Donald Trump demonstra, dia sim e no outro também, que gostaria de ver o presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, pelas costas. Porém, é Powell, que mesmo sob fogo cruzado e desprestigiado pela Casa Branca, poderá ser o portador da notícia mais aguardada por Trump e pelo mercado internacional – de que o corte da taxa de juro está a caminho – quando discursar no Simpósio de Política Econômica de Jackson Hole na sexta-feira, 22 de agosto. Sinalização que, para o bem ou para o mal, deverá acelerar a reprecificação de ativos.

O mercado estará com o dedo no “gatilho” e de olho no câmbio, variável-chave nesse cenário. O dólar caiu quase 10% neste ano ante uma cesta de moedas fortes e deverá recuar mais com o juro em baixa. Trajetória que interessa ao Brasil, onde o câmbio serve de anteparo à inflação que recua em todas as métricas com real valorizado em cerca de 12% ante o dólar. Fator que empurra o BC de Gabriel Galípolo também ao corte de juro. Talvez mais cedo do que mais tarde.

Fórum de elevado prestígio, o Simpósio de Jackson Hole é promovido anualmente em agosto pelo Fed de Kansas City, Wyoming, EUA, desde o final da década de 1970. Neste ano, o evento ocorrerá entre os dias 21 e 23, estará focado em "Mercados de Trabalho em Transição: Demografia, Produtividade e Política Macroeconômica" e marcará a “despedida” de Powell como anfitrião.

Em agosto de 2026, no próximo simpósio, o Fed estará sob nova direção mais afinada com a Casa Branca para alívio de Trump e de Powell. Enfim, dispensado de levar desaforo para casa ao final de dois mandatos no comando do maior BC do mundo e vitorioso no desafio de combater a inflação mais elevada em 40 anos no pós-pandemia. E sem empurrar a economia ao desastre.

O mercado de trabalho – destaque pela última vez em Jackson Hole em 2014 – não poderia ser tema mais adequado, ante a polêmica estabelecida em torno da criação de um número menor de vagas nos EUA em julho e que levou Trump a demitir a chefe do departamento de estatísticas por avaliar que houve manipulação de dados para prejuízo dos Republicanos.

Pleno emprego e inflação na meta são o ápice do duplo mandato do Fed. Mercado de trabalho enfraquecendo como revelou o relatório de emprego (payroll) de julho, prescreve corte de juro. Inflação acima da meta de 2% e dúvida quanto ao impacto das tarifas de Trump, ainda a se materializar, sugerem o oposto.

Em julho, a inflação ao consumidor não surpreendeu. Subiu 0,20% no mês e 2,70% em base anual. O núcleo, que exclui alimentos e energia, atingiu 3,10%. O índice de preços ao produtor avançou acima do esperado, mas a referência do Fed é o consumidor. O descompasso, ante a meta, justifica cautela na gestão monetária, vocaliza Powell. Mas sinais de fragilidade do emprego levantam vozes divergentes no Fed e reforçam a ideia de que o alívio monetário é inevitável.

O mercado comprou essa ideia há semanas e contratos futuros de juro, negociados no CME Group, apontam mais de 90% de probabilidade de redução da taxa básica, hoje na faixa de 4,25% a 4,50%, em 0,25 ponto percentual em 17 de setembro. Cortes idênticos em outubro e dezembro estão no páreo.

Corte do juro em “dobro” não pode ser descartado

Há um ano, em Jackson Hole, Powell sinalizou uma flexibilização monetária e cortes ocorreram em setembro, novembro e dezembro. O primeiro, de 0,50 ponto. Outros dois, de 0,25. Em seguida, o Fed botou o pé no freio, ante o favoritismo de Trump nas urnas, ancorado na defesa de uma política comercial protecionista e fiscal expansionista – atalho para uma escalada histórica de endividamento.

Para o economista-chefe e sócio da G5 Partners, Luis Otávio Leal, a história parece se repetir. “No ano passado, os EUA apresentaram em sequência três dados ruins do mercado de trabalho. E, em setembro, Powell sinalizou o corte que ocorreu, inclusive, acima do esperado pelo mercado”, lembra.

“Neste ano, em Jackson Hole, Powell não terá o payroll de agosto que será divulgado no início de setembro. Se o dado for muito ruim, o corte de juro poderá ser de 0,50 ponto”, diz Leal ao NeoFeed. O economista destaca o fato de o mercado futuro não prever atualmente tamanho ajuste, mas a metade. Até por isso, pondera, qualquer indicação de Powell será muito relevante.

“Sinal de corte maior levará o mercado a extrapolar 0,50 ponto para as próximas reuniões e precipitará forte reprecificação de ativos, sobretudo, câmbio e juros no mundo todo. Mas não dá para descartar uma sinalização mais dura que poderá levar à revisão de reduções sequenciais projetadas para esse ano”, alerta.

Improvável, na visão do economista, é não ser deflagrado o corte de juro. Leal observa que a orientação do Fed para não se mover apontava para possível ocorrência de impactos díspares das tarifas comerciais: na inflação e na atividade. “Como não se sabia qual impacto iria prevalecer, o melhor era não fazer nada. Mas o cenário mudou com os mais recentes indicadores.”

A inflação de julho, de 2,70% anualizada, não mostrou aceleração. A possibilidade de os preços mudarem de nível não se confirmou. A formação de estoques em decorrência das tarifas e seu esgotamento ao final do primeiro semestre poderiam interferir nos preços e isso também não aconteceu. Entretanto, avalia Leal, o impacto sobre a atividade já foi evidenciado.

“O PIB do primeiro trimestre foi negativo. O PIB do segundo trimestre foi de 3%, mas a abertura do resultado revela claramente a desaceleração da atividade, como aponta um indicador relevante que combina queda importante do consumo das famílias e do investimento privado”, explica.

Leal reforça que a média desses dois componentes no primeiro semestre foi equivalente à metade do visto um ano antes. Some-se a isso o mercado de trabalho fraco, a probabilidade é de que o Fed corte o juro em setembro. Faltam o timing e a grandeza do ajuste que Powell poderá (ou não) adiantar em Jackson Hole. Até lá, resta expectativa e apreensão nos mercados do mundo inteiro.