A natureza colaborou com a prevenção da Covid-19, ao menos para a elaboração dos vinhos na América do Sul.

O clima quente e seco, que marcou a safra de 2020, adiantou a maturação das uvas e, quando o vírus chegou, a maioria da colheita já tinha sido realizada.

Marcelo Papa, diretor técnico da Concha y Toro, o maior grupo vinícola do Chile, conta que a colheita está três semanas adiantada e, melhor, com uvas de qualidade, apesar da produção 15% menor.

"Como a produção de vinho é considerada uma indústria essencial aqui no Chile, fomos autorizados a se mudar sem problemas, com uma permissão especial", disse Papa, em entrevista ao NeoFeed.

Normalmente, a safra chilena não termina antes de meados de maio, com a colheita da tardia da Carmenère.

Mas, neste ano, já está quase no fim. Brasil e Argentina também comemoram uma colheita adiantada e, garantem os enólogos, de qualidade.

Na entrevista a seguir, Papa, que é também enólogo da linha de vinhos Marques de Casa Concha, conta como a Concha y Toro (CYT) se organizou para colher e vinificar uvas com as limitações da quarentena.

Marcelo Papa, diretor técnico da Concha y Toro

No Chile, como a produção de vinho é uma indústria essencial no país, os enólogos têm autorização para se deslocar, mas mesmo assim as viagens foram bem reduzidas e diversas medidas foram tomadas para reduzir o contato entre as equipes. Confira:

Como foi realizar uma colheita em tempos de quarentena devido à Codiv-19?
Foi uma safra especial, em um contexto complexo para o país, o mundo e a indústria do vinho em particular. Mas temos bons resultados até o momento, com muita vontade, atitude, tomando todas as precauções e garantindo a saúde das equipes. Não tenho dúvidas de que, com tudo isso, tiraremos muitas lições, técnica e humanas. O mais difícil tem sido o cuidado e a preocupação com as pessoas, saber tomar as decisões certas para proteger sua saúde.

Você elabora vinhos com uvas de norte a sul do Chile. Como organizou a colheita este ano?
Decidimos que não haveria tantas viagens dos enólogos, para respeitar a quarentena, o toque de recolher e reduzir a possibilidade de contágio. Foi uma safra com muito menos viagens. Como a produção de vinho é considerada uma indústria essencial aqui no Chile, fomos autorizados a se mudar sem problemas, com uma permissão especial. Mas ainda assim tentamos reduzir as movimentações o máximo possível.

"Como a produção de vinho é considerada uma indústria essencial aqui no Chile, fomos autorizados a se mudar sem problemas"

Como foi a organização da colheita e da vinificação?
A maioria de nossas vinícolas está localizada longe das grandes cidades, o que tem sido bom nessas circunstâncias. Além disso, a colheita de uvas mais massiva é feita mecanicamente, portanto, há apenas um operador na máquina. Em geral, durante a colheita e recepção das uvas, tomamos todas as medidas e protocolos comunicados pelas várias autoridades nacionais com respeito às quarentenas, distância, lavagem contínua das mãos, uso de máscaras e luvas. Além disso, abrimos novos turnos e tomamos medidas para manter a distância inclusive no refeitório e vestiários. Tudo isso também exigiu que mudássemos nossa forma de trabalhar, aumentássemos nossa coordenação e tivéssemos muita agilidade na tomada de decisões, o que foi fundamental.

Quais são as mudanças implementadas pela Concha y Toro para seus funcionários na colheita e agora nos tempos de vinificação?
Internamente, a empresa tomou todas as precauções para proteger nossos funcionários e manter a continuidade operacional. Além dos cuidados nas vinícolas, tiveram sanitizações preventivas nas instalações, fornecimento de equipamentos de proteção e recursos de saúde para os trabalhadores, salvaguardas especiais para grupos de risco, planos de trabalho online e flexibilidade de mão-de-obra. E temos estado muito atentos às indicações do governo e da Organização Mundial da Saúde.

"Este ano, devido à seca que tivemos e às temperaturas mais altas, esta foi uma safra extremamente adiantada"

Quais as características desta safra de 2020?
Este ano, devido à seca que tivemos e às temperaturas mais altas, esta foi uma safra extremamente adiantada, do Maipo (região vinícola no centro do país) até os vinhedos do sul. Nas zonas central e sul, começamos a colher com cerca de três semanas de antecedência devido a uma decisão técnica. No dia 31 de março, por exemplo, tínhamos cerca de 70% das uvas colhidas, quando em um ano normal, nesta data, temos cerca de 30% das uvas já na vinícola. Esta pandemia nos pegou com uma colheita adiantada e as decisões de colheita foram tomadas antes da quarentena. Em Limarí (vale ao norte de Santiago), a colheita aconteceu em datas próximas a de 2019. As variedades mais importantes foram colhidas por volta dos dias 15 a 20 de fevereiro, antes da chegada do coronavírus ao Chile. Até o momento, temos a maioria das uvas colhidas e entregues em grande parte do país.

Será também uma colheita de menor quantidade?
Sim, correto, certamente será um volume semelhante a 2017. Se houver algum vale com uma queda mais importante, será Rapel. No total, a Concha y Toro vinificou cerca de 15% a menos do que nas duas últimas temporadas, uma quantidade semelhante a 2017.

Em geral, em anos muito quentes, há um descompasso entre a maturação fenólica e a alcoólica da uva, gerando vinhos desbalanceados. Como foi a maturação das uvas este ano?
A maturidade fenólica foi avançada e bastante alinhada com a maturidade alcoólica. Estamos muito felizes com a qualidade alcançada. Acho que a colheita de 2020 será melhor que a de 2019, principalmente em Limarí e Maipo. A área do vale de Rapel foi um pouco mais afetada pela seca, portanto a qualidade provavelmente será semelhante a 2019.

Alguma região chilena que se destacou nesta temporada pela qualidade da uva?
Pelas características geográficas do país, podemos separar a colheita em duas grandes áreas. O norte, incluindo o vale de Limarí, e uma segunda zona, que inclui as áreas central, sul e costeira. No norte, o clima era relativamente semelhante à safra de 2018 em termos de radiação e temperatura, um ano com características espetaculares. Limarí se destacou totalmente, obtendo ótimos Chardonnay e Pinot Noir. Por outro lado, a zona centro-sul apresentou características climáticas semelhantes às da temporada de 2017, mais quentes que as anteriores. Em geral, durante o ano tivemos uma temporada dominada por uma seca. Felizmente, fomos capazes de enfrentar para que isso não afetasse nossas vinhas. Os vinhos serão mais frescos devido à colheita mais adiantada, embora tenhamos tido uma estação relativamente mais quente. Particularmente em Rapel, um extenso vale, foi mais afetado pela seca, portanto dependerá muito do local em particular para poder comparar as colheitas.

Existem planos para lançar vinhos especiais nesta temporada?
Focamos muito em encontrar o melhor terroir para que cada variedade expresse todo o seu potencial. Assim teremos muito bons Chardonnay e Pinot Noir no vale de Limarí. Neste ano, lançaremos Amelia Pinot Noir de Limarí.

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