No último dia 24 de junho, o Neon anunciou uma captação de R$ 400 milhões, apenas dois dias depois de a Creditas divulgar ao mercado que havia levantado R$ 360 milhões. Antes da dupla brasileira, em 8 de junho, a britânica SumUp tornou pública uma operação na qual arrecadou mais de R$ 200 milhões.
Mais do que uma simples coincidência no calendário das três empresas, os anúncios só reforçaram uma tendência em curso no mercado: a crescente popularidade dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, ou FIDCs, como são mais conhecidos os veículos de securitização de dívida usados pelo trio nessas captações.
Com fundos compostos por títulos que uma empresa tem a receber – como duplicatas e parcelas de cartão de crédito, os FIDCs, até pouco tempo, estavam restritos a grandes empresas. Mas, agora, estão ganhando tração ao entrarem na agenda de companhias menores e há menos tempo no mercado.
“Esse mercado já vinha em evolução, mas, agora, quem está puxando mais essa demanda são as fintechs”, diz Giuliano Longo, sócio-diretor de expansão de negócios da Empírica, gestora que, entre outros FIDCs, está por trás dos veículos do Neon e de fintechs como BizCapital, Zippi e a55.
A própria evolução da operação da Empírica é um termômetro desse aquecimento. A gestora saltou de 22 FIDCs em seu portfólio, no início de 2021, para 45 fundos. Outros 19 estão em fase de estruturação. Hoje, a empresa tem R$ 8 bilhões sob gestão, contra R$ 6 bilhões no início deste ano.
Dados da consultoria Uqbar dão ainda mais cor a esse cenário. Em 2021, o volume total de emissões via FIDCs no Brasil foi de R$ 104,3 bilhões, contra R$ 71,9 bilhões em 2020. Em 2018, essa cifra foi de R$ 43,2 bilhões.
A participação das fintechs nesse bolo também vem crescendo. Segundo o estudo mais recente da Uqbar sobre esse segmento específico, os FIDCs lançados pelas startups financeiras somaram R$ 8 bilhões no primeiro semestre de 2021, alta de 16% sobre igual período, um ano antes.
“Praticamente todo mês há pelo menos um FIDC estruturado por uma fintech”, diz Alfredo Marrucho, gerente de conteúdo da Uqbar. “O que essas empresas têm de mais vendável, com maior potencial de captação, são seus ativos e carteiras, já que, apesar do alto crescimento, muitas ainda dão prejuízo.”
Longo, da Empírica, destaca que, mesmo com finalidades diferentes, esse avanço dos FIDCs contrasta com a maior restrição, nesse momento, nas captações via equity, junto aos fundos de venture capital. E vai ao encontro da necessidade dessas companhias alavancarem seus recursos e manterem suas operações de crédito girando.
“Nesse inverno mais longo, aquele dinheiro captado de equity vai precisar durar mais tempo”, diz. “E aí os veículos de securitização se encaixam como uma luva. Porque a empresa segue crescendo a sua originação, mas cedendo esses direitos para investidores que topam o risco dessa carteira.”
Em 2021, o volume total de emissões via FIDCs no Brasil foi de R$ 104,3 bilhões, contra R$ 71,9 bilhões em 2020
Essa visão é um dos argumentos por trás da aposta da BizCapital, fintech que atua com empréstimos para pequenas e médias empresas, nos fundos dessa modalidade. Criada em 2016, a empresa tem uma carteira com cerca de 900 mil CNPJs ativos e origina, em média, R$ 50 milhões por mês.
“Sempre olhamos todas as opções de funding e, para a nossa escala, o FDIC é a de menor custo de captação”, diz Luís Leite, head de funding & investor relations da BizCapital. A startup começou a olhar para essa alternativa em 2019, com um primeiro fundo, hoje, com um patrimônio de R$ 150 milhões.
Estruturado pela Empírica e pela Gauss Capital, um segundo FDIC, de R$ 407 milhões, foi lançado em novembro de 2021, e tem como “sócia” outra fintech, a Finpass, e o BNDES como investidor. Nesse veículo, cujo prazo é de seis anos, a projeção é superar R$ 430 milhões até o fim de 2022.
“Nós começaremos a pagar o BNDES daqui a seis anos. Os empréstimos na nossa plataforma têm, em média, prazo de dois anos, com pagamentos mensais”, diz Leite, explicando a conta por trás do foco nos FIDCs. “Então, na prática, com esse fundo de R$ 407 milhões, consigo originar mais de R$ 1 bilhão.”
Mais apetite
Já na ponta dos investidores, profissionais e qualificados, que estão engrossando essas estatísticas, os FIDCs surgem como uma opção de renda fixa para diversificarem suas carteiras. Especialmente diante do momento de volatilidade, de elevação das taxas de juros e de maior aversão ao risco no mercado.
