O conceito não é novo, mas é o que faz brilhar os desejados vinhos da Borgonha ou do Piemonte. Nestas zonas europeias, a observação e vinificação ao longo de séculos levaram ao loteamento e classificação dos vinhedos.

Monges e agricultores notaram que ligeiras variações na exposição solar, a maior ventilação em uma colina ou as nuances de complexidade nos componentes de determinado solo afetavam a expressão da uva e do vinho, o que por sua vez, implicavam em maiores ou menores preços conforme o nome do vinhedo ostentado nas garrafas.

Hoje, a tecnologia para análise de solo, subsolo e clima consegue abreviar o tempo para “caçar" o melhor terroir para cada variedade de uva ou estilo de vinho desejado.

Estações meteorológicas no vinhedo, inúmeras perfurações nos solos para conhecer a composição a cada hectare, sistemas de irrigação com administração individualizada para cada fileira de videira e análise de satélite para medição de fotossíntese das plantas passaram a ser recursos comuns em um vinhedos modernos.

Essas análises têm permitido aos países produtores do “Novo Mundo”, sem tanta tradição, compensar a defasagem e acelerar o processo de mapeamento de novas sub-regiões, unidades menores de terreno que aportam características específicas aos vinhos.

Os argentinos têm feito muito isso. Sub-regiões do vale de Uco (Mendoza), como Gualtallary e Altamira representam esse fenômeno. Os chilenos também têm adotado essa tática para fazer vinhos cada vez melhores e fez com que o país subdividisse seus tradicionais vales vitivinícolas, de leste à oeste.

Em 2012, a lei de denominações de origem para vinhos chilenos foi atualizada, contemplando as divisões “Andes, Entre Cordilleras e Costa”, resultado da concordância de viticultores e enólogos do país que há tanta variação de terroir ao longo dos 5.000 km de norte à sul do país, quanto nos 200 km, de leste à oeste.

Esse jeito de olhar a produção chegou para dentro das propriedades da tradicional vinícola brasileira Miolo, em 2018, e ela acaba de dar um impulso na sua linha Single Vineyard com o lançamento de um Cabernet franc e de um Alvarinho.

Os vinhos da linha Single Vineyard da Miolo

O resultado pode ser conferido na caixa Miolo Single Vineyard Terroir Explorer, que vem com seis garrafas, um exemplar de cada um dos varietais que compõem a linha (Single Vineyard Alvarinho, Cabernet Franc, Pinot Noir, Touriga Nacional, Syrah e Riesling) e custa R$ 526,72 na loja on-line da vinícola Miolo.

O projeto da vinícola Miolo é resultado de uma profunda análise de seu terroir. No total, a vinícola possui 950 hectares de vinhedos, em quatro diferentes regiões.

A unidade Almadén, na Campanha Gaúcha central (próximo da fronteira com o Uruguai), com 450 hectares de vinhedo; a unidade Seival, na Campanha Gaúcha meridional, com 200 hectares; a sede da empresa, no Vale dos Vinhedos (Bento Gonçalves - RS) com 100 hectares; e a unidade Terranova, no Vale do São Francisco (Bahia), com mais 200 hectares de vinhedo.

“É impossível calcular o investimento para criar a linha Single Vineyard, pois se trata de uma mudança na mentalidade na forma de produção dos vinhos, um processo que estamos conduzindo ao longo dos últimos 20 anos”, diz ao NeoFeed, Adriano Miolo, o sócio e diretor-superintendente da vinícola.

O despertar para esta mudança na visão ocorreu em 2000, quando a Miolo comprou a fazenda Seival Estate, em Candiota, no Rio Grande do Sul. Embora a fazenda tenha registro de atividade de vitivinicultura desde 1920, em 2000, os vinhedos tiveram que ser plantados do zero.

Esta foi a oportunidade de pensar e arquitetar todo o vinhedo, observando as nuances de cada hectare de terra. “Contratamos o agrônomo uruguaio, Enrique Mirazo, que é especialista neste tipo de mapeamento de terreno para a viticultura, e nos permitiu plantar cada variedade de uva no setor com maior potencial, além de individualizar o trabalho a cada hectare de videiras”, diz Adriano Miolo.

