entre moedas pares, o que não ocorreu até porque o Brasil é alvo secundário para o investidor neste momento de menor tomada de riscos.”

A Bolsa vem registrando um vaivém de investidores estrangeiros que não surpreende Campanini para quem a movimentação é natural “porque esses investidores representam o fast money. Quando o mercado vai bem, todos estão felizes. Se a Bolsa vira, os recursos saem rapidamente do País, mas voltam”.

Até por isso, insiste Campanini, o comportamento do dólar é o mais revelador em função do papel global da moeda. E a evolução do câmbio no Brasil é positiva, a despeito de tensões provocadas pelo tarifaço imposto ao País e que, para a Western Brasil, tende a ter um impacto menor que o inicialmente estimado.

“Em função de a economia brasileira ser fechada, pelas exceções à alíquota de 50% imposta às exportações brasileiras para os EUA e também pela perspectiva de redirecionamento das commodities para outros mercados. “Importante lembrar, porém, que esse redirecionamento não acontece a zero de jogo”, diz o gestor.

Quanto ao juro estelar, comenta Campanini, impressionante é como a economia real sobrevive. “É necessário reconhecer que os canais de transmissão da política monetária tendem a atenuar o impacto da taxa por subsídios e pela relevância crescente do mercado de capitais que pratica outras taxas. Selic não é tudo.”