Com mais de 95% de beneficiários dos planos de saúde entre o público de baixa renda e classe média, a operadora de planos de saúde Hapvida quer ampliar a presença de clientes com maior poder aquisitivo e que pagam mais caro pelos serviços médicos oferecidos pela companhia.

Dos 8,8 milhões de beneficiários dos planos de saúde oferecidos pela Hapvida, 359 mil vidas compõem o perfil dos que utilizam o produto chamado ‘PPO’, em que o usuário conta com ampla rede de atendimento, incluindo hospitais credenciados e opção de reembolso - foco justamente no público classe A.

Enquanto o cliente premium paga em torno de R$ 800, em média, aquele do produto mais básico desembolsa um terço desse valor, ou seja, algo em torno de R$ 270.

Na prática, a empresa quer capturar clientes que hoje são atendidos no Einstein Hospital Israelista e no Sírio-Libanês, unidades de saúde com alto padrão de atendimento, em São Paulo, e que integram a lista dos melhores do setor na América Latina.

“Sabemos da importância nacional e mundial desses hospitais, mas a nossa ideia é ser, sim, uma opção para os usuários de alta renda das redes hospitalares com hotelaria diferenciada e com serviços de extrema qualidade”, diz Jorge Pinheiro, CEO da Hapvida, em entrevista ao NeoFeed.

Há, no entanto, o desafio de mudar essa percepção de um grupo de saúde, que cresceu atendendo a população com renda mais baixa, para uma operadora que pode ser a escolha de pacientes de alta renda.

No começo de setembro, a Hapvida deu um primeiro passo e inaugurou a primeira unidade desse novo segmento na avenida Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo: um ambulatório que integra o chamado ‘conceito Hapvida Advance’. O modelo oferece outro padrão de hotelaria, mais tecnologia, equipamentos avançados, localização privilegiada, serviço de concierge e até um corpo clínico diferenciado.

Os investimentos foram de R$ 35 milhões, mas podem chegar a R$ 50 milhões nos próximos anos. O plano de hospitais ‘premium’ da Hapvida integra o pacote de investimentos de R$ 2 bilhões da companhia até 2026.

“Desse público, cerca de 15% vão para a nossa rede própria. Nosso pensamento, então, foi criar unidades dedicadas a estes clientes, com serviços diferenciados”, afirma Pinheiro, filho do fundador da companhia, Candido Pinheiro Koren de Lima, atual presidente do conselho de administração.

Em volume, o cliente premium representa 4% do total de usuários da Hapvida no Brasil. Por outro lado, a participação na receita gira em torno de 10%.

Além do centro hospitalar, a operadora de saúde planeja mais duas unidades premium em São Paulo para o próximo ano. Um deles, que se chamará Hospital Ibirapuera, terá 250 leitos, com atendimento materno-infantil e ambulatório de alta complexidade. Os investimentos previstos na unidade alcançam R$ 405 milhões.

O outro, chamado Hospital Antônio Prudente, localizado na Vila Clementino, na Zona Sul de São Paulo, vai focar na altíssima complexidade, com atendimento focado em adulto e na área oncológica. Com aportes de R$ 410 milhões, vai contar com 250 leitos.

De qualquer forma, o CEO da Hapvida reforça que a companhia não deixará de investir para ampliar a rede do público com menor poder aquisitivo, que é o carro-chefe da empresa.

Ambulatório na Brigadeiro Luís Antônio é a primeira unidade premium da Hapvida no Brasil

Jorge Pinheiro, Candido Júnior (que integra o Conselho) e o fundador Candido Pinheiro

Dos 11 hospitais previstos até 2026 no Brasil, três são do segmento premium e oito integram unidades que atenderão os clientes do produto HMO. “É natural que nem todo mundo possa pagar o nosso plano mais alto. O cliente de alta renda é um complemento e nos permite chegar a todos os perfis de clientes”, diz Pinheiro.

Das unidades que serão entregues pela companhia até o próximo ano, além do plano para novos hospitais em São Paulo e Rio de Janeiro, estão novos equipamentos de saúde no Amazonas, Pará, Mato Grosso do Sul, Ceará e Pernambuco.

