Brasília - Da capital do rock para a capital da música instrumental, Brasília apresenta um traço que dança ao som do choro e do jazz. De amadores a profissionais consagrados, todos os dias da semana tem alguém tocando na cidade. Aos domingos, violonistas e percussionistas invadem o Eixão, a avenida que cruza o Plano Piloto.
O repertório tem Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo, Ernesto Nazareth, Pat Metheny, João Donato, Paulinho da Viola, Dominguinhos e um bom Zeca Pagodinho.
Assim como o som de uma região leva em conta fatores geográficos e arquitetônicos — como diria o guitarrista Toninho Horta para explicar a influência das montanhas nos instrumentistas mineiros —, o modernismo misturado a uma certa nostalgia deu a Brasília um jeito próprio de tocar e ouvir música. O movimento não é recente e começou na inauguração da capital na década de 1960, mas se intensificou nos últimos anos.
“Juscelino Kubitschek trouxe músicos para participar de saraus, e a própria transferência da capital trouxe servidores públicos que tocavam, como Milton Costa, parceiro de Waldir Azevedo. Jacob do Bandolim passou um tempo na cidade, assim como João Donato mais recentemente”, diz Henrique Neto, violonista com licenciatura em música pela Universidade de Brasília e coordenador da Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello.
A escola faz parte do complexo do Clube do Choro, com aulas e shows de instrumentistas. Para Neto, Brasília, por ser recém-criada, não teve uma velha guarda do choro ou do samba:
“Não tinha certo ou errado e a cidade foi crescendo e desvendando a forma de fazer música, de tocar o choro. Isso contribuiu para o formato da música tocada aqui, um jeito próprio de tocar e de se relacionar com a música, considerando a própria variedade de pessoas de todos os lugares, significando uma cultura diversificada".
O Clube do Choro, criado em 1997, tem shows semanais, trazendo músicos consagrados como Armandinho Macedo, Pepeu Gomes e Sivuca para fazer uma série de homenagens a Pixinguinha, por exemplo. “É gente do país inteiro vindo para Brasília uma forma particular de tocar mestres do choro, isso foi estimulando os músicos e o público daqui", diz.
Henrique Neto é filho do baiano Reco do Bandolim, criador do Clube do Choro e da Escola Raphael Rabello, que até hoje faz as apresentações detalhadas dos artistas convidados para os shows. O clube começou com apenas duas salas improvisadas no vestiário do Centro de Convenções de Brasília. Hoje é um complexo com mais de mil alunos e recebe instrumentistas do Brasil e do mundo.
O caso mais emblemático foi ter recebido Paul McCartney em novembro de 2023. O inglês começou a turnê no Brasil na época no Clube do Choro, num evento surpresa para 400 pessoas. Foi o próprio beatle que escolheu o local ao descobrir a importância do espaço para a música na capital. Tocou por mais de uma hora para convidados, e não cobrou cachê.
“Os ingressos eram limitados, mas ele decidiu dar visibilidade à Escola e reservou lugares para os alunos”, lembra Neto. Entre um choro e outro, alunos e professores desde então tocam Yesterday misturado com Carinhoso, de Pixinguinha.
Além do Clube do Choro, Brasília tem duas tradicionais instituições de ensino: a Escola de Música e a Universidade de Brasília, as duas públicas. A formação musical assim segue um fluxo, abrindo mercado para artistas como o bandolinista Hamilton de Holanda e o gaitista Gabriel Grossi.
A multi-instrumentista Jéssica Carvalho começou como aluna da Escola de Choro e hoje é professora. “A cena musical de Brasília está cada vez mais forte, mesmo considerando a lei do silêncio, que acaba atrapalhando os pequenos empresários da cidade, o que é desigual. No caso do choro e da música instrumental, temos shows todos os dias da semana”, afirma Jéssica, que defende a descentralização dos shows para além do Plano Piloto.
“Brasília é criada praticamente junto com os cursos na UnB e na Escola de Música, que juntas com a Escola de Música têm total importância na formação dos músicos e do público”, diz o historiador, músico e radialista Paulo Córdova.
“A música deve ser estendida nas escolas públicas e privadas, porque funciona como neuro capacitor para quem toca, mesmo que não tenha pretensões profissionais. É quase um processo terapêutico", complementa.
O choro de Brasília virou uma tradição, com alunos mais jovens e mais velhos. “Nas rodas, temos uma diversidade na cidade, num envolvimento que só se vê em Brasília nos últimos tempos. Se antes era o rock, hoje o choro invadiu a cidade”, afirma Córdova.