Há algum tempo, o economista Robert Solow comentou em 1987 que os computadores estavam em todos os lugares, menos nas estatísticas de produtividade. Esta frase ficou conhecida como o paradoxo de Solow. Parafraseando Solow, vemos a era digital está em tudo, menos nas estatísticas do PIB.

Isso sempre me intrigou e intuitivamente considerava que as métricas é que não conseguiam captar o impacto do digital na economia. O tema sempre me chamou a atenção. Comecei a estudar com mais profundidade o assunto e nas pesquisas que fiz consegui acender algumas luzes sobre o tema.

Recomendo inclusive a leitura de um artigo bastante esclarecedor, “How Should We Measure the Digital Economy?”, de Erik Brynjolfsson e Avinash Collis, publicado na HBR. Erik Brynjolfsson é o diretor do Initiative on the Digital Economy do MIT, que tem vários estudos instigantes sobre o assunto.

A economia digital muda muito nossa percepção sobre o que é economia. A era digital se traduz em abundância e não em escassez. Ao contrário de um bem físico que, ao ser vendido, o vendedor ficava sem ele, um bem digital, como uma informação, continua com você, mesmo depois de vendido.

Além disso, a troca de informações não é jogo de soma zero, pois todos os envolvidos na troca saem ganhando. Isso permite criar novos modelos de negócio baseados na abundância. O Airbnb quebrou a escassez de locais de hospedagem pois, em teoria, todas habitações do planeta podem ser locáveis. A Uber quebrou a escassez de táxis, pois, em teoria, todos as pessoas que possuem um veículo poderiam usá-lo para transportar um passageiro de um ponto para outro.

Gastamos em média de seis a sete horas por dia de nossa vida usando mídias digitais, sejam nas redes sociais, como TikTok, Facebook, Instagram e Linkedin, fazendo buscas no Google ou pesquisando na Wikipedia. Tudo isso gratuitamente. Essa parte significativa de nossa vida não é registrada nas métricas oficiais de atividade econômica, como o PIB ou produtividade que é PIB por hora trabalhada.

Na prática, ouvimos muito mais músicas que antes, pois as ouvimos a qualquer instante, sem necessidade de um CD. Tiramos muito mais fotos que antes. E nos comunicamos com muito mais facilidade e intensidade que antes, pois é muito mais simples e barato usar WhatsApp do que um telefone fixo. Mas isso não aparece no PIB!

O PIB (Produto Interno Bruto) foi desenvolvido na década de 1930 do século passado e mede o valor monetário de todos os bens produzidos numa economia. Embora seja a métrica mais usada para avaliar crescimento econômico, ele não mede bem-estar da sociedade.

Uma elevada poluição, por exemplo, é ruim para a nossa saúde, mas como aumenta consumo de bens (remédios) e serviços (hospitais e clínicas) é medida como positiva. O PIB não mede também o impacto da era digital, porque como se baseia no valor que as pessoas pagam pelos bens e serviços, não consegue medir coisas que são gratuitas, como uma busca no Google, um roteiro orientado pelo Waze ou uma informação pesquisada no Wikipedia.

 

Claramente, o PIB não consegue avaliar a era digital. Alguns estudos mostram, por exemplo, que o Facebook criou mais de 225 bilhões de dólares em valor não contabilizado para os consumidores desde 2004. Como chegaram a esta conclusão?

Imagine que você seja pago para deixar de usar uma plataforma digital durante um mês. Descobriram que o Facebook custaria 50 dólares. Já o buscador do Google US$ 17.530 por ano, Gmail US$ 8.414 por ano e Google Maps ou Waze US$ 3.648 por ano.

A ideia teórica por trás é o que se chama de excedente econômico. A diferença entre o máximo que alguém está disposto a pagar e o seu preço real. Se você aceita pagar R$ 100 por um bem, mas pagou apenas R$ 60, você teve R$ 40 de excedente econômico.

Uma comparação com a indústria de enciclopédias mostra isso. Antes, gastava-se um bom dinheiro com a Barsa e apenas alguns privilegiados podiam arcar com estes custos. Hoje, a Wikipedia é gratuita, todos têm acesso, mas a indústria de enciclopédias acabou e isso se refletiu no PIB, que diminuiu, mas a sociedade se beneficiou.

A pesquisa, entretanto, mostrou que as pessoas aceitariam pagar até US$ 150 pelo acesso à Wikipedia e, como seu custo é zero, o excedente econômico, medido apenas para os EUA, seria de US$ 42 bilhões não contabilizados no PIB.

O Facebook é outro exemplo interessante. O que é contabilizado no PIB são suas receitas em publicidade. Mas o estudo mostrou que o excedente econômico, só nos EUA, seria de quase US$ 600 por ano por pessoa. Muito mais que a receita média que o Facebook consegue por usuário, nos EUA, que é de US$ 140 ano.

O Facebook medido pelo excedente econômico adicionaria 0,11% ao crescimento anual do PIB dos EUA, de 2004 a 2017. O PIB americano, medido, aumentou em média 1,83% neste período. Se adicionarmos o Facebook, o buscador do Google e todas as outras plataformas, vemos que o PIB real foi substancialmente subestimado.

Assim, o estudo mostra porque o paradoxo de Solow existe: as métricas simplesmente não são adequadas para mensurar a era digital. Precisamos de outras métricas, adaptadas à era digital e a economia da abundância.

Cezar Taurion é VP de Inovação da CiaTécnica Consulting, e Partner/Head de Digital Transformation da Kick Corporate Ventures. Membro do conselho de inovação de diversas empresas e mentor e investidor em startups de IA. É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral, PUC-RJ e PUC-RS.