Neste domingo, 3 de maio, o presidente Jair Bolsonaro participou de uma manifestação contra ministros do Supremo Tribunal Federal e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), em Brasília.

Em uma live em frente ao Palácio do Planalto, enquanto acenava a apoiadores que protestavam no local, Bolsonaro disse que não vai mais admitir interferência em seu Governo e que as Forças Armadas estão com o povo.

"Queremos a independência verdadeira dos Três Poderes, não só uma letra da Constituição. Chega de interferência. Não vamos mais admitir interferência, acabou a paciência. Vamos levar esse Brasil para frente", disse Bolsonaro.

O comportamento de Bolsonaro, que várias vezes criticou o Congresso e ministros do SFT, faz o cientista político americano e professor de Harvard Steven Levitsky, coautor do best-seller “Como as Democracias Morrem”, temer pela democracia no Brasil.

“Era muito previsível: o Bolsonaro sempre foi autoritário. Ele é mais autoritário do que qualquer outro líder eleito: mais que Viktor Orbán (Hungria), mais que Recep Tayyip Erdogan (Turquia), mais que Donald Trump (EUA)”, disse Levitsky, em entrevista exclusiva ao NeoFeed.

No livro escrito em conjunto com Daniel Ziblatt, Levitsky defende que as democracias funcionam melhor – e sobrevivem mais tempo – onde as Constituições são reforçadas por normas democráticas não escritas. Duas normas básicas são capazes de preservar os freios e contrapesos de uma democracia como a dos Estados Unidos, a ponto de terem se tornado naturais.

A primeira delas é tolerância mútua, ou o entendimento de que partes concorrentes se aceitem uma às outras como rivais legítimas. E, a segunda, é a contenção, ou a ideia de que os políticos devem ser comedidos ao fazerem uso de suas prerrogativas institucionais.

Baseados em seus estudos, Levitsky elaborou quatro indicadores para saber se um político tem ou não perfil autoritário: 1) rejeição das regras do jogo democrático (ou comprometimento débil com elas); 2) negação da legitimidade dos oponentes políticos; 3) tolerância ou encorajamento à violência; e 4) propensão para reduzir as liberdades civis dos oponentes, incluindo a mídia.

Nesta entrevista, Levitsky afirma que o impeachment não é uma ferramenta para retirar presidentes considerados ruins e acredita que o Brasil já a usou para tirar do poder dois dos últimos cinco presidentes eleitos. Mas faz um alerta. “Acho que o Bolsonaro é um presidente perigoso. Esse impeachment pode custar muito caro, mas pode custar ainda mais não fazê-lo”. Acompanhe:

O governo Bolsonaro tem protagonizado algumas polêmicas, sendo a mais recente delas uma troca de acusações públicas com o agora ex-ministro da Justiça, Sergio Moro. Você diria que tantas confusões eram previsíveis?
Claro que sim. Eu estive no Brasil, implorando aos empresários com quem tive a oportunidade de conversar para não votar e não apoiar Jair Bolsonaro, porque sabia que isso aconteceria. Era muito previsível: o Bolsonaro sempre foi autoritário. Ele é mais autoritário do que qualquer outro líder eleito: mais que Viktor Orbán (Hungria), mais que Recep Tayyip Erdogan (Turquia), mais que  Donald Trump (EUA), acho que só menos que Rodrigo Duterte (Filipinas). Bolsonaro sempre foi aberto em relação a isso.

E o que você acredita que levou a população brasileira a votar em um presidente autoritário?
Essa é uma ótima pergunta, porque numa eleição em um país tão diverso como o Brasil, as respostas se misturam. Alguns eleitores foram ingênuos e muitos outros, compreensivelmente, votaram contra o sistema, contra tudo o que se via até então. Em 2018, o Brasil enfrentava a maior crise de corrupção e talvez uma das piores crises econômicas desde a depressão. O Brasil estava um caos, com a violência em alta. E, infelizmente, o oponente do Bolsonaro no segundo turno era justamente um candidato do PT, o partido que muitos cidadãos culpavam, compreensivelmente, pela crise. Então muitos brasileiros votaram contra o PT, não a favor de Bolsonaro. Mas muitas pessoas votaram por outros interesses também.

