A inflação entra em zona cinzenta na hora errada. É dado como certo que o Comitê de Política Monetária (Copom) elevará a taxa Selic a 13,25% ao ano nesta quarta-feira, 15 de junho. Mas não é tão certo, quanto já pareceu, que o colegiado anunciará o encerramento do ciclo de aperto monetário.
Nada trivial para a formação das taxas de prazos mais longos cobradas pelo crédito, a sinalização do BC sobe no telhado enquanto se aguarda a aprovação pelo Senado do projeto de lei que limita a cobrança do ICMS sobre combustíveis, energia, transportes e comunicações. Quanto mais rápida a votação e a aprovação, maior a possibilidade de o mercado financeiro calcular os efeitos da medida sobre a inflação e, por tabela, sobre o juro básico da economia.
A decisão do Senado sobre a tributação dos combustíveis – com prazo de vigência até o fim deste ano – não se resume, porém, ao impacto nos índices de inflação. Vai além, uma vez que o Senado acolheu alterações no projeto que garantem a compensação de perdas de arrecadação dos Estados em 2022, devido à redução das alíquotas atuais do ICMS para o máximo de 17%.
O Banco Central (BC) e o mercado têm a avaliar, portanto, a combinação de duas variáveis: inflação e resultado fiscal. Ambas serão afetadas de bate-pronto e com repercussão contratada para 2023 – primeiro ano de um novo mandato na presidência da República e governos estaduais.
O impacto da redução do ICMS sobre o IPCA seria imediato e pode chegar a 2,5% de redução do índice. Somado ao efeito da possível aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que prevê zeragem temporária do ICMS sobre diesel e gás de cozinha, a variação do IPCA poderá encolher 2,8%, informa o Banco Safra em relatório.
Dessa forma, a inflação em 2022 poderá subir entre 6% e 6,5% ao invés do atualmente projetado 8,7%. Considerando a normalização das alíquotas em 2023, a inflação do próximo ano seria acrescida de 0,9 ponto percentual.
Contudo, alerta Eduardo Yuki, economista-chefe da instituição, a inflação menor em 2022 reduziria, por outro lado, o reajuste do salário-mínimo em janeiro do ano que vem e outras pressões que se dariam por inércia inflacionária.
“O exato impacto desses movimentos é difícil de estimar, o que traz novos desafios ao BC quando a inflação de 2023 já está projetada em 4,5%, valor próximo ao teto da banda de flutuação da meta de inflação do ano que vem”, comenta Yuki.
A meta de inflação para 2023 é de 3,25% com variação de 1,5 ponto percentual para mais e para menos. O teto já definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para o ano que vem é de 4,75%. A depender, portanto, do arrasto da inflação, o Copom terá, de antemão, maior desafio pela frente.
Sempre é possível adiar a sinalização de cumprimento da meta para o ano seguinte, afinal o processo inflacionário em curso não é privilégio do Brasil, mas um evento global. Entretanto, o adiamento constante do objetivo de convergência da inflação para a meta desgasta o regime vigente no Brasil desde 1999, e que certamente tem contribuído para aumentar a previsibilidade de eventos econômicos por aqui.
E é necessário reconhecer que num país de forte memória inflacionária e de práticas recorrentes de indexação, a perda de credibilidade do regime é um risco considerável, inclusive, para projetos de investimentos no país.
E aqui entra a preocupação fiscal que ronda investidores, dia sim e no outro também, e produz impacto recorrente na taxa de câmbio. Yuki calcula que as perdas de receitas impostas pela limitação do ICMS aos Estados serão da ordem de 10% a 15% da receita total desse imposto: cerca de R$ 80 bilhões ao ano, sendo a perda já em 2022 da ordem de R$ 40,4 bilhões. As perdas afetarão repasses aos municípios para educação e saúde, dada a vinculação dessas despesas às receitas.
A compensação proposta pela União para as perdas dos Estados duraria somente entre julho e dezembro de 2022 e deve ser de até R$ 40 bilhões. E fora do Teto de Gastos. O economista-chefe do Safra explica que a maior parte dessa compensação seria através de abatimento no serviço da dívida dos Estados com o Tesouro ou a assunção pelo Tesouro do serviço dos Estados com terceiros, quando as dívidas forem garantidas pela União. Vamos combinar que é muita gente envolvida no meio de uma conta.
A Moody’s, por sua vez, enfatiza que foi exatamente o controle das despesas que permitiu ao Brasil desenvolver uma força fiscal. Porém, acrescenta, que as isenções diminuem a capacidade de o governo manter os gastos sob controle e preservar a credibilidade fiscal, especialmente antes das eleições majoritárias de outubro. A agência pondera que a isenção do ICMS agora em discussão não é a primeira anunciada pelo governo brasileiro.
Em 2021, o governo isentou transferências para famílias de baixa renda em valor equivalente a 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) e aplicou também isenção de emergência, denominada ‘orçamento de guerra’, às despesas de R$ 600 bilhões assumidas para combate aos efeitos da pandemia de Covid-19 – nada menos que o equivalente a 8% do PIB de 2020.
Um dinheirão de auxílio justo, mas que, se virar precedente, trará um problema e tanto para a avaliação da política fiscal. E, de novo, emitirá um alerta para empresas e fundos internacionais dispostos a colocar recursos no país.