Entediada com o lockdown, a cineasta americana Shalini Kantayya descobriu o TikTok no início da pandemia – atraída, em parte, pela natureza criativa e descontraída do conteúdo do aplicativo. Em poucos dias, ela já estava viciada no que acreditava ser apenas uma rede social para vídeos curtos com dancinhas, animais fofos e situações de humor do cotidiano.
“Isso mostra como muitos de nós somos praticamente analfabetos no diz respeito à tecnologia que usamos todos os dias. Não entendemos como ela funciona ou a economia que ela movimenta”, conta Kantayya. Ela ficou conhecida ao se destacar no reality show “On the Lot”, produzido por Steven Spielberg, em 2007, para descobrir novos talentos do cinema.
Para examinar o que é o Tiktok e entender como o aplicativo virou um fenômeno cultural, Kantayya entrevistou jornalistas, especialistas em tecnologia e influenciadores de destaque na plataforma. E o resultado é o documentário “Tiktok, Boom”, ainda sem data para estrear no Brasil. Sua première mundial foi realizada esta semana no Festival de Sundance, conhecido como vitrine para o que há de melhor no cinema independente atual.
Uma das perguntas que o filme procura responder é o que tornou o aplicativo lançado pela empresa chinesa ByteDance, em setembro de 2016, tão atraente – a ponto de ofuscar o Facebook, o Twitter, o Instagram e o Snapchat. Já são mais de 3 bilhões de downloads, com 1 bilhão de usuários ativos mensais.
E o público jovem é o que melhor entende a proposta de vídeos curtos consumidos de forma simples, com exibição na vertical. São eles os que mais abraçam a cultura de produzir conteúdo dessa forma (com vídeos que seriam curtos demais para o YouTube, por exemplo). Isso explica o TikTok ser apontado como a rede social definitiva para a Geração Z, daqueles nascidos desde a segunda metade dos anos 1990 até o início do ano 2010.
“Hoje o TikTok é quase uma força da natureza. Com um dos algoritmos mais inteligentes que conheço, ele consegue facilmente viciar os usuários, sempre apresentando o que mais interessa aos mesmos no feed ‘Para Você’. Ele parece saber das coisas que te agradam melhor que você”, brinca a diretora, durante painel virtual que teve cobertura do NeoFeed.
O modo certeiro com que o aplicativo encontra e fornece conteúdo personalizado faz diferença, na comparação com outras redes sociais. Assim que o usuário entra na plataforma, o algoritmo aprende muito rapidamente quais são os seus gostos e interesses, a partir de configurações de sua conta e principalmente das suas interações (como curtidas, compartilhamentos, comentários e vídeos criados).
O fato de o usuário não precisar necessariamente escolher as contas que quer seguir, acompanhando no seu feed vídeos de desconhecidos, apresenta vantagens. O conteúdo que aparece no fluxo é filtrado por interesses e não necessariamente pela popularidade dos vídeos.
“O Tiktok é um aplicativo que permite e encoraja o usuário a explorar. Você acaba se conectando com pessoas com quem se identifica, sobretudo nas comunidades de nicho. São contatos que você não faria no Instagram, por exemplo, onde é preciso seguir alguém para receber o seu conteúdo”, afirma Deja Foxx, a ativista política que fundou a comunidade online GenZ Girl Gang.
Com 21 anos e 1,4 milhão de curtidas no seu perfil no TikTok, Deja foi uma das influenciadoras entrevistadas por Kantayya para o filme, assim como o artista de beatbox Spencer X. Enquanto Deja foi escolhida por sua luta pelos direitos reprodutivos das mulheres, Spencer é um exemplo de Tiktoker que ficou milionário graças à rede social.
Os influenciadores de maior alcance lucram com a visualização de seus vídeos, depois da monetização do conteúdo que o aplicativo implantou em 2020. Outra forma de capitalizar, até mais comum, é o contrato com marcas para conteúdos patrocinados.
Nos EUA, já há Tiktokers com remuneração superior à de CEOs de grandes empresas. Segundo a revista americana Forbes, a Tiktoker Charli D’Amelio, com 133 milhões de seguidores, faturou US$ 17,5 milhões no ano passado. Detalhe: ela entrou na rede em 2019. A remuneração dela, de acordo com o The Wall Street Journal, é maior do que as dos CEOs da Exxon, do McDonald’s e da rede Starbucks.
“O Tiktok mudou a minha vida. Em 2019 consegui o meu primeiro contrato. E foi com a Nike”, conta Spencer X, um beatboxer que mal conseguia sobreviver reproduzindo sons de hip-hop antes de estourar no aplicativo. Hoje, aos 29 anos, sua conta já soma aproximadamente 55 milhões de seguidores, além de 1,3 bilhão de curtidas no seu perfil.
“Com o TikTok, os talentos são descobertos muito mais facilmente e projetados com mais rapidez também. Tudo é dez vezes mais viral do que nas outras redes sociais”, diz no documentário a jornalista especialista em tecnologia, Taylor Lorenz, do The New York Times.
“Das redes sociais, o Tiktok é a que melhor abraça a ideia de empreendedorismo. Seus maiores influenciadores não estão lá buscando só fama. Eles querem ser ricos e bem-sucedidos”, afirma Lorenz. “No seu primeiro ano na plataforma, Tiktokers já faturam mais do que muitos YouTubers em toda a última década”, completa ela.
Da perspectiva dos americanos, o que talvez mais incomode no TikTok seja a nacionalidade do aplicativo. Não à toa, o ex-presidente americano Donald Trump tentou banir a rede social acusando de espionagem, algo que não prosperou no governo de Joe Biden.
“A Bytedance é a primeira empresa chinesa a sacudir o Facebook, o Google e a Amazon mostrando que o Vale do Silício não é a única região a exportar tecnologia para o mundo”, conta no filme Shelly Banjo, especialista da Bloomberg News. “Gostando ou não, a China é hoje uma força a ser reconhecida no setor. E isso graças ao Tiktok”, acrescenta ela.