Que interesses?
Por exemplo, eleitores cristãos estavam mais preocupados com, digamos, sua "agenda conservadora", do que com a liberdade democrática. E, infelizmente, uma parcela generosa da comunidade empresarial também votou de acordo com seus interesses econômicos, elegendo a pauta de Paulo Guedes e aceitando o risco de fragilizar a democracia.

Isso aconteceu porque a democracia brasileira é considerada muito jovem?
A democracia brasileira é jovem comparada com a dos EUA, mas já tem mais de 30 anos. Para os parâmetros da América do Latina, o Brasil tem uma das democracias mais sólidas. Além disso, para todos os efeitos, as instituições brasileiras funcionam razoavelmente bem. O Congresso, apesar dos problemas, ainda é forte e independente e não pode ser facilmente ignorado. O judiciário também é bastante problemático, mas segue independente. O Brasil tem uma sociedade civil relativamente forte e os partidos políticos estão fortalecidos. O Brasil não é a Costa Rica, não é o Paraguai, mas também não é o Chile. O Brasil está muito mais preparado para lidar com Bolsonaro que o Equador, a Bolívia, o Peru, a Guatemala ou o Paraguai. A democracia brasileira não morreu, e só elegeu esse presidente porque o país atravessava uma crise horrível, com a população polarizada. O que fez com que as pessoas votassem em quem elas não votariam "normalmente". Acho que, se fosse Ciro Gomes no segundo turno, a história teria sido outra.

Diversos pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro foram encaminhados a Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara dos Deputados. Você acredita que o Brasil estaria abusando desse recurso, visto que o último presidente eleito foi deposto do poder justamente em um processo de impeachment?
Fui muito crítico do impeachment da Dilma Rousseff e acho que impeachment é uma ferramenta que deve ser usada raramente. Se você começar a abusar desse instrumento e tirar todo presidente que você não gosta ou que perde a maioria no Congresso, isso desestabiliza a economia. Por um lado, seguir com o processo de impeachment contra Bolsonaro reforçaria isso. Seria o terceiro impeachment brasileiro entre os últimos cinco presidentes eleitos. É muita coisa. Isso é uma instabilidade. Mas há casos em que o impeachment é necessário: quando um presidente não é adequado ao gabinete ou representa uma ameaça ao país ou à sociedade e às instituições democráticas. É para isso que serve um impeachment. Não é para tirar presidentes "ruins" ou pouco populares, mas para tirar presidentes perigosos. E acho que o Bolsonaro é um presidente perigoso. Esse impeachment pode custar muito caro, mas pode custar ainda mais não fazê-lo.

"Acho que o Bolsonaro é um presidente perigoso. Esse impeachment pode custar muito caro, mas pode custar ainda mais não fazê-lo"

Você diria que é mais desafiador manter a democracia em países com áreas continentais, como a do Brasil?
Não é só a área. Em países como Brasil e EUA é tamanho, diversidade, heterogeneidade e desigualdade. Certamente é mais fácil ser o Uruguai ou a Costa Rica, ter um território pequeno, com uma população pequena concentrada em uma única região e com níveis consideravelmente baixos de desigualdade econômica. O Brasil é o oposto disso: território enorme, população massiva e desigualdade extrema. Tudo isso faz com que a democracia brasileira seja difícil.

O ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, falou, no ano passado, dos perigos e desafios das chamadas fake news e disse que, nesse tempo de pós-verdade, é quase impossível dialogar com quem se descola da realidade e dos fatos. Por acaso você também acredita que isso afeta a democracia?
Ah, sim, é um baita desafio. Há três coisas acontecendo simultaneamente: o crescimento das redes sociais e da mídia segmentada, que nos deixa em "bolhas". Há evidências de que isso tem um efeito polarizador na população. Os governos têm de lidar com isso, talvez com algum tipo de regulamentação, não sei. Mas uma coisa que posso dizer é que já passamos por isso antes. Tivemos que aprender a lidar com o rádio, que esteve associado à ascensão do fascismo na Europa, e com a TV, que também interferiu na política. Lidar com as redes sociais é a nova etapa e é urgente em tempos polarizados.

