O leilão da tecnologia móvel de quinta geração (5G) obteve um valor econômico de R$ 47,2 bilhões, incluindo o preço das outorgas mais as obrigações de investimentos dos vencedores, e trouxe novos competidores no cenário do setor de telecomunicações, como a Winity, operadora controlada pelo Pátria.
Para o CEO da TIM, o executivo italiano Pietro Labriola, essa é a prova de que há competição no setor de telecomunicações, ao contrário do que dizem aqueles que criticam a compra da Oi Móvel, um negócio de R$ 16,5 bilhões, realizado pelo consórcio formado pela operadora controlada pela Telecom Italia, Claro e Vivo, que precisa ainda ser aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
“Tivemos 11 operadoras regionais (participando do leilão). Essa é uma demonstração de que para crescer não precisa colocar “remédio” na compra da Oi”, disse Labriola, em entrevista ao NeoFeed.
A TIM vai investir em torno de R$ 5 bilhões até 2029 para implantar a sua rede 5G na faixa de 3,5 GHz, a principal que foi leiloada pela Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel) no começo de novembro deste ano.
Labriola criticou também o WhatsApp e outros serviços de internet, que são parecidos com serviços de telecomunicações, mas que têm regras e obrigações diferentes das empresas de telefonia, que investem bilhões de reais em infraestrutura.
“Hoje, quando não funciona o WhatsApp, você fala: “está fora a rede da TIM”. Quando o YouTube não funciona, você diz: “está fora a rede da TIM”. E você liga para o call center, que fica lotado. E eu pago. E, na maioria dos casos, não é problema meu”, diz Labriola.
Ele comparou a situação atual a um jogo de futebol, na qual tem de disputar a partida contra jogadores de polo e de futebol americano. “Eu vou perder. É isso o que está acontecendo hoje. Eu tenho de jogar futebol e aplicar a regra do futebol, mas estou jogando contra um cara que vem com o cavalo e vestido com a roupa de futebol de americano”, afirma o CEO da TIM.
A solução, em sua visão, é uma antiga reivindicação do setor: regras iguais para todos os atores do mercado. “Precisam explicar porque tenho uma obrigação de ter um atendimento humano que precisa responder em 20 segundos e o WhatsApp, que é um serviço de telefonia, não tem de ter um atendimento?”, questiona Labriola.
Nesta entrevista, o CEO da TIM comenta ainda o processo de arbitragem com o C6, que tenta acabar com o acordo entre as partes, na qual clientes da TIM que abrem conta no banco digital ganham bônus em pacote de dados.
Em troca, a operadora tem o direito de subscrever ações do C6. Até agora, a TIM teria levado 3 milhões de clientes ao banco digital. De acordo com Labriola, a TIM vem sendo procurada por outros bancos, que querem tomar o lugar o C6. “É uma demonstração de que a nossa performance é muito positiva”, afirma.
Labriola diz ainda que vai buscar mais três joint ventures com startups até o fim deste ano – além do C6, a operadora tem um negócio com a Kroton (Cogna). Os próximos acordos devem ser em telemedicina, na área de conteúdo de revistas e de livros e em carteiras digitais. Confira os principais trechos da entrevista:
Como você avalia o leilão do 5G?
Para a TIM, foi muito positivo. Queríamos pegar a frequência 3,5 GHz (5G puro) e conseguimos, com um valor que faz sentido para o balanço. No 2,3 GHz (usada para distribuir o 5G e melhorar a cobertura 4G), ganhamos o Sul e o Sudeste. Com isso, fortalecemos as áreas onde já somos uma empresa importante. No 26 GHz (5G puro para banda larga fixa), não colocamos recursos, porque ainda não é claro o modelo de negócio. A síntese é que estamos satisfeitos.
E como avalia esse leilão para o setor?
Acho que também foi positivo. Para ser mais claro: havia um assunto de que era importante colocar mais “remédios” na compra da Oi, porque as outras operadoras não tinham oportunidades (para competir). Tivemos 11 operadoras regionais (participando do leilão). Essa é uma demonstração de que para crescer não precisa colocar “remédio” na compra da Oi. Para crescer, esse é um negócio que precisa de recursos. Precisa colocar R$ 4 bilhões, R$ 5 bilhões a cada ano. Sem recursos, é difícil trabalhar em telecomunicações.
"A venda da Oi Móvel não é um gargalo para o desenvolvimento do mercado, porque a quantidade de frequências que estava disponível para ser vendida era enorme"
Quer dizer que, na sua opinião, a competição vai ficar mais acirrada agora com o 5G?
