Enquanto alguns choram, outros vendem lenços. O bordão nunca foi tão atual para descrever o mercado de venture capital. De um lado, alguns fundos tiraram o pé dos investimentos na América Latina, a exemplo do Softbank. Por outro, há fundos que pretendem intensificar os aportes na região agora que o mercado ficou mais "racional".
É o caso da Flourish Ventures, fundo de venture capital que gere mais de meio bilhão de dólares, já investiu em mais de 70 startups e tem um único LP (limited partner): o bilionário fundador do eBay, Pierre Omidyar, dono de uma fortuna de quase US$ 10 bilhões.
Discretamente, a Flourish Ventures instalou, há seis meses, uma base em São Paulo, para onde se mudou a colombiana Diana Narváez, uma executiva que já trabalhou no banco de investimento do J.P. Morgan e na consultoria McKinsey.
O sócio da Flourish Ventures, Arjuna Costa, baseado nos Estados Unidos, tem vindo também com frequência ao Brasil. Os motivos das viagens são desde se encontrar com alguns empreendedores, bem como participar de reuniões com algumas das startups do portfólio no País, que inclui Neon, Swap, Kamino, Dolado e Mercê do Bairro.
“Eu estou certamente bastante otimista sobre a região”, diz Costa, em entrevista ao NeoFeed. “Com 100% de certeza, vamos aumentar os investimentos na América Latina.”
Apesar de não especificar os valores que pretende investir na América Latina, nem o número de startups em que deve fazer aportes nos próximos anos, Costa diz que tem um "pool de capital” com centenas de milhões de dólares.
“Não separamos (o capital) por América Latina, África e Ásia”, afirma o sócio da Flourish Ventures. “Olhamos as melhores ideias.” Em sua visão, esse é um dos melhores momentos para se investir na região. Mesmo neste cenário de cautela para aportes em venture capital e de dinheiro mais escasso.
Criada em 2014, a Flourish Ventures, que antes de chamava Omidyar Network, tem uma tese de investir em fintechs. O foco é achar startups com serviços de inclusão financeira em estágio inicial de países emergentes. Seus cheques variam de US$ 250 mil até US$ 3 milhões, preferencialmente nos estágios de seed money até a série A.
Os ativos que buscam estão, preferencialmente, na África, Índia, Sudeste Asiático e na América Latina. Mas a gestora tinha uma postura cautelosa na região, tendo ficado de fora da “festa” do venture capital, que durou de 2020 a 2021. Até agora, foram nove investimentos, sendo dois no México e sete no Brasil – um deles foi o GuiaBolso, que foi vendido para o PicPay, no ano passado.
O que justifica a Flourish Ventures, neste momento de maré baixa no venture capital, ter uma visão otimista? Uma das razões é que, agora, a poeira baixou e os valuations estão mais racionais. Outra é que, mesmo com as fintechs tendo recebido muito investimentos nos últimos anos, há muito o que ser feito na questão de inclusão financeira.
No caso do Brasil, Costa cita um fator adicional que renova seu otimismo: o Pix, sistema de pagamentos instantâneo do Banco Central, que se tornou um sucesso e já superou, em número de transações, boletos, TEDs, DOCs e até mesmo cartões de débito e crédito. “De repente, ninguém mais usa boletos”, diz o sócio da Flourish.
A missão de Narváez, que passa a ser responsável pelos investimentos na América Latina, é criar o deal flow no Brasil e na região. Nos últimos meses, ela já se reuniu com mais de 200 startups e estabeleceu relacionamentos com hubs de inovação ao redor do País.
“Já investimos em banco digitais (o Neon é um exemplo). Agora, estamos mais otimistas com infraestrutura”, diz Narváez. “Vamos encontrar startups que criam blocos para ajudar outras empresas a criar serviços financeiros mais rápidos.”
Um exemplo são dois investimentos recentes feito pela Flourish Ventures que, à primeira vista, parecem com aportes em retailtech: a Mercê do Bairro e a Dolado. As duas startups fornecem tecnologias para pequenos negócios. Mas a tese da gestora é de que elas também vão facilitar o acesso a serviços financeiros.
Fundos gringos de olho na América Latina
A Flourish Ventures não é a única gestora que está bullish com a América Latina. Muitos fundos sem presença no Brasil estão cada vez mais olhando para a região neste momento de cautela e de conservadorismo nos investimentos.
Nas últimas semanas, o NeoFeed falou com diversos gestores que dizem que o baixo apetite de Softbank e também da Tiger Global, que fizeram diversos cheques de alto valor nos últimos anos, não significa que faltará capital para as startups da região.
“Muita gente que queria investir aqui e perdia a concorrência para o Softbank por conta do valor do cheque e dos valuations está agora de novo olhando para a América Latina”, diz um gestor de venture capital.
São nomes como TCV, CapitalG, Battery Ventures, Insight Partners e K1 Investment Management, fundos que já realizaram aportes na América Latina e que agora buscam oportunidades na região diante deste novo cenário.
O TCV, por exemplo, já investiu no Nubank. O CapitalG é o fundo de growth do Google. A Battery Ventures, por sua vez, tem a empresa de benefícios Flash em seu portfólio e a Insight Partners conta com Pomelo, Nuvemshop e Bionexo. A K1 acaba liderar um aporte de US$ 25 milhões na Caju.
“Os cheques serão menores, mas isso significa uma racionalização”, diz outro gestor de VC. “Antes, tinham cheques de US$ 100 milhões, mas as empresas só precisavam de US$ 30 milhões.”
A maré baixa, um termo usado com frequência para se referir a queda dos investimentos em startups, não está assim tão baixa, acredita Costa, da Flourish Ventures.
De acordo com ele, os investimentos em startups no primeiro semestre de 2022 só são menores do que o mesmo período do ano passado, mas maiores do que os seis primeiros meses de 2020 e 2019.
Dados da Lavca, a associação que representa as empresas de capital privado na América Latina, mostram que os aportes de venture capital somaram US$ 5,4 bilhões nos seis primeiros meses deste ano, uma queda de quase 20% em comparação ao mesmo período de 2021. Mas uma alta de 260% sobre o primeiro semestre de 2020.