“O FDIC está encontrando um terreno mais fértil com o investidor mais aberto e mais propenso à renda fixa”, observa Rodrigo Moreira, head da XP Empresas. “E, no caso das startups, é uma combinação da maior familiaridade com esse instrumento e do amadurecimento das operações dessas empresas.”
Nesse primeiro semestre, a XP estruturou três emissões, ante 10 fundos no mesmo intervalo de 2021. Entretanto, o valor dos FIDCs recentes é bem maior. Além dos R$ 400 milhões do veículo do Neon, o pacote inclui um fundo de R$ 400 milhões da Credz e um de R$ 100 milhões da Plugify.
“Os investidores estão com apetite por produtos com empresas já testadas e aprovadas”, diz Caio Viggiano, managing director do Itaú BBA, reforçando esse viés. “Quando a carteira vai maturando e as safras de originação vão bem, essas companhias começam a ter acesso a mais recursos e a um funding mais barato.”
Segundo as fontes ouvidas pelo NeoFeed, a opção por uma captação via FIDC começa a ficar viável com uma emissão, em média, a partir de R$ 40 milhões. Abaixo dessa cifra, é mais difícil fechar a conta, já que, apesar de suas vantagens, esses fundos demandam um alto custo de estruturação e de gestão.
Nesse contexto, o Itaú BBA é mais um exemplo de como esse mercado está evoluindo para somas mais elevadas. O banco de investimentos fechou o primeiro semestre de 2022 com 20 FIDCs, entre eles o veículo da SumUp, contra 9, no mesmo período, há um ano.
Com quatro FIDCs lançados entre dezembro de 2021 e março desse ano, a CloudWalk integra esse portfólio do Itaú BBA. A fintech vai usar os R$ 3,4 bilhões captados para financiar a antecipação de recebíveis dos mais de 300 mil lojistas que usam sua máquina de cartão, batizada de InfinitePay.
Além da pulverização dessa carteira, o que reduz os riscos de grandes perdas com inadimplência, outro aspecto que favoreceu a atratividade dos fundos da CloudWalk, assim como de outras fintechs, é o fato deles envolverem a cessão de operações já performadas, no caso os recebíveis, aos investidores.
“Os FIDCs nos dão diversificação e um colchão de linha perene e sempre disponível para usar, sem que eu precise correr todos os dias atrás da cotação de cessão de recebíveis no mercado”, conta Pablo de Mello, sócio da CloudWalk.
Ele ressalta outras vantagens desse expediente. “Eu já tenho a previsão de preço, pois negocio na estruturação e na distribuição”, explica. “Isso é bom para a previsibilidade de tesouraria da empresa e me dá tranquilidade na gestão das minhas antecipações de recebíveis.”
Essas premissas, incluindo a antecipação de recebíveis, também dão o tom da estratégia da iugu, fintech de gestão e automação financeira. Em abril desse ano, a startup anunciou seu primeiro fundo nessa modalidade, de R$ 100 milhões, com prazo de vigência de três anos e estruturado pelo Bradesco BBI.
“O fundo nos dá previsibilidade do custo de financiamento no longo prazo”, diz André Gonçalves, CFO da iugu. “E cria uma fonte com investidores em operações reguladas, além da abertura para mais séries, após um período inicial de lockup, o que permite acompanhar o crescimento dos nossos clientes.”
Entre outros componentes, esse atalho para novas captações também é apontado por Paula Mendes Caldeira, cofundador e CFO da Plugify, startup de locação de equipamentos de tecnologia, como notebooks, que captou um primeiro FIDC, no valor inicial de R$ 100 milhões, em maio desse ano.
“Nosso FDIC tem um prazo de 48 meses e eu posso aproveitar a ‘casca’ dele para fazer novas emissões”, explica. “É diferente, por exemplo, de uma debênture financeira, em que eu tenho que fazer tudo do zero a cada emissão.”
Capitalizada por um investimento da Porto, em janeiro deste ano, em troca de 10% na operação, a Plugify vai usar o dinheiro captado no FIDC exclusivamente para adquirir equipamentos para locação, em linha com a estratégia adotada com os financiamentos por dívidas desde a fundação da empresa, em 2017.
“Nós poderíamos acessar uma linha de investimento nos bancos, mas ficaríamos dependentes dos termos deles”, afirma. “Em um FIDC, você customiza os termos de acordo com a sua necessidade. Ao mesmo tempo, o custo é mais baixo, porque você também customiza as proteções para o investidor.”
* Com a colaboração de Ivan Ryngelblum