De paladar amanteigado, untuosidade elevada e fundo adocicado, seus aromas lembram castanhas, amêndoas; às vezes caramelo. Mas seu grande diferencial são as notas muito frutadas, que remetem a abacaxi, manga, lichia e pêssego, entre outras.
Com essa “tropicalidade”, o Mandala conquistou os Estados Unidos — e faz história como o primeiro queijo artesanal brasileiro feito com leite cru a cruzar as fronteiras do País.
Produzido na fazenda Bela Vista, em Pardinho, no interior de São Paulo, pela Pardinho Artesanal, o produto foi apresentado oficialmente aos americanos há cerca de um mês. Dos 600 quilos despachados para a sofisticada Essex Street Cheese, em Nova York, metade já foi vendida.
“O Mandala é vibrante e ousado, com sabores que incluem creme de leite, castanha-do-pará, cacau e frutas tropicais como jaca e pitaya. É denso, mas não pesado, com uma textura macia e maravilhosamente elástica”, escreve a crítica americana Hannah Howard, na revista Food & Wine, a “bíblia” da alta gastronomia.
E ela completa: “Combine o Mandala com um Chardonnay mineral ou um vinho de laranja ousado e terroso. Ou faça como eu: feche os olhos e deixe os sabores se revelarem, como uma história contada em leite e tempo".
O primeiro lote do queijo escapou ao tarifaço de Trump pois havia chegado aos Estados Unidos antes da assinatura do decreto oficializando a tarifa de 50% ao Brasil, em 30 de julho. Se o presidente vai permitir que os americanos continuem a degustar o Mandala, ainda é incerto.
Os laticínios não entraram na lista de exceções do governo republicano, mas a Pardinho Artesanal também não tinha previsão de quando enviaria a segunda remessa de queijo para o mercado americano.
Como todos os dias, há uma novidade em relação à taxação dos produtos brasileiros, a empresa espera o desenrolar dos acontecimentos para traçar as estratégias futuras.
Prestígio internacional
Antes de chegar fisicamente aos Estados Unidos, o queijo paulista já fazia bonito nos concursos internacionais. Desde 2019, foram oito prêmios. Um deles , a medalha Super Ouro, em 2021, no Mondial du Fromage et des Produits Laitiers na cidade de Tours, na França. E o mais recente, o ouro no VII Prêmio Queijo Brasil, no ano passado, em Blumenau.
O “sabor dos trópicos” do Mandala, como define Hannah Howard, vem da feliz conjunção de uma série de fatores — o terroir da Cuesta, como a região de Pardinho é conhecida, a inovação e um modo de produção cuidadosíssimo.
Em uma época em que os queijos brasileiros eram sempre “tipo” os europeus, Bento Mineiro, fundador da marca, e Vanessa Alcoléa, mestre queijeira da empresa, resolveram fazer diferente.
“Nós fomos um dos pioneiros na busca por produtos que levassem o nome da região, que evidenciassem o potencial de cada região”, diz Vanessa em conversa com o NeoFeed. Com esse propósito, nasceu, em 2014, a Pardinho Artesanal, dedicada a queijos brasileiros “tipo” brasileiro. Ou melhor, tipo tropical.
Absolutamente tudo na produção queijeira impacta as características sensoriais do produto final. O uso de leite cru, não pasteurizado, preserva os microrganismos característicos do terroir, que, lá na frente, contribuem para um perfil de sabor e textura complexos e profundos.
A mistura de leite, fermento, sal e coagulantes acontece invariavelmente em tachos de cobre. O tempo de maturação do Mandala é de cerca de um ano e, nesse período, o queijo fica em caves subterrâneas de pedra, sobre prateleiras de pinus. Até sair para o mercado, duas vezes por semana, a casca do queijo é lavada com uma solução à base de microrganismos, com uma escova de crina de cavalo — importada.
Dona do grupo Sant’Anna, a família de Bento é tradicional no agronegócio — ao longo de seus 51 anos de história, a companhia começou com a cafeicultura e a pecuária comercial e, mais adiante, passou a se dedicar ao melhoramento genético de bovinos. Seus conhecimentos científicos foram decisivos na escolha das vacas que dariam o leite para o Mandala.
“Tudo partiu de uma provocação da Pardinho”, diz Bento ao NeoFeed. Explica-se: ele escolheu a raça Girsey, fruto da combinação da Gir indiana, de sangue zebu, com a europeia Jersey, leiteira tradicional.
“Como a Gir é resistente ao clima brasileiro, ela costuma ser usada apenas como ferramenta de cruzamento”, completa o empresário. O primeiro queijo da empresa, o Cuesta, é feito 100% com leite de Gir.
Na Bela Vista, os animais são criados a pasto. Ou seja, em liberdade, onde podem pastar livremente, em vez de serem criados em confinamento e alimentados com ração. E esse é mais um ponto a favor das singularidades dos queijos produzidos na Cuesta.
“NEW! Mandala from Brazil”
A exportação do Mandala para os Estados Unidos consumiu três anos de negociações e adaptações às normas sanitárias americanas. Tudo começa em 2022, quando Vanessa conhece o inglês Jason Hinds, em concurso na Espanha, do qual os dois eram jurados.
Um dos cheesemongers (comerciantes de queijo) mais influentes do mundo, por 30 anos, ele esteve à frente da respeitada loja de queijos londrina Neal’s Yard Dairy.
No ano seguinte, ele veio para cá como parte do júri do Mundial do Queijo do Brasil, do qual a mestre queijeira era uma das organizadoras. Conversa vai, conversa vem, Jason aceitou o convite para conhecer a fazenda. “Fiquei absolutamente impressionado com os queijos e o trabalho da Pardinho desde o primeiro dia que provei”, elogia ele. “O mundo ainda não conhece o queijo brasileiro.” O cheesemonger então tomou para si a missão de fazê-lo ser conhecido.
Dos seis produtos vindos da Bela Vista, ele escolheu o Mandala. Hoje, o queijo tropical entrou para o (seletíssimo) portfólio da ultrassofisticada Essex Street Cheese, cofundada por Jason.
Localizada em Nova York, a loja vende apenas uma marca de Comté francês, uma de Goudas holandês, uma de Parmigiano Reggiano italiano, uma de Manchego espanhol e duas de feta grego — distribuídos para mais de 150 restaurantes, vinícolas e empórios gourmet em todo território americano, como a premiada vinícola californiana Opus One.
Agora está lá, no site da empresa: “NEW! Mandala from Brazil”.
“A indústria brasileira de queijos especiais é jovem, mas cheia de energia e de gente brilhante, que trabalha com paixão e cooperação”, afirma Hinds. “Como setor emergente, o Brasil vive hoje um momento muito parecido ao que os Estados Unidos viveram há 30 anos, quando seus queijos artesanais começaram a ganhar forma e mercado.”
E assim nossos queijos ganham fama e prestígio internacional. O Brasil é, depois da França, o segundo país mais premiado no Mondial du Fromage et des Produits Laitiers e acumula medalhas no World Cheese Awards, duas das mais prestigiadas competições queijeiras do mundo.