Foi durante a faculdade de agronomia que Miguel Zuccardi, 39, membro mais novo da terceira geração de uma das famílias argentinas mais respeitadas no mundo do vinho se apaixonou pelas oliveiras.

“É um universo riquíssimo, que estava em nossas mesas todos os dias, mas ainda visto como algo genérico. Azeite era azeite. Não se falava de variedades, origem, características, processos de fabricação, potenciais de harmonização. Era preciso mudar isso”, lembra ele, em entrevista ao NeoFeed.

Assim, começou a traçar mentalmente um caminho em busca do desenvolvimento qualitativo na categoria, seguindo os mesmos passos percorridos por seu pai e avô nos últimos 60 anos nas uvas.

Quase 20 anos depois de começar do zero sua plantação de oliveiras, a produção de azeites premium que levam o nome da família vem crescendo 15% ano. E já responde por 5% do faturamento do grupo, com produção anual de 650 mil litros, mais do que o dobro de toda a safra brasileira em 2022, quando houve recorde produtivo.

Agora, Zuccardi volta-se ao mercado externo. Tendo o Brasil como principal meta de conquista ao longo dos próximos 10 anos. “Nossos projetos são sempre a longo prazo. Ainda estamos entendendo o mercado para traçar o melhor caminho para expandir”, diz ele.

Mas os primeiros passos já foram dados. Depois de um teste tímido no País em 2021, eles acabam de fechar parceria com sete redes supermercadistas no Sul e Sudeste para começar a distribuição. Entre elas, o Zona Sul (RJ), Pão de Açúcar (SP) e Zaffari (RS). Por enquanto, a utilização dos multicanais da Víssimo, grupo que engloba a Grand Cru, distribuidora oficial dos vinhos da família, não está nos planos.

As garrafas de azeites monovarietais (arauco, picual, coratina e genovesa) devem chegar ao consumidor brasileiro entre R$ 70 e R$ 95. Valor semelhante aos praticado pelos concorrentes nacionais do mesmo segmento premium.

Azeite da variedade coratina já disponível no Brasil

A aposta é que a principal divulgação e validação dos produtos sejam feitas no boca a boca entre o público que já teve a oportunidade de degustar o azeite nas bodegas da família. Seja na região de Maipú, onde durante a época de colheita é possível produzir seu próprio azeite, ou no complexo de enoturismo construído no Valle de Uco, ao sul de Mendoza, em 2016, e eleito por três anos consecutivos como a melhor vinícola do mundo pela premiação World’s Best Vineyards. Ali, os brasileiros respondem por 40% a 50% dos visitantes. Percentagem que tende a crescer após o início dos voos diretos da Gol saídos também do Rio de Janeiro.

Atualmente, apenas 10% da produção de azeites Zuccardi é destinada ao mercado externo, com destaque para o Japão, onde os varietais arauco e coratina obtiveram medalha de ouro no International Extra Virgin Olive Oil Competition 2022. Mas os Estados Unidos também estão no radar por serem “o maior consumidor de azeites fora do Mediterrâneo. O consumo está crescendo em todo o mundo atrelado à busca por produtos mais saudáveis”, explica Miguel.

Para se ter uma ideia, só no Brasil, o consumo per capita de azeites passou de 40 mililitros ao ano, em 2004, para 400 mililitros, em 2021. Sendo que o País é, segundo dados do Conselho Oleícola Internacional (OIC), o segundo maior importador do mundo com compras anuais na casa dos 100 milhões de litros.

Na perspectiva do engenheiro agrônomo, o equilíbrio saudável para a marca Zuccardi é chegar a 50% de exportações. Um pouco abaixo do que acontece hoje com os vinhos, cuja produção é 60% destinada a mais de 50 países. Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e Brasil, nesta ordem, figurando no topo da pirâmide.

Azeite feito da variedade empeltre

“Os primeiros dez anos do projeto não foram focados em volume de negócios, mas na criação da marca premium. A próxima etapa, agora que chegamos ao ponto de equilíbrio, será olhar para os azeites como uma unidade de negócio separada da organização”, aponta Zuccardi.

Para isso, a empresa vem se preparando para expandir a produção. Aos 80 hectares de olivares que deram início ao projeto em Mendoza, em 2004, foram agregados mais 220 hectares em Cañada Honda, na província de San Juan, a 110 km de Maipú – 40 hectares desses, recém-adquiridos – e mais 300 hectares já estão nos planos para quase dobrar o volume produzido.

“O projeto vêm crescendo e precisamos nos preparar para escalar a produção com variedades de alta qualidade, que não são cultivadas por todos os produtores”, afirma Miguel. Cerca de 30% das azeitonas utilizadas hoje vêm de terceiros. “Manter um esquema de 70%/30%, ou 60%/40% me parece adequado, mas precisamos nos adaptar rapidamente para manter isso”, completa.

Com uma coleção de 90 variedades de azeitonas plantadas em Mendoza, Miguel vem estudando ano a ano seus diferenciais qualitativos e sensoriais para criar azeites monovarietais surpreendentes, que sejam compatíveis aos vinhos da família. Caso da empeltre, utilizada no microlote 2022 da linha Temporada. Leve e com notas de maçã, goiaba branca e banana verde, o azeite desta variedade chega ao mercado em apenas 1000 garrafas de 250 ml.

Cultivo de oliveiras está sendo expandido com aquisição de novas áreas

Para se ter uma ideia da ousadia da empreitada, a zeitóloga Ana Beloto explica que “é necessário 12 kg de empeltre para fazer 1 litro de azeite de alta qualidade, enquanto com variedades mais populares como arbequina, picual ou koroneiki é possível obter a mesma quantidade com apenas 5 kg ou 6 kg de azeitona.”

“Há muitas oportunidades no mundo do azeite. Principalmente no mercado premium”, afirma Miguel, quando questionado sobre o potencial dos azeites do Novo Mundo frente a produção massiva e histórica em países como Grécia, Espanha, Itália e Portugal. “Muitos produtores fora da região do Mediterrâneo estão trabalhando para uma contínua alta qualidade, com boa tecnologia e a descobertas de novas regiões. Com o tempo, o consumido, que está ávido por aprender, vai reconhecendo isso”, completa.

Ainda que os vinhos sigam sendo o principal negócio da família, com rótulos premiados como o Piedra Infinita Gravascal 2018, que recebeu 100 pontos Robert Parker e é vendido por mais de R$ 3,5 mil a garrafa, a perspectiva para o azeite é de evolução. “Trabalhamos para que todo nosso negócio cresça, mas nada impede que em alguns anos o azeite ocupe uma posição maior no todo.”