Na agricultura de precisão, o mundo se conta em nanômetros. Ao operar na escala do bilionésimo do metro, as inovações trazidas pela nanotecnologia prometem tornar a intervenção humana nos campos mais certeira e, consequentemente, mais eficiente.
Com a manipulação de átomos e moléculas, é possível incrementar a produtividade das lavouras e melhorar a qualidade das colheitas, sem causar danos ao meio ambiente. Afinal, a entrega de insumos nas quantidades exatas, em momento e local oportunos, garante a saúde das culturas.
Sensores permitem ao agricultor se adiantar a eventos climáticos extremos e agentes estressores, facilitando a tomada de decisões. O monitoramento microscópico do solo identifica e quantifica a concentração de nutrientes, impurezas ou alterações de composição que possam comprometer o desenvolvimento pleno das plantações. Técnicas de edição e transferência gênica levam à criação de lavouras resistentes a pragas e intempéries.
“A nanotecnologia tem um tremendo potencial para revolucionar as práticas agrícolas”, escreve o químico Bhupinder Singh Sekhlon, no artigo “Nanotechnology in agri-food production: an overview”, publicado na revista Nanotechnology, Science and Applications. A nanoagricultura faz ver o invisível.
A revolução já começou. Pioneira no desenvolvimento de nanolíquidos, na semana passada, a empresa americana Aqua-Yield, sediada em Utah, fechou uma rodada de investimentos série A de US$ 23 milhões, liderada pela Larry H. Miller Company e acompanhada por Penny Newman Grain Company e JH Partners.
A tecnologia da Aqua-Yield não pretende substituir os fertilizantes ou pesticidas. Funcionam, sim, como uma espécie de Uber para viagens intracelulares. Misturados aos suprimentos, os nanolíquidos encapsulam as moléculas dos insumos e as levam diretamente para dentro das células vegetais, sem perdas para o meio circundante.
A tecnologia da Aqua-Yield não pretende substituir os fertilizantes ou pesticidas. Funcionam, sim, como uma espécie de Uber para viagens intracelulares
O resultado é uma maior absorção dos produtos pelas plantas. Com isso, segundo a empresa, é possível reduzir de 20% a 50% os gastos com os compostos químicos de nutrição e proteção das culturas. O planeta e os bolsos dos agricultores agradecem.
Do portifólio da companhia de Utah, já constam 16 nanolíquidos, capazes de fazer o transporte da maioria dos insumos de nutrição e proteção disponíveis no mercado. Os produtos podem ser aplicados tanto no solo quanto nas folhas das plantações. A Aqua-Yield está presente hoje em nove países e são usadas por várias fazendas que, juntas, perfazem cerca de 4 milhões de hectares de campos.
Outra startup que vem usando a nanotecnologia para a entrega porta a porta de insumos dentro das células vegetais é a canadense Vive Crop Protection, fundada em 2006, em Toronto. Batizada Allosperse, a tecnologia usa nanopolímeros para envolver as moléculas dos insumos agrícolas e, assim, protegê-las em sua jornada pelo microbioma do solo ou nas folhas das plantas, antes que comece a se degradar naturalmente.
“Esse sistema de entrega em nanoescala ajuda a controlar essas interações para garantir o uso mais eficiente dos produtos”, diz Darren Anderson, cofundador da Vive Crop Protection. “É o desempenho em outro nível.” A empresa dispõe de seis produtos, destinados a 28 tipos de cultivos diferentes.
Os resultados das pesquisas realizadas nos últimos três anos são promissores. Em uma fazenda típica de milho, a tecnologia Allosperse aumenta a produtividade e a rentabilidade e reduz a umidade, diminuindo os custos de secagem dos grãos.
Já, os produtores de beterrabas economizaram 225 mil litros de água por safra e aumentaram o rendimento das lavouras em três toneladas. Em meados de agosto, a Vive Crop Protection recebeu US$ 26 milhões, em uma rodada de investimentos C, liderada pela empresa de capital de risco Agtech Emmertech, também do Canadá.
As possibilidades da nanotecnologia são tantas e tão importantes para o avanço não só da agricultura, mas de várias indústrias, como a de saúde, eletrônica, cosmética e têxtil, entre outras, que cientistas da universidade Harvard, nos Estados Unidos, e da Tecnológica de Nanyang, em Singapura, criaram a NTU-Harvard SusNano para o desenvolvimento sustentável do setor.
Até 2028, a nanotecnologia agrícola movimentará US$ 628 bilhões
Dada a emergência climática, a escassez de recursos e o crescimento exponencial da população global, um dos focos da instituição científica é a cadeia agroalimentar – em especial, a investigação de nanomateriais não tóxicos e ambientalmente seguros. Desses esforços, nasceu uma embalagem inteligente, que mantém frutas, legumes e verduras frescos por mais tempo.
Produzido a partir de amido, milho, tomilho e ácido cítrico, o invólucro responde ao aumento da umidade interna ou substâncias químicas liberadas no processo de amadurecimento dos produtos.
Quando as fibras na embalagem detectam a formação de bactérias, como a E. coli e a Listeria, associadas a infecções alimentares potencialmente graves, são liberadas quantidades microscópicas de compostos antimicrobianos, impedindo, assim, a contaminação dos alimentos e o seu desperdício.
Nas primeiras experiências, os morangos embrulhados com o novo material aguentaram sete dias sem nenhum sinal de mofo. Já as frutas acondicionadas em embalagens tradicionais apodreceram em quatro. Por enquanto, o produto da NTU-Harvard SusNano está restrito aos laboratórios. Até que chegue aos consumidores tem-se um longo caminho pela frente.
Mas, é uma esperança em um mundo no qual 1,3 bilhão de toneladas de comida são desperdiçadas anualmente, segundo a FAO, a agência da ONU para agricultura e alimentação. De toda a comida produzida no planeta, 24% vão para o lixo.
Analistas da empresa de análise de mercado Data Bridge indicam que, até 2028, a nanotecnologia agrícola movimentará US$ 628 bilhões, a uma taxa de crescimento anual de 11,7%. No ano passado, o setor foi avaliado em US$ 256 bilhões.