Como vai ser a competição ainda não consigo te dizer porque não estou na cabeça de todas as operadoras. Mas a venda da Oi móvel não é um gargalo para o desenvolvimento do mercado, porque a quantidade de frequências que estava disponível para ser vendida era enorme.
A TIM comprou 11 lotes por pouco mais de R$ 1 bilhão. Qual o investimento total que vai ser feito no 5G?
Para o 3,5 GHz, o investimento seria no entorno de R$ 5 bilhões até 2029, incluindo o pagamento das frequências e as obrigações.
Mas qual será o investimento médio anual da TIM a partir de agora?
Geralmente, temos um investimento no patamar de R$ 4 bilhões a cada ano. Temos de trabalhar para tentar ter um indicador muito importante, que é o Capex (investimentos) por receita. Ele precisa estar em um patamar sustentável para o mercado. Temos de lembrar: não somos uma startup do Vale do Silício que pode não gerar caixa. Somos uma empresa cotada em bolsa que precisa garantir para todos os acionistas investidores um retorno adequado para o investimento feito. É a regra do mercado.
Qual o cronograma da TIM para lançar o 5G no mercado?
Por enquanto, ficamos com o cronograma do edital (segundo o edital, o serviço será lançado nas capitais e no Distrito Federal a partir de julho de 2022). Existem algumas atividades que não dependem das operadoras. Se a frequência for liberada mais rapidamente, poderíamos também começar antes a comercialização. Mas é algo que não está 100% nas mãos das operadoras.
Que serviços vão ser lançados?
Com a rede 5G, você vai ter uma velocidade maior. Mas o que é percebido, depende do tipo de serviço que você usa com o celular. Se você está sempre vendo Netflix, o filme não vai ser acelerado. Não muda nada. O que pode mudar é se você faz muito download. Com o 4G, precisa de mais tempo para baixar. Com o 5G, vai ser mais rápido. Se você gosta de videogame e joga com outras pessoas, você vai ter uma precisão muito melhor, porque a latência é baixa. A necessidade do cliente vai depender da aplicação. Nós, teoricamente, podemos lançar serviços que hoje não existem, mas precisamos resolver o problema de neutralidade de rede.
Como assim?
Poderia lançar uma oferta que pode ter um custo de R$ 5 a mais a cada mês, mas que garanta que você vai ter sempre o máximo nível de qualidade. É algo que o mercado gostaria (de fazer). Essa é uma funcionalidade que o 5G permite. Mas temos de entender se a neutralidade de rede permite essa funcionalidade. Estamos falando com a Anatel e com o Ministério das Comunicações sobre essa questão.
"Semanas atrás, o WhatsApp parou um dia e o meu call center estourou"
Não vai haver espaço para aplicações corporativas?
Sim, é o B2B2C. A TIM vai construir a rede e colocar à disposição da Stellantis e ela lança o carro autônomo. O Einstein quer fazer cirurgia a distância? Com o 5G, é possível, pois muda a latência. A minha expectativa é que vamos ter muitas startups que vão desenvolver serviços que hoje não conhecemos. É como quando foi lançada a Apple Store e o Google Store há dez anos. Você imaginava que poderia ter aplicações para qualquer tipo de coisa? Hoje, você tem 30 a 40 aplicações no seu celular.
Uma questão do setor de telefonia é o fato de construir a infraestrutura, que depois são exploradas por startups como Netflix e Spotify, sem gerar receitas às operadoras. A TIM tem investido em joint ventures com Kroton (Cogna) e C6 Bank. É uma estratégia que a TIM vai fazer cada vez mais?
Gostaria de falar sobre a primeira parte de sua pergunta. Essas empresas se apresentam como startups, mas têm um nível de capitalização na bolsa onde viraram os donos do mundo. Dez anos atrás, o serviço móvel era você ligando para mim. Se não funcionava, era responsabilidade nossa. Hoje, quando não funciona o WhatsApp, você fala: “está fora a rede da TIM”. Quando o YouTube não funciona, você diz: “está fora a rede da TIM”. E você liga para o call center, que fica lotado. E eu pago. E, na maioria dos casos, não é problema meu. Estou vendendo dados e o funcionamento errado não é da minha rede. É, muitas vezes, o servidor do outro lado que não funciona. Semanas atrás, o WhatsApp parou por um dia e o meu call center estourou.
O que fazer?
As regras do mercado são definidas olhando o passado. Precisa colocar regra imaginando o futuro. Precisam explicar por que tenho uma obrigação de ter um atendimento humano que precisa responder em 20 segundos e o WhatsApp, que é um serviço de telefonia, não tem de ter um atendimento? Por que quando você assina um contrato com a TIM, tenho a obrigação de ter uma cópia em papel do contrato e quando você assina com a Netflix e o WhatsApp, não? Por que tenho de ter muitas regras, contrato, cobrança, ciclo de faturamento e os outros não?
