Foi durante a pandemia que A Casa do Porco, no centrão de São Paulo, acabou dando cria no interior. Plantou um roçado orgânico em São José do Rio Pardo, assumiu a criação dos próprios porcos em São Sebastião da Grama e engatilhou a abertura de um açougue-frigorífico em Areiópolis.
A fabriqueta que produz os embutidos do 7º colocado no prestigiado ranking britânico The World’s 50 Best Restaurants acaba de ampliar a linha de quatro para 13 produtos que, em três meses, devem ser distribuídos em mais pontos no varejo, numa estratégia nichada, e para outros Estados, a começar pelo Rio.
As casas dos chef Janaína e Jefferson Rueda (A Casa do Porco, o Bar da Dona Onça, o Hot Pork e a Sorveteria do Centro), além da Lanchonete da Cidade e empórios já dispunham de salsicha, hambúrguer de pancetta, linguiça tradicional e apimentada.
Até o fim do ano, o portfólio completo também chegará a novos pontos na capital e da região de Rio Pardo com os novos itens: o smash burger, a mortadela defumada com pimenta verde, o lardo (espécie de toucinho curado por pelo menos 6 meses), o guanciale (“bacon” de bochecha que protagoniza o molho carbonara) e o nobre embutido de cabeça de porco, entre outros luxos em forma de charcutaria artesanal – mesmo que se feita em escala industrial.
Em fevereiro serão lançados no mercado outros dois hits d’A Casa do Porco: a pancetta pré-frita (com a goiabada picante à parte) e o presunto cozido do “misto quente da janela” (provavelmente o melhor do país).
No comecinho do ano, será a vez das vizinhanças de Ribeirão Preto e de Bauru receberem suas embalagens frescas e refrigeradas. E depois começa a se desenhar a nacionalização, mas com parcimônia. “Atualmente, a gente produz pouco mais de 15 toneladas de produtos por mês, mas com os novos produtos e as novas praças, devemos chegar a 40”, conta Washington “Nenê” Rueda, irmão caçula de Jefferson e sócio minoritário da “fabriqueta”, ou melhor, do Porco Real.
Só para equipá-lo foram investidos R$ 2 milhões. Uma aplicação sobretudo na padronização do que entra nos cardápios dos Ruedas. Tanto assim que metade de tudo fica com eles mesmos. “Já poderíamos estar produzindo 50 toneladas, mas essa não é a meta. A lógica é a mesma de quando Jeffinho começou a fazer as primeiras linguiças e codeguins (espécie de salame cozido) no Bar da Dona Onça: entregar o produto mais artesanal possível para nossos restaurantes e, se possível, chegar a lugares que compartilhem o nosso apreço pelos produtos”, complementa Janaína Rueda.
Nesse sentido, o faturamento poderia triplicar em 2023 – o que provável e naturalmente deve acontecer, embora Jefferson ache “que vai ser mais devagar” para primeiro testar a aceitação dos novos itens.
Hoje eles são acompanhados de perto pelo chef mais especializado e especialista na anatomia suína no Brasil. No entanto, respondem mesmo a José Luís Bertoletti, proprietário do Sítio São Francisco, em São Sebastião da Grama. Ali vivem 1500 piaus, canastras, carunchos, sorocabas e outros porcos caipiras, que chegam a até 15 meses e 120 quilos.
Para se ter ideia, um porquinho convencional não leva mais do que três ou quatro meses para atingir tal peso e ser vendido a cerca de R$ 140. O do Zé Luís custa, sim, o dobro, mas em termos de sabor e bem-estar animal vale muito mais, motivo pelo qual A Casa do Porco sempre recorreu a eles e hoje não só monopoliza a criação, como é sócia dela.
“O Zé Luís tem olho pra saber que porca vai ser boa mãe, que porco não está bem, conversa com eles. Tudo parece ser tão fácil... Por isso que eu digo: para fazer cozinha brasileira tem que amar o seu principal ingrediente e conhecer cada passo desse chão, conhecer a criação”, explica Jefferson que destina 30 animais dela semanalmente para o Porco Real.
O “Modelo Siscal” garante que no primeiro mês os filhotes fiquem juntinhos da mãe, na “maternidade”. Depois, iniciam, soltos, a integração com a pastagem. Impressiona a calma e o alinho dos protagonistas dos banquetes servidos no Centro de São Paulo (R$ 230). Pretos, marrons, malhados, “com brinco” espalham-se à vontade pelas colinas, comem cenoura, batata-doce e beterraba do hortifruti vizinho e tomam milhares de litros de soro de leite de outro vizinho, o tradicional laticínio Queijos Roni.
“Do focinho ao rabicó, nada é desperdiçado. Eles vivem pelo menos um ano, porque é mais sustentável, mais humano. A carne pode não ser tão maciazinha quanto a de um leitão de 70 dias, mas tem personalidade, mostra que eles tiveram uma vida boa. E eu preciso honrar isso, né?”
A honraria levada a sério no Sítio São Francisco, porém, já não dá conta de atender aos 15 mil comensais que visitam o 7º melhor restaurante do mundo a cada mês. Agora, há um “puxadinho”, igualmente bem cuidado em Pardinho, com foco em cortes das linhagens canastra e moura que hoje envia oito animais por semana ao açougue.