Há uma semana, o Mercado Livre confirmou a compra da Target, em um acordo que marcou sua entrada no varejo farmacêutico. E que foi a deixa para uma série de análises sobre os impactos que essa estreia – e essa estratégia – podem trazer ao setor. Boa parte delas, porém, sem o apoio de dados.

Sete dias depois, quem está trazendo alguns indicadores para essa discussão é o Itaú BBA. No relatório “MELI na Farmácia – das teorias aos números”, o banco tenta entender qual o tamanho dessa oportunidade para a companhia e, ao mesmo tempo, os riscos desse apetite para as redes do setor.

Na primeira prateleira, a percepção dos analistas é de que, a princípio, a categoria farma não surge como um grande motor para o crescimento do GMV (volume bruto de mercadorias) do Mercado Livre. Essa linha dá, no entanto, uma dimensão do poder de fogo dessa “novata” no segmento.

“Estimamos que ela (a categoria) represente 6,5% do GMV de 2030. Curiosamente (e impressionantemente), o GMV do MELI, em 2025, já supera todo o mercado varejista de medicamentos no Brasil”, escreve o Itaú BBA.

Nesse contexto, o banco parte da premissa que faz mais sentido para o Mercado Livre iniciar essa jornada com medicamentos sem prescrição (OTC), em função de fatores como a logística menos complexa e as margens relativamente maiores, cerca de 35%, contra 15 a 17% da categoria com receita.

Segundo o relatório, a categoria OTC movimentou US$ 8,5 bilhões em 2024 e registrou uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 13% desde 2021. Além de já deter uma penetração online relativamente alta, de aproximadamente 26%, no Brasil.

Como parte dessa equação, o Itaú BBA leva em conta um CAGR de 9% até 2030 para a categoria, uma penetração online de 35% e uma fatia de 42% do Mercado Livre para projetar um GMV de cerca de US$ 2 bilhões da empresa em OTC em cinco anos – ou aproximadamente 3% do seu GMV total no Brasil.

“É por isso que acreditamos que o ângulo estratégico aqui é aumentar a penetração em uma categoria que impulsiona a recorrência e o ‘lock-in’ dentro da plataforma, apoiando, eventualmente, as vendas cruzadas”, diz outro trecho do relatório.

A visão é mais desafiadora para o Mercado Livre, no entanto, na categoria de medicamentos com receita, que movimentou US$ 18,5 bilhões no ano passado, com um CAGR de 13,5% nos últimos três anos e uma penetração online de aproximadamente 15%.

Aqui, a conta do Itaú passa pela projeção de que a penetração online da categoria chegará a 30% e que a fatia da empresa nesse bolo será de 25%, o que representaria cerca de 3,5% do seu GMV no Brasil em 2030.

Nesse balcão, o banco entende que a companhia deve ter maior penetração em medicamentos de uso crônico, em que os consumidores são mais sensíveis a preços e podem agendar pedidos. Mas ressalta que, em “ocasiões agudas”, as farmácias devem ter vantagem devido à conveniência.

Entretanto, há também desafios sob a ótica das farmácias. E para ilustrar esse cenário, o Itaú BBA usa como referência a RD (Raia Drogasil), maior rede do setor, e os efeitos da pressão de preços, em particular, na categoria OTC.

Para o banco, é improvável que a RD perca participação para o Mercado Livre. Os analistas acreditam que a rede fará investimentos em preços para se manter competitiva, o que, por sua vez, pode trazer um impacto de 2 pontos percentuais em sua margem bruta em três a cinco anos.

Em contrapartida, os analistas ressaltam que a RD deve compensar esses efeitos com ganhos de participação sobre farmácias independentes, de pequeno e médio porte, mais vulneráveis à ameaça do Mercado Livre. E usam a companhia para projetar o tamanho do risco para essas redes menores.

“Se a RD perder de dois a três pontos percentuais na margem bruta ao longo do tempo, a maioria das farmácias independentes (que operam com margem Ebitda de um dígito muito baixo) provavelmente fechará”, escreve o banco.

O relatório ressalta ainda que as farmácias independentes geraram R$ 35 bilhões em vendas (17% do setor) no ano passado. E projeta que entre 25% e 45% dessas varejistas precisariam deixar o mercado para que a RD compensasse totalmente o impacto negativo das suas margens brutas mais baixas.