"Estou colocando R$ 5 bilhões para comprar frequências. E eu não vi Google, Facebook, Instagram, Twitter participando do leilão"
A competição não é justa, na sua opinião?
Vou usar uma metáfora. Vou jogar uma partida de futebol. Descemos no campo para jogar futebol e o outro time não é de futebol. É um time de polo, que desce no campo com o cavalo e bate. Depois chega outro time no torneio com capacete para jogar futebol americano. Eu vou perder. É isso o que está acontecendo hoje. Eu tenho de jogar futebol e aplicar a regra do futebol, mas estou jogando contra um cara que vem com o cavalo e vestido com a roupa de futebol de americano. Um dos convites que estou fazendo para a Anatel é de rever as regras. Estou colocando R$ 5 bilhões para comprar frequências. E eu não vi Google, Facebook, Instagram, Twitter participando do leilão. E depois tenho obrigação de cobrir todo o país. Estamos no mundo do digital e tenho obrigação de ter loja. E o WhatsApp, não?
Qual a sua proposta: uma desregulamentação do setor de telefonia?
Se pudermos ter uma desregulamentação, acho melhor. Se os outros têm menos regras, porque tenho de ter mais regras. Precisamos começar a definir as regras.
Essa é uma questão que o executivo Amos Genish, ex-presidente da Telefônica Vivo, reclamava bastante desde 2015. Os problemas seguem os mesmos?
Temos de lembrar que sem o social, o uso da internet não teria crescido. Agora, precisamos colocar um nível de regras maior para todos, ou um nível de regras menor para todos. Porque não consigo competir com um cara que tem um nível de regra menor. Hoje, quantas vezes você liga via WhastApp ou liga com a linha da TIM? Podemos dizer que nunca liga com a linha da TIM. Mas quando não funciona, você fica bravo comigo, e não com o WhatsApp. Até porque se você quiser ficar bravo com o WhatsApp, qual é o número de telefone que tem de ligar? Qual o atendimento? Não tem ninguém com quem reclamar.
Para fazer parte desse novo mundo digital, a estratégia são essas joint ventures com Kroton e C6 Bank?
Duas coisas separadas. O que estou reclamando? Primeiro: regras mais claras para competir com uma indústria que é muito próxima das telecomunicações. No mundo digital, de qualquer forma, essas startups precisam de uma aceleradora para o crescimento. E isso pode ser feito através de uma parceria com a TIM. Eu já tenho uma marca reconhecida e 50 milhões de clientes. E, com essa parceria, consigo colocar à disposição das startups essas alavancas para permitir que acelerem o crescimento. É o que fizemos com C6 e estamos fazendo com a Kroton.
Que outras parcerias você imagina?
Estamos tentando fechar até o fim do ano outras três parcerias. Uma em telemedicina. Outra na área de conteúdo de revistas e de livros. E depois, em digital wallet, que acho que é uma das parcerias que deve ter o maior sucesso. O estilo é o de ganhar uma participação atingindo alguma meta. Tenho de ser um acelerador.
A TIM está, no momento, em uma arbitragem com o C6 Bank, discutindo exatamente essa questão da fatia que a companhia tem direito. Você pode comentar?
Não podemos fazer comentários. Mas gosto sempre de lembrar. Primeiro, continuamos a ter uma grande satisfação comercial (com o C6). Os nossos números continuam a ser muito positivos. Estamos vendo também que outros bancos estão vindo para nós falando que, se acontecer algo com o C6, eles teriam interesse em pegar o lugar do C6. É uma demonstração de que a nossa performance é muito positiva. Mas não posso colocar números. É uma arbitragem e está sob confidencialidade. Mas estamos muito satisfeitos com o resultado.
Sobre a compra da Oi, você acredita que até o fim do ano o Cade dê um parecer?
A proposta que foi trazida para o conselho do Cade tem os remédios que as operadoras colocaram para ter aprovação. Eu estou otimista que até o fim do ano vai ter uma avaliação.
No começo da conversa, você defendeu que o 5G é um sinal de que há competição no setor de telefonia, até como um argumento que a venda da Oi móvel não seria um empecilho à competição. Essa é sua visão?
Uma das maiores reclamações era de que não havia frequências. Foi colocado uma quantidade grande de frequências à disposição e todo mundo comprou. A frequência, que diziam que era escassa, não é mais. Repito: todo mundo reclamava no Cade que era importante ter a frequência da Oi. A quantidade de frequência que foi colocada agora no leilão é muito maior do que as frequências da Oi. Acho que essa é a resposta mais forte sobre o assunto de aprovação da venda da Oi.