Presença em solo fluminense

O Rio de Janeiro é um caso à parte dentro da estratégia da Hapvida. A operadora de planos de saúde, que opera 86 hospitais da rede própria no Brasil, está em fase de expansão em solo carioca.

Em julho, a companhia anunciou um pacote de R$ 380 milhões para a construção de um hospital, três unidades de pronto-atendimento e duas clínicas médicas. A maior parte - cerca de R$ 300 milhões - será em 250 leitos de um novo hospital para atender tanto o público de alta renda como o cliente do plano básico.

O sentido de um plano diretor específico para o Rio de Janeiro está na baixa presença de mercado da companhia. Segundo dados de julho da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o market share da Hapvida no estado é de 6,6%. A empresa é a quinta no Rio de Janeiro, atrás de Amil, Bradesco Saúde, SulAmérica e Assim Saúde. Em São Paulo, por exemplo, a participação é de 19,9%.

“Fizemos muitos investimentos em vários estados no Brasil e o Rio de Janeiro ficou por último. É uma região muito adensada e a gente sabia que chegaria o momento da nossa necessidade de um investimento mais robusto em busca de clientes”, afirma Pinheiro.

Um passo para aumentar a presença territorial foi feito no fim de agosto, quando a operadora de saúde anunciou a compra do Hospital de Oncologia do Méier, na Zona Norte do Rio, adquirido por R$ 5,3 milhões da rede Oncoclínicas, que já era um parceiro da empresa, como credenciado. “Embora pequeno em termos financeiros, o movimento é estrategicamente relevante”, disse o BTG Pactual, em relatório, na ocasião.

Os usuários cariocas somam 370 mil vidas, o que representa menos de 5% da receita total. Para o CEO da companhia, o plano a médio prazo, entre três e cinco anos, é de conseguir chegar a um milhão de beneficiários no estado, o que significaria um aumento de pelo menos uma vez e meia na contribuição do Rio de Janeiro para a companhia.

Com essa rota de ampliar a rede de atendimento, a Hapvida também mira os clientes do grupo hospitalar carioca Rede D’Or, que em 2022 adquiriu a SulAmérica.

Judicialização, a pedra no sapato

O ano da Hapvida está sendo marcado, também, pela diminuição do problema da judicialização. No terceiro trimestre do ano passado, por exemplo, a companhia viu o volume de bloqueios e depósitos judiciais disparar para R$ 869 milhões, mais do que o dobro do volume registrado no mesmo período do ano anterior.

Nove meses após essa disparada, a Hapvida conseguiu neutralizar e estabilizar os valores que a companhia é obrigada a reservar para pagar possíveis derrotas em processos na Justiça em relação a tratamentos médicos.

No balanço do segundo trimestre deste ano, foram R$ 825 milhões, um aumento de R$ 33 milhões em relação ao primeiro trimestre. O BTG, por exemplo, que previa uma alta de R$ 60 milhões, afirmou que esse resultado indicava melhora na tendência das perdas judiciais.

“A adição líquida de beneficiários, o índice de sinistralidade e os depósitos judiciais vieram melhores do que o esperado e podem reduzir parte dos riscos da tese. Em nossa visão, após a integração com a NotreDameIntermédica e a normalização do índice de sinistralidade, a companhia voltou a focar em atividades comerciais, com maiores adições brutas”, disse o Santander, em relatório divulgado logo após o balanço, em agosto.

Parte desse resultado foi obtida com a redução das despesas administrativas, que no trimestre chegaram a R$ 425,6 milhões, queda de 19,7% sobre os R$ 445,3 milhões no primeiro trimestre. “Isso já impactou 1,5% de nossa receita e hoje representa 1%. O número de ações está estável”, diz o CEO.

Os números da Hapvida vêm melhorando. No último trimestre, a receita líquida foi de R$ 7,67 bilhões, alta de 7,3% sobre a mesma base de 2024. No Ebitda, a empresa alcançou R$ 703 milhões, queda de 26,6%. A empresa computou o acréscimo de 57,7 mil beneficiários.

A ação da Hapvida vem, aos poucos, mostrando essa transformação. Se em 12 meses o papel acumula queda de 40% na B3, em 2025 há valorização de 24,3%. A operadora de saúde está avaliada em R$ 20,3 bilhões.