Meca da inovação, o Vale do Silício é o berço de muitos empreendedores com personalidades singulares, excêntricas e controversas, que destoam dos padrões do mundo corporativo. Steve Jobs, Larry Ellison e, para citar um “novato”, Elon Musk, são apenas alguns exemplos dessa vocação da região.
Poucos, porém, levaram essa inclinação tão a fundo quanto John McAfee. Fundador da empresa de antivírus que leva o seu sobrenome e pioneiro na indústria de segurança digital, o empresário de 75 anos coleciona polêmicas e uma série de episódios inusitados em sua trajetória.
Há muitos anos, McAfee deixou o dia a dia da indústria. Mas nunca saiu de cena. Seu nome voltou às manchetes no sábado, 3 de outubro, quando ele foi preso na Espanha, pouco antes de pegar um voo para Istambul, na Turquia, sob a acusação de não ter declarado a renda milionária obtida com palestras, consultorias e a promoção de criptomoedas, no período de 2014 a 2018.
Ele é acusado ainda de evitar o pagamento de impostos ao receber depósitos na conta de terceiros. Da mesma forma, McAfee teria ocultado bens como imóveis, um iate e um carro no nome de outras pessoas. Se condenado, McAfee pode pegar cinco anos de prisão por cada uma das dez acusações.
Detido na Espanha e aguardando extradição para os Estados Unidos, McAfee encontrou uma maneira de se manter sob os holofotes. Desde a sexta-feira, 9 de outubro, seu perfil oficial no Twitter vem postando uma série de mensagens, com “atualizações” sobre a vida atrás das grades espanholas.
“Está sendo fascinante. As prisões espanholas não são ruins. Nós podemos vestir as roupas que quisermos. Podemos fumar e socializar. É como o Hilton, mas sem o serviço de quarto”, escreve McAfee no primeiro post. Em outros, ele faz elogios ao chuveiro improvisado no local e fala dos duetos que tem feito com um senegalês, afirmando que essa pode ser a “próxima grande coisa na música”.
Saga de problemas
A acusação de evasão fiscal é apenas mais um capítulo de uma verdadeira saga de confusões protagonizada por McAfee, especialmente nos últimos anos. A já movimentada vida do empresário ganhou ainda mais narrativas a partir de 2009.
Naquele ano, ele vendeu praticamente tudo o que tinha, de mansões no Havaí, Colorado, Novo México e Texas, até um jato particular, e decidiu se instalar em Belize, na América Central. A passagem pelo país caribenho foi curta. Mas rendeu muitas histórias e problemas.
Em 2009, McAfee vendeu praticamente tudo o que tinha e decidiu se instalar em Belize, um pequeno país na América Central
McAfee construiu uma propriedade onde vivia com cinco namoradas, todas com idade entre 17 e 20 anos. Depois de conhecer a microbiologista Allison Adonizio, ele ergueu um laboratório no local para que ela pesquisasse antibióticos naturais, a partir de plantas da selva local.
O empresário alardeava na mídia que o projeto iria revolucionar a indústria farmacêutica. Mas o fato é que, em 2012, o laboratório foi alvo de uma operação das autoridades locais, sob a suspeita de que estivesse produzindo metanfetamina. Nenhuma droga foi encontrada, mas diversas armas e cartuchos de munição foram confiscados.
McAfee enfrentou outras acusações no país. Entre elas, a de ter montado um “exército” particular, que intimidava a população e fazia as vezes da polícia local, sob o pretexto de combater o tráfico de drogas na região.
O estopim para que ele deixasse Belize veio em novembro de 2012, quando foi apontado como o principal suspeito da morte do seu vizinho, o americano Gregory Faull, com quem mantinha relações nada cordiais.
Depois de desaparecer por um mês, McAfee foi preso na Guatemala e deportado para os Estados Unidos. Em sua defesa, alegou que vinha sendo perseguido por se recusar a colaborar financeiramente com as autoridades de Belize.
A mania de perseguição e a paranoia são traços característicos da personalidade de McAfee. Ele recorre a esses expedientes de forma recorrente, o que, em muitas oportunidades, dificulta separar o que é ficção e realidade na sua trajetória.