Mirazo segue trabalhando com a Miolo até hoje e, embora nas outras regiões onde o grupo possui vinhedos as videiras já estavam plantadas, as mesmas análises foram conduzidas para encontrar parcelas que se destacam pela qualidade ou outras menos vocacionadas mas que podem ser replantadas futuramente com outra variedade.

Adriano afirma que o segundo salto para aprimorar os vinhos até hoje ocorreu entre 2003 e 2013, período em que contrataram o consultor-enológico Michel Rolland, de Bordeaux (Pomerol), um dos mais influentes enólogos do mundo.

Rolland ajudou a filtrar e selecionar as melhores parcelas dos vinhedos dentro da adega, identificando quais resultavam nos melhores vinhos. Assim nasceu o Sesmarias, até hoje o vinho mais caro da vinícola (R$ 1.038,52 cada garrafa da safra 2018, na loja da vinícola).

O projeto da linha Single Vineyard nasceu em 2018, quando Adriano e sua equipe constataram que havia um grande “gap" comercial no catálogo de vinhos da Miolo. “Havia um grande espaço entre a linha Miolo Reserva, perto dos R$ 60 e o degrau acima, composta por 7 rótulos que chamamos de Legendários e partem de R$ 150”, diz Adriano.

Em uma das propriedades da Miolo, foram mapeadas várias parcelas para a produção de vinho

Com todos os vinhedos mapeados, o caminho natural foi mostrar expressões de cada terroir através de vinhos varietais, isto é, feitos com apenas uma variedade, uma forma didática e acessível para a faixa de preço imaginada, abaixo dos R$ 100.

Em 2019 foram lançados os quatro primeiros vinhos da Single Vineyard: O Touriga Nacional e o Pinot Noir da fazenda Seival, o Riesling Johannisberg da fazenda Almadén e o Syrah, de Terranova. “Neste primeiro momento não fazíamos mais que 6.000 garrafas de cada varietal, era um experimento. Hoje já é uma linha rentável, onde produzimos o total de 120.000 garrafas, distribuídas em seis rótulos”.

Os dois novos varietais que integram os Single Vineyard é o branco Alvarinho (Seival) e a tinta Cabernet Franc (Almadén). A produção mais limitada é a da Riesling, uma parcela de 3 hectares (do total de 6 hectares) plantada, em 1978, pelo antigo proprietário, a Almadén norte-americana.

A plantação seguiu orientações e pesquisas encomendadas junto ao departamento de vitivinicultura da Universidade da Califórnia - Davis (uma referência no setor). Este é um dos vinhedos mais antigos do País, o que explica o baixo rendimento das plantas.

A parcela mais extensa da linha Single Vineyard é a estreante Cabernet Franc, com 3,8 hectares do total de 25 hectares plantados, também em Almadén. A variedade tem se tornado um sucesso junto aos consumidores com exemplares argentinos e chilenos. “Na Campanha Gaúcha temos parcelas de videiras com mais de 20 anos de idade, que produzem pouco, mas com grande concentração e qualidade”, diz Adriano.

Para manter a coerência da proposta de retratar cada varietal e cada vinhedo, a vinificação dos brancos (Alvarinho e Riesling) não passa por barricas de carvalho e, no caso dos tintos (Pinot Noir, Touriga Nacional, Syrah e Cabernet Franc), são utilizadas barricas já usadas, para que os aromas da madeira não interfiram tanto nos vinhos, e com estágio inferior a 12 meses.

Das 80 variedades viníferas plantadas pela Miolo, 40 são produzidas em escala comercial. O enólogo português Miguel Almeida é o responsável pela produção dos vinhos da Miolo desde 2005.

“A cada ano tenho o privilégio de vinificar experimentalmente todas estas variedades que temos plantado nas quatro vinícolas do grupo. Para o futuro, vejo potencial qualitativo em três outras variedades para compor a linha Single Vineyard: a branca Sémillon, de Almadén, e as tintas Petit Verdot (Seival) e Mourvèdre (Terranova)”. No entanto, ainda não há uma data prevista pela vinícola para estes lançamentos.