O discurso da maioria dos fundos de ventures capital às startups de seu portfólio é de que agora é a hora de apertar o cinto e preservar caixa para evitar a espiral da morte, um termo que está quase virando uma mantra desse momento em que a maré está baixando.

Mas pau que bate em Chico, tem de bater também em Francisco. E o aperto dos cintos está chegando também às gestoras de venture capital. Pela primeira vez em mais de um ano, os investimentos de venture capital em empresas somaram menos de US$ 40 bilhões por mês.

O registro feito pelo Crunchbase aponta que, em maio deste ano, o valor aportado em operações deste tipo caiu 14% ante abril e somou US$ 39 bilhões em todo o mundo. Em novembro do ano passado, os investimentos de venture capital feitos em startups ao redor do mundo registraram um recorde de US$ 70 bilhões, quase o dobro do montante obtido no mês passado.

O recuo registrado recentemente tem como âncora justamente os investimentos de venture capital em rodadas mais avançadas de captação de recursos por startups. Segundo o estudo, os aportes feitos em late stage caíram de uma média de US$ 36,2 bilhões em 2021 para US$ 22,3 bilhões em maio deste ano.

Com investimentos menores, a tendência é de que o número de unicórnios diminua. Segundo o Crunchbase, 34 empresas atingiram valor de mercado de US$ 1 bilhão em maio contra 54 companhias que alcançaram a avaliação bilionária em abril. No Brasil, a última empresa a virar unicórnio foi a Dock, após um aporte de US$ 110 milhões liderado pelos fundos Lightrock e Silver Lake Waterman.

A desaceleração dos investimentos, no entanto, diminuiu em startups em estágio mais iniciais. O Crunchbase separou dois dados que ilustram este cenário. No primeiro, houve um recuo de apenas 22% no investimento em early stage, que somou US$ 13,7 bilhões em maio contra US$ 17,6 bilhões na média de 2021. Somente considerando rodadas seed, a situação foi inversa: aumento de 11% na soma dos aportes para US$ 3,1 bilhões em maio.

Mesmo investidores tradicionais de growth, que investem em startups maduras, estão encolhendo os seus cheques e aportando recursos em rodadas seed e série A em empresas que estão dando seus primeiros passos.

A Tiger Global, uma das maiores gestoras de venture capital do mundo e que já investiu em empresas como Facebook, Coinbase, Airbnb, entre outras, está cada vez atenta a rodadas de Série A. Já nas rodadas mais avançadas, o fundo de venture capital vem tentando reduzir sua exposição.

Em março deste ano, a gestora fundada em 2001 por Chase Coleman participou até de uma rodada de seed, na qual a healthtech americana Zaya Care levantou US$ 7,6 milhões para sua operação que ajuda a conectar pessoas com profissionais de medicina de áreas relacionadas com obstetrícia.

Vale lembrar que a Tiger Global acumula perdas bilionárias em 2022. Somente em abril, o valor de seus ativos recuou mais de US$ 16 bilhões, conforme revelado em uma carta do fundo para investidores e obtida pela agência Bloomberg.

O mesmo caminho tem sido seguido pela Andreessen Horowitz, outra casa tradicional de venture capital do Vale do Silício. O recente fundo de US$ 600 milhões lançado pela gestora para aportar em operações ligadas à indústria de jogos eletrônicos visa a injetar capital em estágios mais iniciais das startups.

Em aportes recentes, a a16z, como também é conhecida a gestora, liderou aportes de Série A de US$ 15 milhões na Azra Games; de US$ 24 milhões em Série A para a Metatheory; de US$ 40 milhões na Irreverent Labs; e de US$ 6,5 milhões na Start Playing; além de ter participado de um investimento de US$ 12 milhões na LootRush.

Se o cenário indica que está na hora de buscar negócios embrionários, o Brasil segue no radar dos investidores. Recentemente, o Antler, que já investiu em mais de 400 startups no exterior, abriu um escritório em São Paulo para estar mais perto das startups brasileiras num movimento que pode ser repetido por outras gestoras.

O dinheiro não acabou. Mas o cheque está encolhendo. Bem-vindo ao novo normal dos fundos de venture capital.