O fato é que, até hoje, nenhuma dessas acusações rendeu qualquer condenação. A passagem por Belize foi, no entanto, tema do documentário “Gringo: a perigosa vida de John McAfee”, produzido pelo canal Showtime, em 2016, e dirigido pela cineasta Nanette Burstein.
Além de um retrato detalhado dos três anos em que McAfee esteve em Belize, o documentário traz mais informações sobre seu comportamento excêntrico e o suposto envolvimento no assassinato. Na produção, a pesquisadora Allison Adonizio também alega que foi sedada e violentada pelo empresário.
Infância conturbada
Assim como o período em Belize, a história de McAfee é, desde a infância, conturbada. O empresário nasceu em 18 de setembro de 1945, em uma base militar dos Estados Unidos, na Inglaterra. Mas foi criado em Roanoke, uma pequena cidade no estado americano de Virgínia.
Alcóolatra, seu pai costumava bater no menino e na esposa. E tirou a própria vida quando McAfee tinha 15 anos. Assim como o patriarca, desde cedo, ele tomou gosto pela bebida e também pelas drogas, da maconha à cocaína e o LSD.
Isso não impediu que ele se formasse com louvor em matemática e começasse a cursar um PhD na Universidade Estadual de Louisiana, onde também atuava como professor. McAfee foi expulso da instituição, porém, ao se relacionar com uma aluna que, tempo depois, veio a ser sua primeira esposa.
Ele passou, então, por diversas empresas de tecnologia, dividindo o trabalho com o consumo desenfreado de álcool e drogas, que também vendia para seus colegas. A virada veio em 1986, quando soube que dois irmãos paquistaneses haviam codificado o primeiro vírus de computador.
McAfee desenvolveu um software de antivírus e fundou a empresa com o seu sobrenome, em sua casa em Santa Clara. Em poucos anos, o sistema já era usado por boa parte das companhias americanas.
Parte desse sucesso pode ser creditada à “habilidade” de McAfee em manipular a paranoia. Em 1992, por exemplo, ele fez barulho na mídia ao divulgar que o recém-criado vírus Michelangelo poderia destruir milhões de PCs em todo o mundo.
Meses depois, o vírus infectou apenas alguns milhares de computadores, mas já era tarde. As vendas da McAfee tinham disparado e, no mesmo ano, a empresa abriu capital. Com o IPO, as ações do empresário passaram a valer cerca de US$ 80 milhões.
McAfee deixou o comando da empresa ainda na década de 1990. Em 2010, a companhia foi comprada pela Intel, que pagou US$ 7,7 bilhões para incorporar a operação como seu braço de segurança, renomeado, posteriormente, como Intel Security. Segundo rumores, a marca foi adotada para desvencilhar o negócio dos problemas causados por seu fundador.
Em 2016, a gestora de private equity TPG adquiriu o controle da operação, que voltou a ser batizada de McAfee. E, há duas semanas, a empresa entrou com um pedido para voltar a abrir seu capital nos Estados Unidos.
Em um contraponto à empresa que fundou, McAfee se manteve no noticiário. Além de outras prisões temporárias, ele se tornou uma espécie de guru e defensor das criptomoedas. Entretanto, como não poderia deixar de ser, esse papel também lhe rendeu contratempos.
McAfee enfrenta uma ação judicial da Securities and Exchange Commission (SEC). O órgão regulador do mercado americano de capitais alega que ele não revelou ter ganho mais de US$ 23 milhões por promover, via Twitter, ofertas iniciais de criptomoedas.
Em 2016, McAfee foi pré-candidato à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Libertário. E, em 2018, lançou novamente sua candidatura ao cargo
Ele também encontrou tempo para a política. Em 2016, foi pré-candidato à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Libertário. E, em 2018, lançou novamente sua candidatura ao cargo, durante uma temporada em Cuba. Segundo McAfee, o processo seria feito do “exílio” por ele estar, novamente, sendo perseguido por autoridades americanas.
A candidatura, como é sabido, não vingou. E agora, às voltas com novos problemas na Justiça, McAfee tem outros desafios pela frente. O que não significa que ele não irá encontrar o caminho para mais uma reviravolta, como deixou claro em uma afirmação ao jornal britânico The Telegraph, em 2012. “Eu me descreveria como bastante são e lúcido. E é por isso que ainda estou vivo”.
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