Passados dois meses do início de sua escalada global, a Covid-19 segue marcada por muitas indefinições e quase nenhuma resposta. Uma certeza, porém, guia qualquer projeção feita sobre a pandemia: o mundo não voltará a ser como antes. Nem o que se espera dos CEOs que comandam altas empresas.

“Uma coisa é tocar uma empresa que está voando em um céu de brigadeiro", diz Flávio Pestana, CEO local da empresa britânica de recrutamento de executivos Odgers Berndtson. "Outra é liderar uma operação que vai sair da crise em frangalhos.”

Segundo o executivo, até então, o que se buscava era um especialista no setor de atuação da empresa e um gestor de custos. Essa última vertente seguirá relevante. “Mas agora, no novo normal que iremos viver, provavelmente as habilidades terão que ser diferentes”, afirma Pestana.

Esse movimento não se traduzirá, necessariamente, em uma dança das cadeiras no alto escalão das empresas. Ao menos, no curto prazo. Mas a busca por CEOs capazes de entender as transformações do mundo digital já está em curso.

O NeoFeed conversou com executivos que já foram sondados para conversar com algumas empresas de recrutamento. Segundo eles, a busca está intensa por perfis mais digitais, capazes de desenvolver estratégias online e com mais agilidade. E que tenham também um olhar financeiro e saibam liderar as transformações internas.

A crise fez dos canais digitais uma válvula de escape para boa parte dos negócios e essa migração intensa está abrindo caminho para a ampliação do uso de muitas dessas ferramentas.

“Não estamos falando de nada revolucionário e de competências completamente novas”, afirma Fernando Machado, sócio e consultor da consultoria americana de recrutamento Russell Reynolds. “São questões que já estavam na mesa, mas que agora estão sendo aceleradas pela pandemia.

Com isso, a capacidade de navegar e conduzir as empresas no universo digital é uma das habilidades que vai ganhar peso passada a pandemia. “Os executivos vão precisar ter maior fluência digital”, afirma Machado.

Para Pestana, essa abordagem será mais importante que conhecer profundamente o mercado de atuação da empresa. “Em seis meses, um executivo aprende sobre o setor. Mas não consegue incorporar essa mentalidade de transformação digital.”

Ele cita os nomes de Rodrigo Galindo, da Cogna, e Sergio Rial, do Santander, como exemplos próximos do perfil de executivo a ser buscado pelas empresas depois da crise. “Daqui para frente, o CEO analógico terá muito mais chance de ser trocado e encontrará dificuldade para obter posições de destaque.”

“Daqui para frente, o CEO analógico terá muito mais chance de ser trocado”, diz Flávio Pestana, CEO da Odgers Berndtson

Da mesma forma, as exigências relacionadas aos executivos logo abaixo desses CEOs passarão por mudanças. No caso daqueles responsáveis pelas estratégias comerciais, por exemplo, será demandado um perfil mais agressivo nas vendas digitais. Já em finanças, a migração será do profissional mais acostumado em administrar a tesouraria para alguém mais voltado a captar recursos.

Em um cenário provável de uma retomada lenta e sob condições de caixa nem sempre ideais, a habilidade de construir parcerias será outra competência valorizada. Da mesma forma que a capacidade de estabelecer uma visão clara sobre como aquele determinado segmento será impactado no curto, médio e longo prazo.

“Esse CEO terá que olhar além da empresa e enxergar todo o ecossistema”, diz Paulo Pássaro, líder de avaliação e sucessão da consultoria americana Korn Ferry. “A colaboração e a cooperação vão ganhar peso, assim como a necessidade de identificar e antecipar oportunidades no mercado.”

Essa abordagem que ultrapassa as fronteiras da companhia também vai ampliar a importância de outro componente no currículo desses executivos. “No pós-Covid-19, as empresas, produtos e serviços precisarão ter, de fato, um propósito”, diz Pestana. “E isso reforça a necessidade desse CEO ser mais ativo no que diz respeito às causas sociais e ao papel da empresa nesse contexto.”

Sob os holofotes

Ao mesmo tempo em que será o motor dessas transformações, a crise da Covid-19 já está colocando à prova a capacidade de os CEOs lidarem com boa parte dessas mudanças. “Todos os olhos estão sobre eles. Seja de dentro da empresa ou de fora, do mercado”, afirma Pássaro. “Nesse sentido, qualquer acerto ou deslize fica mais evidente.”

No primeiro caso, figuram aqueles executivos que estão se destacando perante seus pares pela demonstração de outros conhecimentos que serão importantes em um futuro próximo.

Entre essas competências, os especialistas citam questões como a flexibilidade e a agilidade para adaptar rapidamente a gestão e o modelo de negócio às adversidades da pandemia. Bem como a capacidade de se comunicar com transparência e engajar seus respectivos times, em todos os níveis da companhia.

Em contrapartida, há quem esteja patinando nessas e em outras frentes. “A crise vai distinguir os líderes que estão alinhados, de fato, com os valores escritos nas paredes das empresas”, diz Machado, da Russell Reynolds. “Não adianta, por exemplo, dizer que as pessoas são seus maiores ativos e, na semana seguinte, demitir 10% da companhia. ”

“A crise vai distinguir os líderes que estão alinhados, de fato, com os valores escritos nas paredes das empresas”, diz Fernando Machado, sócio da Russell Reynolds

Para o sócio da Russell Reynolds, a Covid-19 trará a empatia como mais um requisito e acrescenta: “Se não ficar claro que esse executivo se comportou como um líder e deu exemplo na crise, será muito mais difícil engajar os funcionários na retomada”, afirma Machado. “E, com certeza, esse CEO vai ser reavaliado nesse segundo momento.”

Sob essas novas perspectivas, as fontes ouvidas pelo NeoFeed não acreditam que haverá uma redução substancial nos salários do alto escalão. As novas exigências, no entanto, podem abrir caminho para algumas mudanças no formato de remuneração.

Nessa direção, o alcance de metas em campos como a transformação digital e o papel social exercido na função podem começar a ser incluídos na parcela variável dos seus vencimentos. “Ao mesmo tempo, o percentual dessa variável deve ganhar mais peso na remuneração total desse executivo”, diz Pássaro.

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