Então seria diferente se a população não estivesse assim, polarizada?
Costa Rica e Portugal também têm Twitter, mas como não são polarizados, não vemos os mesmos efeitos. Os canais não importam tanto se suas ideias, que são antagônicas, não divergem muito. O problema é, repito, a tecnologia combinada com a polarização da sociedade.

Você disse há pouco que eram três coisas combinadas, qual seria a terceira?
É algo que acontece nos EUA e no Brasil: presidentes populistas desmentindo a imprensa. Nem todos os presidentes respondem aos jornalistas dizendo que tudo é falso. Esses dois líderes não fazem parte do establishment, mas não é algo que acontece no mundo todo. São a combinação desses três fatores que desafiam a democracia: novas tecnologias, polarização e presidentes populistas.

Nos dias de hoje, as democracias não morrem mais através de golpes de Estados tradicionais?
Realmente, as pessoas acham que a democracia morre como no Brasil de 1964: com generais armando um golpe. Se o presidente é eleito e o Congresso está está lá e as instituições continuam de pé, há novas eleições, as pessoas não acreditam que a democracia esteja em risco, pensam que "não é tão mal". Mas temos a Rússia como um exemplo mais extremo, ou a Turquia, que vive um regime claramente autoritário. A Hungria também tem um regime claramente autoritário. Ou a Venezuela que foi de uma democracia para um tipo de autoritarismo leve e para uma ditadura real. Agora sabemos, por muitos casos, que países podem ir de uma democracia para um regime autoritário usando o processo eleitoral. Em casos como na Turquia e em especial nas Filipinas, isso foi extremamente violento. Na Turquia, há centenas de jornalistas aprisionados. E, sob Duterte, milhares de pessoas foram mortas nas Filipinas. Ambos os presidentes foram eleitos por voto popular.

"Em muitos países, como o Brasil, os Estados Unidos e o México, as pessoas têm votado em outsiders, na crença de mudar as coisas"

Essa crise do coronavírus pode mudar alguma coisa?
Tomara, mas não sei. Acho que veremos o efeito disso por muito tempo e é difícil arriscar alguma previsão. Minha maior preocupação é que isso nos leve a uma grande e longa crise econômica, comparável apenas a 1929. Os anos que seguiram destruíram as novas democracias na Europa e na América Latina. Um longo período de crise econômica tende a ser fatal para jovens democracias. Não sou economista, mas se enfrentarmos mesmo uma crise desta dimensão, isso vai ser um desafio para a democracia. Em muitos países, como o Brasil, os Estados Unidos e o México, as pessoas têm votado em outsiders, na crença de mudar as coisas. Não importa se os candidatos não têm experiência e não são políticos. Talvez, eles sejam estrelas de TV, atletas, empresário. Outsiders são mais imprudentes. Então, a pergunta que você faz é crucial: isso vai ensinar eleitores e cidadãos, partidos, que a gente precisa de líderes com experiência? Não podemos votar em qualquer um. Espero que melhoremos.

Na sua opinião, essas manchetes sobre o Brasil podem enfraquecer a relevância internacional do País?
O Brasil é grande e importante. Apesar dos altos e baixos, isso não vai mudar. O Brasil pode até sofrer revés com essas coisas, mas não é o fim da linha. Tudo o que falamos antes, de o Brasil ser diverso, grande, desigual e violento faz com que seja um país propenso a crises. Apesar disso, acredito que vocês encontrarão a solução: vocês vão chegar lá, mas o caminho é um zigue-zague, não uma linha reta. Para ser sincero, estou mais preocupado com os EUA, que está num lento e inevitável processo de declínio. Acho que as últimas notícias devem acelerar as coisas. Os EUA está falhando com sua habilidade de em ser um líder no palco mundial.

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