O mundo ficou bem mais difícil para startups. O aumento das taxas de juros secou a ampla liquidez vista nos últimos anos, forçando os empreendedores a mudarem de paradigma, abandonando o mantra de crescer a qualquer custo para a busca por rentabilidade.
Já alguns investidores estão começando a “cair na real”, vendo que muitos de seus investimentos em companhias que prometem produtos revolucionários não trarão o retorno esperado.
Um cenário difícil de operar, mas que, para nomes como Jorge Paulo Lemann e Marcelo Claure, representa uma oportunidade para investir em negócios de fato disruptivos, com o joio sendo separado do trigo, e a valores menores que no passado.
“Esse é um tempo maravilhoso para investir”, disse Lemann, do 3G Capital, um dos maiores acionistas da AB InBev, durante participação em evento da Volpe Capital, gestora de venture capital fundada pelo ex-SoftBank André Maciel, nesta segunda-feira, 9 de maio. “Os preços recuaram e os empreendedores estão prontos para aceitarem ofertas um pouco mais baixas. É possível achar coisas boas e investir nelas.”
No ano passado, o mercado de venture capital brasileiro registrou um volume recorde de investimentos, na casa dos R$ 9,4 bilhões, segundo levantamento da plataforma Distrito. Mas com os principais bancos centrais elevando os juros para conter a aceleração da inflação pelo mundo, o custo de capital vai ficou mais caro, o que encareceu o custo de captação pelos investidores.
Por consequência, as startups, que utilizavam os recursos para crescer e tinham menos preocupação com sustentabilidade financeira nos primeiros anos de vida, agora vão ter que apertar o cinto. Muitas já começaram, como foi o caso de QuintoAndar, Loft e Facily, que ajustaram seus quadro de funcionários.
A preservação de caixa também é algo em companhias que deixaram de ser startups há tempo e são referência para o setor, como é o caso da Uber, após o prejuízo de US$ 5,9 bilhões no primeiro trimestre.
“As empresas precisarão ser lucrativas mais rapidamente, encontrar rapidamente caminhos para serem rapidamente rentáveis e geradoras de caixa”, afirmou Claure, então homem de confiança do fundador do SoftBank, Masayoshi Son, e responsável por trazer o fundo para América Latina.
Claure deixou o conglomerado no começo deste ano por supostas divergências em relação a sua remuneração. Agora, ele está fazendo investimentos por conta própria através de seu family office, o Claure Group, cujo objetivo é investir em mercado imobiliário, tecnologia, games e criptomoedas. O alvo são empresas públicas e privadas. Até mesmo seed está no radar.
Para Claure, quem vai vencer neste cenário serão aquelas empresas que de fato apresentam um produto ou serviço disruptivo e com suas operações bem ajustadas, para não terem que ficar dependendo de novas rodadas de financiamento, que podem não vir ou subavaliar significativamente a empresa. “Vai ter menos capital no mercado, mas boas empresas que estão transformando seus mercados com certeza terão capital”, afirmou Claure.
O papel do empreendedor será ainda mais fundamental em meio à turbulência dos mercados e a falta de recursos. Lemann e Claure colocam um peso significativo sobre o perfil do fundador, ainda que reconheçam que a sorte tenha peso sobre sucesso ou fracasso de qualquer companhia e empreitada. “O que faz um grande empreendedor, no fim, é o fato de ele ser um fanático, aquele que quer fazer, que faz de tudo para fazer acontecer”, disse Lemann.
Para exemplificar a importância da figura do fundador, Claure citou o caso WeWork, companhia de escritórios compartilhados investida pelo SoftBank, cujo comando ele assumiu em 2019 no lugar do fundador Adam Newman para sanear e reestruturar a companhia, que enfrentava dificuldades para viabilizar seu modelo de negócio.
“O Adam é um grande visionário, ele viu que o mercado de escritórios passaria por profundas transformações”, disse. “Mas o negócio era confuso, um exemplo perfeito de crescimento a qualquer custo. O Adam não conseguiu executar sua visão. Não é bom somente sonhar grande, é preciso saber executar.”
Enquanto orientam as startups a se ajustarem aos novos tempos, Lemann e Claure olham para o mercado em busca de novas oportunidades de investimento. Eles convergem na visão de que o mundo está passando por uma revolução tecnológica e que há grandes oportunidades.
Claure, em especial, continua muito confiante em relação à América Latina, vendo o continente se beneficiando do movimento de muitas empresas em trazer mais para perto elos essenciais da cadeia produtiva.
“Quando vim para cá pelo SoftBank, estava muito otimista com a região por conta da falta de capital e oportunidades, e nós conseguimos equalizar a América Latina com o restante do mundo”, afirmou Claure. “Com o fluxo de recursos previstos para virem com a valorização das commodities e as mudanças na cadeia de suprimentos, a maior parte dos investimentos que pretendo fazer vai ser na América Latina.”