A guerra pública que foi travada entre XP e Itaú trouxe à tona as fragilidades de ambas empresas, que não conseguiram se transformar de verdade para atuar na Nova Economia. Muitos acreditam que transformação digital é essencialmente tecnológica, mas eu tenho convicção de que a tecnologia é apenas o meio, a commodity. A verdadeira mudança precisa ocorrer no jeito de pensar e na cultura da empresa.

Vou listar quatro motivos que fundamentam a minha tese. O primeiro é a transparência. Vivemos numa era em que o conhecimento é democrático, todos sabem de tudo. Por mais força que você tenha para “vender” uma tese ao mercado pelos canais de mídias tradicionais, os meios alternativos conseguem sempre trazer contrapontos. Quanto mais forte for o seu ataque, possivelmente maior será a reação a ele.

O Itaú, ao trazer corretamente os potenciais conflitos de interesse da XP, abriu a porta para que fossem escancarados os seus próprios conflitos. A grande diferença é que, no caso da XP, parte do “bolo” é dividido com a sua rede de assessores, enquanto o Itaú ainda pratica o modelo de gestão tradicional conhecido como Planejamento - Comando - Controle, onde todo o benefício é dos acionistas e controladores. Seguramente é essa lógica de partilha que faz o banco perder tantos gerentes para as corretoras. É a máxima do “Meu esforço – Meu benefício” ou “Meu Esforço – Seu Benefício”.

O segundo motivo está ligado à necessidade de o mercado evoluir e se transformar. Eu participei da criação do modelo atual da XP. Em 2009, estávamos traumatizados com a crise do subprime em que entramos tendo somente um produto para ofertar: ações. Aprendemos que não dava para ficar refém do mercado, era preciso diversificar. Viajamos várias vezes para os Estados Unidos para estudar o mercado americano.

Lá, vimos que as casas de investimentos tinham plataformas abertas com uma enorme sorte de produtos. Também vimos que os assessores de investimentos estavam alinhados ao cliente (“same side of the table”, diziam) porque não eram remunerados pela venda de produtos e sim sob o total do patrimônio do cliente. A única forma de ganhar mais é fazer o patrimônio do cliente aumentar. Ao refletir sobre essas duas “inovações” americanas, optamos por começar pela primeira apesar de todos sabermos que em algum momento deveríamos dar o próximo passo.

A abertura da plataforma, somada a uma rede competente bem treinada e incentivada, causou a revolução no mercado e criou a potência que é hoje a XP. Obviamente, o caminho foi facilitado pela dificuldade que o mercado financeiro tem de descer do salto e entender que as barreiras que os protegiam estão cada vez menores e que seu poder é relativo.

Sem dúvida, a XP quebrou um oligopólio de forma muito competente. Agora, a grande dificuldade que ela tem é a mesma dos incumbentes, reconhecer que os ciclos de sucesso dos seus produtos e serviços são cada vez mais curtos. Não basta evoluir no que deu certo, é preciso transformar seu modelo de negócios. Todos que estudaram o mercado sabem que a evolução da indústria de investimentos está na assessoria sem conflito.

"Não basta evoluir no que deu certo, é preciso transformar seu modelo de negócios. Todos que estudaram o mercado sabem que a evolução da indústria de investimentos está na assessoria sem conflito"

A grande questão é que esse modelo é menos rentável para as corretoras e bancos. Como fazer então para migrar para o modelo do futuro administrando o seu legado e a sua pressão por cada vez mais lucros? Já existem no Brasil empresas com esse modelo. Acreditar que os clientes não aprenderão isso pode ser uma aposta muito arriscada.

O terceiro motivo é a importância de acabar com o intermediário. A tecnologia torna o intermediário cada vez menos necessário, o aumento da competição e a necessidade de ganhar eficiência de custo aceleram essa eliminação. Na guerra Itaú – XP, a ponta que está mais apanhando e talvez seja a menos “culpada” são os assessores de investimento - profissionais que tiveram e têm um papel fundamental para levar mais informações e alternativas para os investidores.

Ouvimos de um dos executivos da Netflix a seguinte frase: “Dê os incentivos e espere os resultados”. O Itaú determina o “produto do mês” e o gerente tem que bater a meta. A plataforma incentiva a “venda” do que é mais rentável para ela. A prova de que isso é verdade é a remuneração total sobre a distribuição, o que fica com a XP é duas a três vezes maior do que a que o escritório de investimento recebe. Isso deixa claro que o conflito não está na ponta.

O Itaú determina o “produto do mês” e o gerente tem que bater a meta. A plataforma incentiva a “venda” do que é mais rentável para ela

Nessa briga quem deve ficar mais preocupado são os assessores, pois, enquanto eles estiverem na posição de intermediário, estarão frágeis. Os assessores estão “apanhando” dos dois lados, de forma direta do Itaú e indireta da XP. Em frases como “70% das nossas transações são feitas sem o assessor” ou “nós fiscalizamos a nossa rede”. Ao dizer isso, a XP cria a narrativa que o conflito realmente é do assessor e não da plataforma.

Ao tirar o corpo fora, a XP mostra quão frágil está a sua rede. A evolução do agente autônomo de investimento no Brasil é se tornarem consultores de investimento, onde irão ganhar sobre a evolução do patrimônio do cliente. Essa é a profissão que faz muito sucesso lá fora e, no caso dos EUA, é esse time (Registred Independend Advisores) que briga com as corretoras por melhores produtos e menores custos.

O quarto ponto é o mais feio dessa briga e diz respeito a propósito e valores. Só o dinheiro não é suficiente para gerar alinhamento e motivação. Afinal, como podem dois sócios, numa relação tão curta, fazerem acusações tão duras uma para o outro? Uma sociedade deve ser mais que dinheiro, deve ser a comunhão de valores e visões. O Itaú investiu na XP com o mesmo modelo que ela tem hoje, se ele acreditava que era errado por que aceitou investir? A vontade de ganhar dinheiro com o crescimento foi maior do que o seu valor de “fazer o certo”?

E a XP, se achava que o Itaú não fazia as coisas corretas, prejudicava os clientes para se dar bem, por que aceitou o dinheiro “sujo”? Depois de usar o dinheiro e a confiança que a marca trouxe e acessar outros mercados e fontes de recursos, a XP pode vir a público e dizer “agora eu não quero mais, nunca te respeitei”? Que mensagem isso passa?

As empresas que terão sucesso nos próximos anos não são aquelas que tem só propósito, nem tampouco as que tem somente modelos de negócio forte. A combinação das duas coisas é a chave para um negócio vencedor no tempo. Os clientes querem se relacionar com pessoas e marcas que eles respeitam e se identificam e, certamente, a mensagem de que é só o dinheiro importa deixa todo mundo preocupado.

Tenho certeza de que essa briga irá tornar todo o mercado mais maduro. Sairemos com mais conhecimento e mais informação. O importante é seguir evoluindo e nos transformando sempre que necessário.

* Pedro Englert é ex-sócio da XP. Atualmente é CEO da StartSe e sócio das fintechs Warren, Monkey, Vortx e Fitbank.

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